Acórdão nº 638/19.2T8FND.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelCRISTINA NEVES
Data da Resolução17 de Março de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: RELATÓRIO S..., Lda..

, intentou acção declarativa, sob a forma única de processo comum, contra AA e esposa BB, peticionando que: -seja reconhecida a licitude da resolução de contrato-promessa de compra e venda celebrado entre as partes processuais e, em consequência -sejam os réus condenados a devolver à autora o sinal recebido no valor de €15.000, acrescido de juros vencidos e vincendos, ou, caso assim não se entenda, -seja declarado o incumprimento do dito contrato por parte dos réus, condenando-se estes na restituição à autora do sinal em dobro, acrescido de juros à taxa supletiva legal aplicável às obrigações comerciais, desde a data da citação até integral pagamento.

Para fundamentar os seus pedidos alegou, em síntese, que tendo celebrado, em maio de 2017, contrato promessa de compra e venda com vista à aquisição de dois imóveis, um rústico e o outro urbano, pelo valor de € 45.000,00, com entrega de sinal no valor de € 15.000,00, ocorreu um incêndio na ..., em agosto desse ano, tendo ardido as árvores e vegetação existente nos imóveis e danificado os respectivos muros, razão pela qual, nunca tendo conseguido negociar com os promitentes vendedores a redução do preço, comunicou-lhes a resolução do contrato por alteração anormal das circunstâncias que estiveram na base da celebração do contrato promessa de compra e venda, a que estes não deram qualquer resposta.

Alega ainda que, não se entendendo assim, os réus não compareceram à escritura pública de compra e venda datada de 10.11.2017, nem responderam à missiva da autora datada de 22.09.2017, pelo que se tem de entender que incumpriram definitivamente o aludido contrato promessa de compra e venda, conferindo à A. o direito de optar pela restituição do sinal em dobro.

* Regularmente citados, vieram os réus alegar, em suma, que o aludido incêndio apenas queimou pasto, algumas mimosas e 6 eucaliptos, tudo num valor global inferior a €1000,00 e que a representante legal da autora transmitiu aos réus que, caso a redução do preço proposta (de €25.000,00) não fosse por eles aceite, iria resolver o aludido contrato promessa de compra e venda celebrado entre as partes processuais.

Acrescentaram ainda que, em face da intenção da autora, e como não aceitaram a sua proposta, optaram por não ir à escritura pública de compra e venda datada de 10.11.2017.

* Realizou-se audiência prévia nos termos constantes de fls. 69/70, tendo sido proferido despacho saneador com fixação do objecto do litígio e elaborados temas da prova.

* Na sequência do óbito do réu AA, foram habilitados nos autos por sentença de 16/02/21, transitada em julgado, a sua esposa BB (a aqui ré) e os seus seis filhos, CC, DD, EE, casada com FF, GG, HH e II, casado com JJ.

Após, realizou-se audiência de julgamento, sendo proferida sentença na qual se julgou a acção improcedente e se absolveram os RR. dos pedidos formulados pela A.

* Não conformada com esta decisão, impetrou a A. recurso da mesma relativamente à matéria de facto e de direito, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem: “I – O contrato dos autos é nulo, por violação do disposto no nº 3 do artigo 410 do Código Civil, nomeadamente por falta de reconhecimento das assinaturas e de certificação, pela entidade que realiza aquele reconhecimento, da existência da respectiva licença de utilização ou de construção.

II- A nulidade atípica prevista na referida norma é invocável a todo o tempo e, como tal, não se encontra sanada pelo facto de não ter sido invocada previamente nos autos.

III – Deveria ter sido dado como provado que “c. Após o incêndio mencionado no ponto 9, dos factos provados, as construções existentes nos imóveis descritos no ponto 2 dos factos provados, nomeadamente os muros, ficaram em risco de ruína, criando risco para quem ali se deslocasse.” IV – Para tal prova concorrem as declarações de parte da representante legal da A., da testemunha KK, conjugados com as regras da experiência comum e as fotografias juntas à Resposta à Contestação com os números 2, 12, 13, 18, 25, 26 e 33.

V – Deveria ter sido dado como provado que: “d. No mês de agosto de 2017, a representante legal da autora, LL abordou os réus, na pessoa de CC, filho dos réus, e propôs uma redução do preço, que os réus não aceitaram.” “e. A autora transmitiu aos réus, na pessoa de CC, que, sem a redução do preço proposta, resolveria o contrato promessa descrito no ponto 2.” VI – Para tal concorrem as declarações de parte dos intervenientes na conversa, a representante da A. e o réu CC, e a confissão – ao menos parcial – constante da contestação dos réus.

VII- Faltando os réus à escritura por si marcada, sem qualquer justificação para o efeito, verifica-se incumprimento definitivo.

