Acórdão nº 07B2027 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Julho de 2007

Data05 Julho 2007
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum ordinário, contra "I...R...do Tâmega, S.A.", pedindo a condenação desta a ver declarada a nulidade dos contratos promessa de compra e venda identificados e, em consequência, a restituir-lhe a quantia global de 12.100.000$00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a interpelação que o A. efectuou à R. para a devolução e até efectiva restituição.

Alegou que o A. e a R. celebraram quatro contratos-promessa de compra e venda de quatro fracções autónomas, tendo aquele entregue a esta a quantia de 3.025.000$00 por cada um dos contratos, sendo que nenhum dos contratos contém o reconhecimento presencial das assinaturas nem a certificação da exibição da licença de construção, tendo o A. invocado a nulidade decorrente destas omissões por carta, que a R. recebeu, em 14/05/2001, e à qual nada respondeu.

A R. contestou, alegando que foi o A. quem pretendeu outorgar os contratos-promessa sem cumprir com as referidas formalidades, pois a sua intenção era ceder a sua posição contratual a terceiros, antes da celebração do contrato definitivo, sem deixar qualquer registo do contrato inicial consigo celebrado, informando a R. de que só estava interessado em contratar nessas condições e que só invocou, posteriormente, a nulidade por ter tido dificuldades em encontrar terceiros a quem ceder a sua posição contratual nos respectivos contratos, pelo que a sua actuação constitui manifesto abuso de direito.

Deduziu, ainda, reconvenção, concluindo que o comportamento do A., que não é válido, traduz uma recusa definitiva em outorgar os contratos definitivos e, portanto, consubstancia um incumprimento definitivo culposo dos contratos-promessa.

Pede que seja declarado o incumprimento definitivo dos contratos-promessa por causa exclusivamente imputável ao A. e a sua consequente resolução; declarado o direito da R. a fazer sua a quantia de 12.100.000$00, relativa à perda dos sinais prestados no âmbito dos mesmos contratos-promessa, e condenado o A. a reconhecer tal direito.

O A. replicou, impugnando os factos alegados pela R. e defendendo não existir incumprimento da sua parte, até porque nunca foi interpelado pela R. para outorgar as escrituras definitivas.

Ampliou, ainda, o seu pedido inicial, na sequência da alegação da R. de que o prédio onde se integram as fracções está concluído e com licença de utilização emitida, o que ocorre desde 24/04/2001. Apesar disso, a R. não designou dia para a celebração dos contratos definitivos e que a sua posição na acção manifesta intenção de não cumprir, pedindo, subsidiariamente, a execução específica dos contratos-promessa e, subsidiariamente a este último pedido, para o caso de impossibilidade, a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de 24.200.000$00, correspondente à devolução em dobro do sinal, acrescida de juros à taxa legal desde a notificação e até efectivo pagamento.

A R. treplicou, defendendo não ser admissível a ampliação do pedido e alegando que a marcação das escrituras definitivas cabia a qualquer das parte, sendo que o A. também não o fez e que nunca recusou celebrar os contratos definitivos.

Foi admitida a ampliação do pedido.

Saneado, instruído e julgado o processo, veio a ser proferida sentença, que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, declarou nulos os contratos promessa celebrados entre A. e R., condenando a R. a restituir ao A. a quantia de 60.354,55 euros, equivalente a 12.100.000$00, acrescida de juros de mora à taxa legal de 7%, desde a citação até 30/04/2003, e de 4%, ou outra que legalmente venha a estar em vigor, desde 1/05/2003 até integral pagamento.

Julgou improcedente a reconvenção e, em consequência, absolveu o A. do pedido.

Inconformada, a R. apelou desta decisão.

O A., por sua vez, recorreu subordinadamente.

Por acórdão de 9 de Novembro de 2006, o Tribunal da Relação do Porto confirmou a decisão.

Irresignada, a R. pede revista.

