Acórdão nº 07B2210 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Julho de 2007

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução05 de Julho de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

O Estado Português, intentou, no dia 6 de Março de 2003, contra AA-Consultores de Engenharia Ldª, acção declarativa de condenação com processo ordinário, contra, pedindo a sua condenação a pagar-lhe € 15 788,12, acrescidos de € 16.517,81 relativos a juros de mora vencidos e ainda juros vincendos.

Fundamentou a sua pretensão na sucessão da Direcção-Geral do Tesouro ao Fundo de Garantia de Riscos Cambiais, que suportava os riscos cambiais resultantes da fixação da taxa de câmbio nas operações de crédito externo de interesse nacional, na celebração entre a ré e o referido Fundo, entre 1982 e 1984, de contratos de financiamento e de fixação de câmbio de operações efectuadas através do Banco BB SA, pelo que ficou a este devedora de 3 165 233$40 e que lhe pagou.

Em contestação, a ré invocou, por um lado, o abuso de direito por terem decorrido mais de vinte anos entre a celebração de cada um dos contratos e a sua citação e inexistirem os documentos que titulem as relações comerciais em causa, e a prescrição do direito de crédito do autor, incluindo os juros, derivado de pagamento a outrem, ainda que devesse funcionar o enriquecimento se causa.

E, por outro que, na eventualidade de no momento da extinção do Fundo haver saldo a favor deste contra ela, tal ter decorrido do facto de o Banco BB SA ter indevidamente creditado a sua conta em excesso indevido ou a não ter debitado ou a não ter interpelado para proceder ao depósito ou ter-se enganado nas contas.

No despacho saneador foi declarada a prescrição dos juros peticionados pelo autor até 11 de Março de 1998 e relegada para final a apreciação das restantes excepções, e, realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 12 de Dezembro de 2005, por via da qual foi a acção julgada improcedente.

Apelou o autor, e a Relação, por acórdão proferido no dia 21 de Novembro de 2006, negou-lhe provimento ao recurso.

Interpôs o apelante recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - devia a Relação ter declarado provado que a ré ficou a dever ao Fundo de Garantia de Riscos Cambiais 3 165 233$40, por tal resultar das respostas aos quesitos, com as alterações que se impõem quanto a alguns deles, bem como dos documentos juntos, não postos em causa; - a Relação devia ter alterado as respostas aos quesitos 3º,5º,7º,12º,16º e 19º, em obediência ao disposto no artigo 712º do Código de Processo Civil; - a recorrida não interferia nos procedimentos do Banco que, por iniciativa própria, ao abrigo das suas funções, encaminhava para a conta do Fundo os montantes que apurava; - o Banco agia como gestor das operações respeitantes às exportações que a recorrida efectuava, submetidas ao regime dos contratos de garantia de riscos cambiais; - o recorrente pagou ao Banco 3 165 233$40 de que ele se encontrava desembolsado, quantia que a recorrida lhe devia decorrente de diferenças cambiais, efectuada a compensação com o devido pelo diferencial entre a taxa de juro do financiamento em escudos e a taxa de juro do financiamento externo; - incumbia à recorrida, nos termos dos artigos 342º e 799º do Código Civil, o ónus de alegar e provar os factos que suportam pagamento em sede de excepção peremptória, o que não fez, pois só alegou não poder precisar se recebeu e o que recebeu de cada um dos seus clientes moçambicanos relativamente a cada uma das prestações previstas para cada um dos contratos; - a dívida da recorrida face ao recorrente devia ter sido considerada provada, nos termos do artigo 490º, nº 3, do Código de Processo Civil, porque o pagamento é um facto pessoal e a última se limitou a afirmar não saber se ele ocorreu ou não; - devia a Relação alterar as respostas aos quesitos 3º,5º,7º,12º,16º e 19º de não provado para provado, por virtude de a respectiva matéria não ter sido impugnada e de os documentos insertos a folhas 201 a 206, cujo conteúdo não foi infirmado, implicarem essa alteração, nos termos do artigo 712º do Código de Processo Civil; - a aceitação pela Relação da fundamentação da decisão da matéria de facto da primeira instância revela-se acrítica, porque as testemunhas inquiridas confirmam o teor dos documentos e o modo de operar das entidades envolvidas e aqueles só foram assinados por uma testemunha; - devia ter sido considerado provado que a recorrida não entregou ao recorrente a mencionada quantia, apesar de ter sido instada a fazê-lo por carta de 5 de Novembro de 1992, sem que invocasse que não pagava porque não devia; - da prova produzida resulta a existência da dívida em causa, embora se imponha a alteração da resposta aos quesitos 3º,5º,7º,12º,16º e 19º, sob pena de violação do duplo grau de jurisdição; - o acórdão recorrido violou os artigos 341º, 342º e 799º do Código Civil, 487º a 489º, 490º, nºs 2 e 3, 655º, 661º, nº 2, e 712º do Código de Processo Civil; - deve ser revogado e ordenada a baixa dos autos à Relação para conhecimento da matéria de facto, e a recorrida deve ser condenada a pagar ao recorrente a mencionada quantia e os juros.

