Acórdão nº 0416501 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Outubro de 2006

Data11 Outubro 2006
ÓrgãoCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:*I- RELATÓRIO No Tribunal Judicial da Comarca de Vila do Conde, nos autos de instrução nº …../03.5PIPRT do ….º Juízo Criminal, o assistente B……, id. a fls. 3, apresentou queixa contra C……., id. a fls. 31, imputando-lhe factos susceptíveis de integrar os crimes de ofensa à integridade física, ameaça e injúrias.

Findo o inquérito, o MºPº proferiu despacho, determinando, além do mais, o arquivamento dos autos, "ao abrigo do preceituado pelos nºs 1 (quanto à incriminação plasmada no art. 143 nº 1 do Código Penal) e 2 (quanto à incriminação plasmada no art. 153 nº 1 ou 2) do art. 277 do Código de Processo Penal".

Notificado desse arquivamento, o assistente veio requerer a abertura de instrução, nos moldes que constam de fls. 92 a 94, identificando o arguido e alegando, entre outros factos, que: "No dia 18 de Maio de 2003, cerca das 17 horas, na Rua do ….., ….., Mindelo, deste concelho, o Arguido ofendeu voluntária e corporalmente o Assistente a murro e a pontapé, causando-lhe hematoma na mão direita, e hematomas dispersos nos membros superiores e no maléolo medial à esquerda, lesões essas que lhe determinaram, como consequência directa e necessária oito dias de doença, como resulta do relatório do exame médico de fls. 40, pelo que cometeu um crime previsto e punível pelo art. 143 nº 1 CP". Termina requerendo a pronúncia do arguido.

Porém, a Srª. Juíza, nos termos que constam da decisão de fls. 114 a 116, citando diversa jurisprudência, concluiu: "não se admite o requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente, por impossibilidade legal da instrução (cfr. artigos 287 nº 2 e nº 3 e 283 nº 3-b) todos do Código de Processo Penal) e ainda por se verificar a nulidade prevista no citado artigo 283 nº 3-b) do citado Código de Processo Penal".

A Srª. Juíza fundamenta a decisão de fls. 114 a 116, nos seguintes termos: «Requerimento de abertura de instrução de fls. 92 e ss. formulado pelo assistente B………: O Ministério Público, ao declarar encerrado o inquérito, proferiu a fls. 87, despacho de arquivamento, por entender não se indiciar a prática nos autos de factos consubstanciadores dos denunciados crimes de ofensa à integridade física e ameaça imputados ao arguido.

Não concordando com tal decisão veio agora o assistente requerer a abertura de instrução, requerendo a pronúncia do arguido C…….. .

Cotejando tal requerimento, não se descrevem todos os factos concretos que devem figurar numa eventual decisão instrutória de pronúncia, nomeadamente, os factos integradores do elemento subjectivo do crime. Com efeito, referir tão somente no requerimento de abertura de instrução "(…) o arguido ofendeu voluntária e corporalmente o assistente…", como o faz o assistente no artigo 1º, tal não consubstancia toda a dimensão do aludido elemento subjectivo, pois nada refere quanto à forma do dolo com que o agente terá actuado, nem tão pouco traduz a consciência da ilicitude da conduta do agente.

Ora, o requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente, quando o Ministério Público profere despacho de arquivamento, tem de configurar substancialmente uma acusação, com a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança e a indicação das disposições legais aplicáveis, tudo nos termos do art. 287 nº 2 do Código de Processo Penal, que remete expressamente para o artigo 283 nº 3-b) e c) do mesmo diploma. Comina, aliás, este último preceito legal a nulidade para a falta de cumprimento de qualquer destas imposições. Assim, se a não indicação das disposições legais aplicáveis (vício que igualmente se verifica) constitui nulidade dependente de arguição, o vício traduzido na falta de narração nesse requerimento dos factos integradores do crime imputado ao arguido é de conhecimento oficioso. Na verdade, o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente quando o Ministério Público arquiva o inquérito, fixa o objecto do processo, traçando os limites dentro dos quais se há-de desenvolver a actividade investigatória e cognitória do juiz de instrução. É o que resulta desde logo dos artigos 303 nº 3 e 309 nº 1 do Código de Processo Penal.

Resulta então que, quando o requerimento do assistente para abertura de instrução não narra factos que integrem um crime, não pode haver legalmente pronúncia. Nos termos do artigo 308 nº 1 do Código de Processo Penal a decisão instrutória de pronúncia tem de descrever os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança. Não contendo o requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente tais factos, a sua inclusão na pronúncia significaria a pronúncia do arguido por factos que constituiriam uma alteração substancial dos descritos naquele requerimento, sendo tal decisão instrutória nula, por força do já citado artigo 309 nº 1.

E uma instrução que não pode legalmente conduzir à pronúncia do arguido é uma instrução que a lei não pode admitir, até porque seria inútil, e não é licito praticar no processo actos inúteis, conforme preceitua o artigo 137 do Código de Processo Civil, ex vi o artigo 4 do Código de Processo Penal.

É, pois, legalmente inadmissível a instrução quando seja requerida pelo assistente e este não descreva no seu requerimento os factos integradores do crime pelo qual pretende a pronúncia do arguido.

Ora, atento o artigo 287 nº 3 do Código de Processo Penal, a inadmissibilidade legal da instrução é uma das causas de rejeição do requerimento de abertura de instrução apresentada pelo assistente.

Quer isto dizer, que a falta de descrição no requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança constitui ao mesmo tempo a nulidade prevista no artigo 283 nº 3-b), face à remissão do artigo 287 nº 2 e, em conformidade com o nº3 deste último preceito legal, causa de rejeição desse requerimento, nulidade essa do conhecimento oficioso.

E, se a lei processual penal diz qual é a consequência de falta de narração dos factos no requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente, não há aqui lugar para a figura do convite ao requerente para apresentar novo requerimento com os factos em falta.

Aliás, tal solução colidiria com o carácter peremptório do prazo referido no nº 1 do artigo 287.

Acrescenta-se, por outro lado, que neste sentido já se pronunciou o Tribunal Constitucional, no acórdão nº 27/2001 de 30 de Janeiro de 2001, publicado no DR - II Série, de 23/3/2001.»*Inconformado com essa decisão, o assistente dela interpôs recurso, concluindo a sua motivação nos seguintes termos: 1. No requerimento de abertura de instrução alega-se que o Arguido ofendeu voluntária e corporalmente o Assistente, pelo que cometeu o crime previsto e punível pelo art. 143 nº 1 CP.

  1. O, aliás, douto despacho recorrido não admitiu tal requerimento, invocando o art. 287 nº 3 CPP, com o fundamento de não conter a indicação da forma de dolo, nem a consciência da ilicitude do seu procedimento por parte do Arguido, (elemento intelectual do dolo), o que integra a nulidade prevista no art. 283 nº 3, proémio e al. b), CPP, de conhecimento oficioso, além de não indicar a norma jurídica violada, nulidade que também ocorre, embora não seja de conhecimento oficioso, como resulta do art. 283 nº 3 proémio e al. c), CPP, conjugados com os arts. 120 nº 1 e 119 do mesmo diploma.

  2. Quanto à falta de indicação da norma jurídica violada, trata-se de uma manifesta distracção da Mmª Juíza a quo, visto que é indicada expressamente - o art. 143 nº 1 CPP.

  3. No tocante à modalidade do dolo, ao alegar-se que o Arguido ofendeu voluntária e corporalmente o...

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