VIII – Ainda que assim não se entenda, se os réus não aceitam ter existido fundamento para a A. resolver o contrato promessa por alteração de circunstâncias, então para os RR. o contrato mantém-se válido pelo que, ao celebrarem escritura com terceiro (facto provado 28), incumpriram definitivamente o contrato pelo que a douta decisão viola o disposto no artigo 801 do código civil.

XIX – Constando do contrato promessa de compra e venda do imóvel dos autos, a proibição dos RR. cortarem qualquer vegetação até à realização da escritura, o que evidencia a importância dada a essa vegetação na celebração do negócio, um incêndio que destroí por completo a vegetação e deixa em risco os muros e danificada a construção existente, é fundamento para a alteração superveniente das circunstâncias., pelo que a douta decisão viola o disposto no artigo 437º do Código Civil.

Nestes termos e no mais de direito, sempre com o douto suprimento de V. Ex.as, deve a douta decisão a quo ser revogada e substituída por outra que: 1) Declare a nulidade do contrato promessa dos autos e determine a restituição do valor pago a titulo de sinal à A.

Caso assim não se entenda: 2) Declare o incumprimento definitivo dos RR. e a devolução do sinal em dobro ou, Caso assim não se entenda: 3) Reconheça o direito da A. a resolver o contrato promessa com base em alteração superveniente das circunstâncias, condenando assim os réus a devolverem o montante de sinal à A.

Com o que se fará a mais completa e habitual, JUSTIÇA” * Pelos RR. foram interpostas contra-alegações, delas resultando as seguintes conclusões: “1ª A recorrente impugna a matéria de facto no tocante aos factos considerados como não provados constantes das als. C, D e E da douta sentença recorrida, através da reanálise de depoimentos de testemunhas ouvidas em sede de julgamento.

  1. A recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso não menciona uma qualquer passagem/excerto da gravação das testemunhas que refere que implique decisão diversa da recorrida, limitando-se, tão-somente a indicar o nome da testemunha que, segundo a Ré, justificaria a modificação da decisão de facto.

    Assim, verifica-se ostensivo desrespeito das exigências claramente estabelecidas na lei em matéria de impugnação da matéria de facto. Pelo que, deve ser rejeitada a impugnação da matéria de facto levada a cabo pela recorrente.

  2. Caso assim não se entenda, O recurso da matéria de facto é um verdadeiro recurso e, como tal, para que proceda, importa que se possa concluir, com segurança, pela verificação de um erro de julgamento de facto, não bastará ao Tribunal da Relação adquirir uma convicção probatória divergente da que foi adquirida em primeira instância para que seja alterada a decisão de facto da primeira instância, sendo necessário para tanto que o Tribunal da Relação esteja em condições de afirmar a existência de um erro de apreciação e valoração da prova por parte do tribunal de primeira instância. (nosso sublinhado).

    As passagens dos depoimentos das testemunhas e das partes ressalvados pela recorrente nas suas alegações, mais não se tratam do que uma versão diferente da que foi considerada provada e não provada pelo tribunal “a quo”. Ora para que o tribunal “a quo” incorra, de facto, num erro ostensivo na apreciação da prova, teria de ter ocorrido uma apreciação totalmente arbitrária das provas produzidas em audiência de julgamento, uma afronta as mais elementares regras de experiência, em termos de se poder dizer que existe uma flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto. O tribunal “a quo” fez a sua valoração da prova produzida, com apresentação da respectiva motivação de facto, na qual explicitou minuciosamente, não apenas os vários meios de prova (depoimentos testemunhais, documentos, declarações de parte, etc.) que concorreram para a formação da sua convicção, como os critérios racionais que conduziram a que a sua convicção acerca dos diferentes factos controvertidos se tivesse formado em determinado sentido e não noutro.

    Pelo que, por estas razões agora aduzidas terá de improceder o recurso da matéria de facto mantendo-se inalterada a matéria considerada provada e a não provada, excepto quanto ao infra referido em sede de recurso subordinado.

  3. Por outro lado, insiste a recorrente em afirmar que os RR, primitivos, faltaram à escritura pública por si agendada. Na verdade, a A. já tinha avisado por intermédio do então mandatário que não iria outorgar a escritura pelo preço constante do contrato promessa de compra e venda dos autos, pelo que os RR. não compareceram.

    Tal resulta claro do depoimento da legal representante da A., ora recorrente, que no seu depoimento gravado no sistema informático no dia 07/09/2021 desde as 11.3... a 12.0... cuja passagem de 27 min. a 30 min., se ressalva, pode-se ouvir a recorrente afirmar que não assinava a escritura de compra venda pelo valor de 45000€. Que, apenas, se deslocou ao cartório para falar com as pessoas, herdeiros!!, -quando os RR. primitivos se encontravam vivos à data-, para os sensibilizar a devolverem-lhe o dinheiro do sinal i.e. 15000€.

    Não pode...

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