Acórdão nº 07B566 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução08 de Março de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I O ... Clube de Portugal intentou, no dia 4 de Abril de 2001, contra Empresa-A, AA, BB, CC e DD, acção declarativa de condenação, com processo sumário, pedindo a sua condenação solidária a pagar-lhe 100 000 000$, a título de danos não patrimoniais, com fundamento na redacção e publicação no jornal ... da falsa notícia de que o autor era devedor ao fisco.

Os réus, em contestação, afirmaram ser o futebol e o comportamento dos clubes de interesse público, justificar-se o direito de informação e o de liberdade de imprensa, não terem praticado qualquer ilícito.

O autor, na réplica, afirmou que a colisão entre o direito ao bom nome e à reputação e o direito de informação e de expressão deve ser resolvida em detrimento do segundo.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 15 de Abril de 2005, por via da qual os réus foram absolvidos do pedido, sob o fundamento em causa de justificação da acção.

Apelou o autor, impugnando a decisão de facto e de direito, e a Relação, por acórdão proferido no dia 19 de Setembro de 2006, negou provimento ao recurso, quando à decisão de direito em quadro de mera confirmação da motivação da sentença proferida no tribunal da 1ª instância.

Interpôs o apelante recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - a ofensa do crédito e do bom nome do recorrente com a publicação da notícia foi injustificada porque não foram cumpridas as exigências da verdade, faltou interesse público em informar e foi usado o meio mais danoso; - na altura da publicação da notícia, o recorrente não era devedor de qualquer quantia, não tinha sido notificado pela Administração Fiscal, esta estava a averiguar eventuais montantes não contabilizados, e cumpria integralmente o Plano Mateus; - as informações escassas e contraditórias de fonte oral de que os recorridos dispunham exigiam-lhes o aprofundamento das razões da falha na Administração Fiscal na averiguação dos valores em dívida e não divulgar a notícia ofensiva e falsa, tendo-a divulgado pelo meio mais danoso; - o interesse público não foi cumprido, porque não foi explicado o motivo da não integração no Plano Mateus dos valores que a Administração Fiscal devia ter apurado e não apurou, na publicação predominou o interesse na maximização das vendas, do sensacionalismo e do aproveitamento do bom nome do recorrente; - faltando à verdade, os recorridos induziram os leitores em erro, a liberdade de imprensa e o direito à informação não cederam, não foram exercidos adequada e proporcionalmente, o direito ao bom nome e ao crédito do recorrente foi anulado; - não há causa de justificação da ilicitude, o direito foi exercido de forma ilegítima e abusiva face à boa fé, aos bons costumes e ao fim social e económico; - foram relatados factos não verídicos, ofensivos do crédito e bom nome do recorrente sem respeito pelos deveres de verdade, de isenção e de objectividade sem recurso a fontes diversas e credíveis; - o acórdão violou os artigos 334º, 335º, 483º, 484º e 496º do Código Civil e 14º, alínea a), c) e h), da Lei nº 1/99, de 13 de Janeiro, e o disposto nos nºs 1 e 5 do Código Deontológico dos Jornalistas.

Responderam os recorridos, em síntese de conclusão de alegação: - os factos provados revelam a verdade dos factos publicados e o cumprimento do dever de investigação jornalística por parte dos recorridos; - é notório o interesse público da notícia e da matéria em causa e inexiste abuso de direito por parte dos recorridos; - não tem fundamento a argumentação do recorrente no sentido de, em nome do menor dano, se afastar do caso e ser substituído pela Administração Fiscal; - o acórdão respeita e aplica correctamente os artigos 483º, 484º do Código Civil, 37º e 38º da Constituição e 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

II É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido: 1. O autor é uma instituição desportiva de utilidade pública de conhecido renome, a nível nacional e internacional, tendo inclusivamente ganho, na época desportiva de 1999/2000, o Campeonato Nacional da I Liga de Futebol Profissional, e integra actualmente um grupo de empresas comerciais, uma delas cotada na bolsa.

  1. Empresa-A é a dona da empresa jornalística do jornal ..., e o "..." é um jornal diário considerado no mercado ser de grande credibilidade, constituindo mesmo o que se chama um "opinion maker", e o seu perfil de leitor coincide com estratos sócio-profissionais elevados.

  2. Os clubes de futebol em Portugal, incluindo o autor, durante muitos anos, não pagaram ao Estado os impostos e contribuições para a segurança social que eram devidos.

  3. A partir de 1996, houve uma actuação do poder político no sentido de se proceder à regularização das dívidas fiscais referidas sob 2, que passou pelo toto-negócio, que não chegou a ser concretizado por ter sido rejeitado na Assembleia da República.