Concluiu a alegação do recurso pela seguinte forma: Os presentes autos configuram uma situação em que não assiste ao recorrido (promitente-comprador) o direito de invocar a nulidade decorrente da omissão das formalidades prescritas no art. 410°, nº 3, do Código Civil; A finalidade essencial prosseguida pela lei, como resulta do preâmbulo do DL. nº 236/80, de 18.07, que aditou a versão originária daquele preceito, é a tutela do promitente-comprador contra os riscos de promessa de venda de prédios de construção clandestina; Ou seja, trata-se de uma intervenção em nome da protecção do consumidor - o promitente-comprador - numa lógica de defesa da parte considerada contratualmente mais débil, julgada leiga no sector (normalmente um particular, em confronto com empresas de construção e venda de bens imobiliários); Porém, em face do que ficou provado nos autos (facto 11), o recorrido (promitente-comprador) não revela uma posição de comprador-consumidor débil e leigo, a necessitar de ser protegido, mas sim de posterior vendedor intermediário e especulador imobiliário, com intuitos lucrativos, necessariamente avisado e conhecedor dos meandros deste tipo de negócios; Além disso, ficou também provado (facto 8) que, previamente ao acto de assinatura dos contratos em causa nos autos, o recorrido e a recorrente, por mútuo acordo, dispensaram as referidas formalidades, havendo, por isso, culpa de ambos quanto à omissão das mesmas e, portanto, culpa também do recorrido; Ademais, no que toca à falta de certificação notarial da existência da licença de utilização, tendo em vista o referido objectivo do legislador ao impor esta formalidade, não se verificava qualquer risco ou dano para o recorrido (promitente-comprador) quanto a eventuais promessas relativas a prédios clandestinos, uma vez que ficou provado que tal licença existia desde 20.04.2001 (facto 13); Assim, a necessidade de protecção do recorrido (promitente-comprador), fim essencial da referida norma, não se verifica em casos desta natureza em que aquele, como promitente-comprador, necessariamente avisado, também deu causa à omissão das formalidades em questão e não sofreu qualquer lesão no âmbito dos interesses tutelados pela norma; Pelo que e tendo ainda em conta os princípios basilares da boa fé que subjazem à formação, integração e cumprimento dos contratos (artigos 227°, 239° e 762°, nº 2, todos do Código Civil), o mesmo regime que sujeita o promitente-comprador à arguição da nulidade pelo promitente-vendedor quando faltem, por culpa sua, os requisitos formais em causa, deve também impor, neste caso, ao recorrido, o impedimento de ele próprio invocar tal nulidade; De outra forma, desvirtuar-se-ia a finalidade do referido preceito, permitindo, ab initio, ao promitente-comprador (recorrido), deixar deliberadamente uma porta aberta para poder desvincular-se do contrato sempre que este já não lhe convenha, o que foi certamente o que aconteceu no presente caso; De todo o modo, a nulidade decorrente da omissão formal em causa sempre devia considerar-se sanada pela existência da licença de utilização e tal sanação também impedia a sua invocação pelo recorrido; Por outro lado, o mútuo acordo do recorrido e da recorrente no sentido de dispensarem as formalidades em causa configura claramente uma renúncia tácita ao direito de invocar a invalidade decorrente da omissão das mesmas, renúncia essa que é perfeitamente válida; Pelo que se impõe a conclusão de que o direito do recorrido de ver declarados nulos os contratos em causa encontra-se extinto, já que, tendo ele renunciado, prévia e validamente, a tal direito, não pode vir agora exercê-lo; Assim, o acórdão recorrido interpretou e aplicou erradamente a norma constante do artigo 410°, nº3 do Código Civil, uma vez que, in casu, impunha-se uma interpretação restritivo-teleológica desta norma, reduzindo o seu campo de acção e concluindo pela inexistência e extinção do direito à invocação, pelo recorrido (promitente-comprador), da nulidade decorrente da omissão das formalidades nela prescritas, em face do seu fim de protecção e da renúncia prévia e válida a tal direito; Mesmo que assim se não venha a entender, antes se reconhecendo ao recorrido o direito de invocar a omissão das formalidades em causa, então sempre se dirá que, existindo esse direito, o seu exercício é ilegítimo, por via do abuso do direito; Neste caso, o abuso traduz-se na modalidade de venire contra factum proprium, pois é manifesto o exercício inadmissível, pelo recorrido, de uma posição jurídica em contradição com o comportamento por ele anteriormente assumido, no qual a recorrente fundadamente confiou; Efectivamente, estão preenchidos os requisitos que a doutrina e a jurisprudência apontam para a verificação daquela modalidade, ligada à tutela da confiança, na qual se concretiza, nestes casos, a boa fé; Uma vez que, em face do que emerge factualmente dos autos, toda a conduta do recorrido foi de molde a criar, legítima e justificadamente, na recorrente, que sempre esteve de boa fé, uma forte confiança de que o vício em causa não viria a ser invocado, pondo em crise a bondade dos contratos; A recorrente investiu nessa confiança, o que, porém, lhe causou danos, pois a mesma veio a ser injustamente frustrada pelo comportamento incoerente, contraditório e contrário à boa fé que o recorrido posteriormente evidenciou; Destarte, a arguição da nulidade dos contratos em questão pelo recorrido, nas circunstâncias em que ocorreu, constitui abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, em virtude de o seu exercício exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé e mesmo pelo fim económico ou social desse direito (artigo 334° do código civil), até porque, como já se viu, a razão determinante das formalidades em causa - proteger o promitente-comprador - não se verifica no caso concreto; Por esta razão - bem como pelas outras anteriormente expostas - devem os contratos em causa nos autos considerar-se como convalidados e...

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