Acórdão nº 1405/07.1TCSNT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Julho de 2017
Magistrado Responsável | LOPES DO REGO |
Data da Resolução | 13 de Julho de 2017 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. O Dr. AA, intentou acção declarativa, sob a forma ordinária, contra BB - Serviços Editoriais e Gáficos, S.A., CC, Director da Revista DD de Julho a Setembro de 2004, EE, Director da Revista DD, de Setembro a Novembro de 2004, FF, Directora da Revista GG, HH, Directora da Revista GG, II, Directora da Revista JJ, em Agosto de 2005 e Novembro de 2006, e KK, Director Geral de Publicações do Grupo LL, pedindo que os Réus sejam condenados solidariamente no pagamento das quantias de € 300.000,00 a título de compensação pelos danos não patrimoniais e € 700.000,00 a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos pelo autor. Para tanto alegou, em síntese, que: - A actuação da Ré e dos Réus é absolutamente reprovável e inaceitável perante o direito fazendo-os incorrer na obrigação de indemnizar.
- Como sempre se tem entendido, o direito de livre expressão não é um direito absoluto ou ilimitado, que não tenha que respeitar outros direitos, mais nobres, como o são o direito ao bom nome e a reputação de outrem.
- Ao actuar como actuou a Ré, bem como os restantes Réus, lesaram, com culpa grave, o direito ao bom nome e reputação do Autor, o que acarretou para o mesmo nefastas consequências quer no plano pessoal, quer no profissional, para além do já referido plano familiar, o que justifica, inteiramente, a obrigação de indemnizar.
- Os Réus redigiram e publicaram os artigos sub judice, produzindo através dos mesmos afirmações, voluntária e conscientemente, sabendo que denegriam publicamente a credibilidade do Autor, ofendendo o seu bom nome, dignidade e prestigio.
- Os Réus sabiam que o A, pelo cargo que ocupava à data da publicação dos artigos era (como é) uma figura pública e que as afirmações descritas tinham consequências no plano profissional, político, familiar e pessoal, as quais ainda hoje se mantêm.
- Longe do exercício do direito de expressão, previsto no art. 22.° da Lei de Imprensa, os Réus violaram "direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público".
- Os Réus conheciam e sabiam que estavam a violar os direitos do Autor sendo inequívoca a anti-juricidade da conduta dos Réus, na justa medida em que, em revistas de grande dimensão e impacto junto da opinião pública, divulgaram factos manifestam falsos, que sabiam contender com o bom nome, honra, intimidade da vida privada do Autor.
- A ofensa ao crédito e bom nome do Autor, com a publicação dos artigos sub Judice, foi injustificada porque não foram cumpridas as exigências de verdade, tendo faltado interesse público em informar e foi usado o meio mais danoso.
- Faltando à verdade, os Réus induziram os leitores em erro.
- De facto, foram relatados factos inverídicos, ofensivos do crédito e do bom nome do Autor, sem respeito pelos deveres de isenção e de objectividade e sem recurso a fontes credíveis.
- Os Réus agiram com falta de rigor e de objectividade, não havendo, assim, qualquer justificação do seu comportamento, capaz de afastar a ilicitude.
- Os Réus sabiam da natureza melindrosa e difamatória dos seus escritos, tendo, por isso, o dever de ter impedido a sua divulgação.
- Ao não o fazer, apesar de terem previsto a produção do facto ilícito como efeito possível ou eventual dessa conduta, conformaram-se com ele, aceitando-o.
- Com efeito, os Réus, ao agirem como agiram, pretenderam intencionalmente visar o A., prevendo a ofensa ao bom nome do mesmo, nada fazendo para o evitar, antes tendo extravasado os limites de informação.
- E indubitável que os ora Réus agiram culposamente, com dolo, ou seja, com intenção de ofender o direito à honra tutelado do Autor.
- Refira-se, ainda, que não custa aceitar a existência de dolo, na modalidade de dolo necessário - reconhecendo para tanto que os Réus não podiam deixar de ter previsto o facto ilícito como consequência necessária da sua conduta, de tal modo que o resultado se apresentava intrínseca e indissoluvelmente ligado à conduta prosseguida.
- Actuam, pois, culposamente, com dolo directo, os jornalistas que voluntariamente narram certo facto ou fazem alguma afirmação ou insinuação, sabendo que, dessa forma, atingem a honra e bom nome de outrem, sendo esse o preciso efeito que pretendem atingir.
- A actuação dos Réus conduziu a uma situação vexatória e pública que gerou (na altura e por muito tempo), em toda a sociedade, um sentimento de consciência de reprovação social e humilhação geral, que acabou por resultar numa inevitável lesão da reputação, do bom nome e da honra do Autor.
- Sendo os artigos sub Judice publicados em revistas de grande tiragem e de venda por todo o território nacional, considerando que o lesado, a partir da data de publicação de tais artigos, passou a ser alvo de observações jocosas de colegas e de clientes que o conheciam devido à vida pública que desempenhava, às circunstâncias do caso concreto, justifica-se como criteriosa e de acordo com a equidade a atribuição dos montantes já peticionados.