  4. Posteriormente, em 1997, foi acordado um plano de regularização das dívidas dos clubes de futebol ao fisco, nos termos do Decreto-Lei nº 124/96, de 10 de Agosto - Plano Mateus - para tal devendo entregar, como dação em pagamento, para liquidação das dívidas existentes até 31 de Julho de 1996, as receitas futuras das apostas mútuas desportivas a que tinham direito, de acordo com as normas da dação em pagamento do Decreto-Lei nº 125/96, de 10 de Agosto, e as dívidas de cada um dos clubes de futebol eram agregadas num bolo geral e cobertas pela dação em pagamento das receitas do totobola.

  5. A dívida fiscal do autor apurada em 1996 e que veio a ser incluída no auto de dação em 1999, era de 841 274 000$, e o auto de dação em cumprimento relativo ao despacho nº 7/98-XIII, de 4 de Março, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais apenas viria a ser firmado no dia 25 de Fevereiro de 1999, devido a obstáculos e peripécias vários 7. No auto de aceitação de dação em pagamento firmado em 25 de Fevereiro de 1999 consta que são dadas como dação em pagamento as verbas do totobola, pelo prazo de doze anos e meio, a contar de 1 de Julho de 1998 e até Dezembro de 2010, no montante máximo de dez milhões novecentos e dois mil contos, acrescentando-se que a dação definida no despacho mencionado sob 6, que passa a fazer parte integrante do presente auto, destina-se a pagar as dívidas fiscais nele quantificadas dos clubes de futebol constantes da lista anexa, até ao montante atrás indicado.

  6. Todas as dívidas do autor à Administração Fiscal, apuradas pela Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais até 31 de Julho de 1996, foram incluídas no requerimento que o autor apresentou no âmbito do Plano Mateus, e todos os pagamentos a que ele se vinculou a efectuar à Administração Fiscal, desde a aprovação do seu requerimento para a adesão ao Plano Mateus, têm vindo a ser efectuados.

  7. A partir do auto de aceitação da dação em pagamento referido sob 7, a única informação pública sobre a situação fiscal dos clubes de futebol só pode ser obtida através da confirmação da emissão de uma certidão anual, pelas repartições de finanças, de cumprimento do Plano Mateus, que era - e é - entregue pelos clubes na Liga Portuguesa do Futebol Profissional.

  8. EE não garantia a credibilidade das certidões referidas sob 9, conforme o expressou em conferência de imprensa no dia 25 de Junho de 2001, e as informações existentes sobre a situação fiscal dos clubes de futebol são muitas vezes escassas e contraditórias, sendo impossível apurar da sua veracidade, já que a Administração Fiscal se escuda no sigilo fiscal, nunca tendo divulgado a identificação de qualquer clube incumpridor.

  9. Dado que estavam ainda em curso acções de inspecção sobre os clubes de futebol, à data de fixação, em 1996, do valor da dívida global para ser considerada para efeitos da dação em pagamento, veio a apurar-se existirem dívidas dos clubes que não tinham sido contabilizadas, o que gerou alguma polémica ao nível da Administração Fiscal, já que tais dívidas não podiam considerar-se incluídas na dação em pagamento e não o tinham sido, pelo que deveria ser exigido o seu pagamento aos clubes, nomeadamente se houvesse crime.

  10. O réu BB tinha conhecimento de que teriam surgido dívidas dos clubes anteriores a 1996 que não tinham sido contabilizadas para efeito de inclusão no Plano Mateus, e que não estavam a ser exigidas aos mesmos pela Administração Fiscal, e foi informado por uma fonte que considerou credível que em relação ao autor uma dívida fiscal anterior a 1996 não teria sido paga nem considerada no auto de dação em pagamento.

  11. Segundo a fonte mencionada no número anterior, a dívida em causa era da ordem dos quatrocentos e sessenta milhões de escudos, e o réu BB procurou apurar da existência de tal dívida, nada podendo confirmar oficialmente, dado o regime do sigilo fiscal, tendo contactado diversas pessoas, dentro de diversas instituições, procurando recolher elementos que confirmassem ou infirmassem a existência de tal dívida.

  12. Mercê do referido sob 13, o réu BB veio a ter acesso, sob sigilo, a um documento anexo a uma nota do Gabinete do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que referia a existência de uma dívida fiscal do autor, para além da considerada no auto de dação, em montante próximo de seiscentos milhões de escudos.

  13. O réu BB, face ao referido sob 14, contactou de novo a sua fonte, que lhe assegurou que o valor seria inferior àquele, na ordem dos quatrocentos e sessenta milhões de escudos.

  14. Além de contactar o autor, o réu BB contactou o Ministério das Finanças para confirmar a existência da dívida, mas, invocando o segredo fiscal, foi-lhe recusada qualquer informação sobre o assunto - como igualmente se refere na notícia referem as declarações de FF, na qualidade de secretário da Liga Portuguesa de Futebol.

  15. O réu BB não tinha qualquer outro meio de confirmar a existência da dívida para além daqueles a que recorreu, sendo certo que tinha tido acesso a um documento que indicava a existência de uma dívida fiscal do autor até de...

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