Respondeu a recorrida, em síntese de conclusão: - ao requerer a baixa do processo à Relação, o recorrente formula inadmissível pedido de valoração da prova; - o recorrente visa aditar a circunstância formal da verificação de excepção peremptória extintiva do seu direito fundada no pagamento que não foi alegada, certo que alegou o abuso do direito; - à data da propositura da acção, a demonstração do pagamento era absolutamente impossível; - da circunstância de ser o Banco que, autónoma e independentemente, realizava as operações de crédito e débito emergentes dos contratos sem a participação da recorrida apenas se pode concluir que o desconhecimento da existência do crédito do Fundo sobre a recorrida não constitui facto pessoal de que ela devesse ter conhecimento; - a alegação do recorrente de que à recorrida incumbe a prova do pagamento realizado assenta no pressuposto inadmissível da possibilidade de reapreciação e alteração da matéria de facto pelo Supremo Tribunal de Justiça; - o direito invocado pelo recorrente apenas poderia assentar no enriquecimento sem causa da recorrida, porque aquele alegou como causa de pedir ter pago a quantia em causa ao Banco quando por este solicitado e por força de alegada mas não demonstrada dívida daquela ao Fundo; - o eventual direito do recorrente à restituição do que pagou ao Banco sempre deverá ser considerado extinto por prescrição, atento o disposto no artigo 482º do Código Civil, nos termos do qual aquele direito prescreve no prazo de três anos; - deve manter-se o conteúdo do acórdão recorrido.

II É a seguinte a factualidade declarada provada no tribunal recorrido: 1. Pelo Decreto-lei nº 75-D/77, de 28 de Fevereiro, posteriormente alterado pelo Decreto-lei nº 418/77, de 3 de Outubro, foi criado o Fundo de Garantia de Riscos Cambiais, o qual tinha por objecto suportar os riscos cambiais resultantes da fixação da taxa de câmbio nas operações de crédito externo que revestissem relevante interesse nacional, praticar operações financeiras no mercado monetário e a constituição de depósitos de qualquer natureza em instituições de crédito, com vista à aplicação das suas disponibilidades e outros fundos em moeda nacional.

  1. O referido Fundo celebrou contratos de garantia de risco cambial com importadores de capital e exportadores nacionais, designadamente exportadores, para os países africanos de língua oficial portuguesa.

  2. As exportações envolviam o financiamento do exportador nacional ao importador estrangeiro, em moeda externa, dólares americanos, a médio e longo prazos, e o exportador financiava-se em escudos, no sistema bancário nacional, pelo mesmo prazo da operação de exportação.

  3. O Fundo pagava ao exportador o diferencial entre a taxa de juro do financiamento em escudos e a taxa de juro do financiamento externo, e, segundo o artigo 3º do Decreto-Lei nº 75-D/77 a gestão do Fundo competia ao Banco de Portugal, realizando este, em nome e por conta e ordem daquele Fundo, as operações próprias do seu objecto - artigo 20º nº 2.

  4. Representantes da ré e do Fundo declararam: - celebrar entre si os seguintes contratos de fixação de câmbio: 694/1982/E, 787/1982/E,825/1982/E,858/1983/E,859/1983/E,951/1983/E,952/1983/E, 107/1983/E,1110/1983/E,1724/1984/E, 1211/1983/E,1212/1983/E,1284/1983/E,1326/1983/E,327/1983/E 364/1983/E,1388/1983/E,1460/1983/E,1490/1983/E,1498/1983/E,1513/1983/E,555/1983/E, 1556/1983/E,1619/1984/E,1624/1984/E,1674/1984/E,1728/1984/E,1768/1984/E,769/1984/E, 1809/1984/E,1810/1984/E,1838/1984/E,1920/1984/E,1934/1984/E,1972/1984/E,020/1984/E, 2230/1984/E e 788/1982/E; - no tocante a cada um as obrigações da ré venceram-se de seis em seis meses, a primeira em 11 de Agosto de 1984, as seguintes em 11 de Fevereiro de 1985, 11 de Agosto de 1985, 11 de Fevereiro de 1986, 11 de Agosto de 1986, 11 de Fevereiro de 1987, e a última em 11 de Agosto de 1987, de acordo com os...

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