- O Autor sofreu danos na sua honra, na sua consideração social e na sua vida profissional, sendo que o montante de reparação há-de ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta, na sua fixação, as regras de boa prudência e de criteriosa ponderação das realidades da vida.
- No caso sub Judice, importa ponderar que a divulgação dos artigos escritos e publicados pelos Réus tiveram lugar através da imprensa, que tem como destinatário um universo mais ou menos indeterminado de pessoas, tratando-se de um meio de difusão com uma particular aptidão potenciadora do dano, seja pelo elevado número de pessoas que tiveram acesso à notícia, seja pela activação da engrenagem social que, em consequência da noticia, se reproduz (retransmitindo-a, ampliando-a, deformando-a), seja pelo grau de credibilidade que o acontecimento impresso tem no público.
- As ofensas proferidas pelos Réus ao bom nome, credibilidade e dignidade do Autor são, de qualquer modo, objectivamente graves e aptas para a produção dos prejuízos, que o Autor não teria sofrido, não fosse a redacção e publicação daqueles artigos, pelo que existe a obrigação solidária de indemnizar.
Os Réus contestaram, alegando, em síntese, que: - O Réu CC nunca exerceu o cargo de director editorial de qualquer das Revistas mencionadas na p.i.
- O Réu CC exerceu o cargo de director executivo da Revista DD, com funções restritas à reorganização da redacção da Revista - distribuição de funções, reestruturação quanto à execução dos serviços, maquete gráfica da sua edição e criação de novas secções.
- Nunca dirigiu editorialmente o conteúdo dos trabalhos dos jornalistas, nem conheceu ou autorizou a publicação dos artigos, reportagens ou fotos dos autos, antes da sua publicação.
- Não incumbiu quem quer que seja da elaboração dos artigos e reportagens em causa e para serem tiradas as fotos.
- Nunca foi inscrito na Entidade Reguladora da Comunicação Social (antes Instituto da Comunicação Social) como director da Revista DD ou outra das revistas indicadas na pi.
- Exerceu aquelas funções de director executivo ao serviço da Ré LL no período entre 10.3.2004 e 24.10.2004.
- A Ré LL não dirige o conteúdo editorial das Revistas indicadas na pi, competindo ao seu director essa direcção efectiva.
- A Ré dispõe de uma direcção geral editorial que, juntamente com os directores, analisa temas e assuntos gerais a incluir nas Revistas que edita.
- Tratando esses temas e assuntos, cabe depois em concreto e, caso a caso, à redacção e director da Revista a elaboração e aprovação para publicação do texto, paginação, títulos e fotos.
- A Ré HH iniciou a prestação de serviços ao serviço da Ré LL em 17.4.2006, nas funções de jornalista (Directora da Revista GG).
- A mesma Ré não escreveu, não colaborou na sua apresentação gráfica, não conheceu antes da publicação e nem autorizou que esta tivesse lugar, em relação a qualquer um dos artigos, reportagens ou noticias (textos e fotos) que foram referidos na pi.
- A mesma Ré, por não exercer funções na redacção ou na qualidade de directora à data da publicação dessas reportagens, artigos e noticias, não tinha qualquer poder de direcção ou chefia sobre os autores ou colaboradores de todos esses conteúdos editoriais.
- A data da publicação de todo esse material editorial, a R exercia funções na qualidade de assessora no Gabinete do Primeiro Ministro, e era o Autor quem estava em funções neste último cargo enquanto durou esse exercício pela Ré.
- Sendo que um dos elementos da responsabilidade civil é a imputação do facto ao agente, resulta que para os Réus José, LL e HH não há susceptibilidade dessa imputação, pelo que o desfecho da lide lhe é desinteressante.
- O Autor criou a imagem de um político que ama os prazeres da vida, a mundanidade e o jet-set social.
- As férias do Autor de quatro dias nas Ilhas … ao fim de pouco mais de um mês no Governo (no exercício das funções de Primeiro Ministro de Portugal), com transporte em avião a jacto alimentaram a imagem de um político que ama os prazeres da vida, a mundanidade e o jet-set social.
- A publicação de matéria editorial e em especial tratando-se da expressão de opiniões, não é decisiva nos meios de hoje para a formação da opinião pública.
- E grande a concorrência no mercado das publicações periódicas e a informação chega ao público também por meios mais económicos e de actualização constante -internet, televisões e rádios.
- Também as televisões, com canais temáticos de informação, disponibilizam horas em cada dia, para as mesas redondas de comentadores políticos e de outras áreas.
- A opinião pública forma-se a partir da recepção de informações de todos estes meios; longe estamos da época da prevalência da imprensa nas preferências da recolha informativa do público, o que foi próprio de uma época ainda atrasada no desenvolvimento tecnológico e na comunicação global.
- Os títulos da LL não formam em exclusivo a opinião pública e constituem...
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