Acórdão nº 06B4433 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Janeiro de 2007
Magistrado Responsável | JOÃO BERNARDO |
Data da Resolução | 11 de Janeiro de 2007 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - "AA" instaurou, no Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, com distribuição ao 3º Juízo Cível, acção declarativa com processo ordinário, emergente de acidente de viação, contra: Empresa-A, e outra que agora não interessa.
Alegou, em síntese, que, nas circunstâncias de tempo e lugar que precisa, a sua filha BB, seguia num veículo ligeiro de mercadorias que num cruzamento foi embatido pelo veículo automóvel que identifica, seguro na R., cuja condutora desrespeitou o sinal de "Stop".
Do embate resultaram para a BB ferimentos que lhe determinaram directa e necessariamente a morte.
Esta produziu os danos materiais e imateriais que detalhadamente refere, incluindo o sofrimento dela, autora.
Pediu, em conformidade: A condenação da seguradora a pagar-lhe € 171.840,93, acrescidos de juros legais desde a citação, até integral e efectivo pagamento.
Esta contestou, impugnando a versão do acidente e as consequências advenientes para a A.
Acrescentou, porém, que a vítima, ao seguir na caixa aberta de tal veículo automóvel, sem que esta se encontrasse preparada para a circulação de passageiros, sendo apenas destinada ao transporte de mercadorias, se expôs aos riscos inerentes a essa situação, contribuindo para o desfecho fatal que veio a ocorrer.
A acção prosseguiu e, na altura própria, foi proferida sentença cuja parte decisória é do seguinte teor: "Nos termos e fundamentos expostos, julga-se parcialmente procedente a presente acção intentada por AA contra "Empresa-A", e, em consequência, condena-se esta a pagar à autora a quantia de € 63.072,25 (Esc. 12.644.850$00), sendo € 6.957,48 ("1.394.850$00") por danos patrimoniais e € 56.114,76 ("11.250.000$00") por danos não patrimoniais, acrescidos de juros legais de mora, desde a citação, que ocorreu em 2004/Fev./03 (fls. 24), à taxa de 4 % ao ano e até integral pagamento.
" II - Recorreram A. e R. para o tribunal da Relação do Porto.
Este negou provimento ao recurso da seguradora e concedeu parcial provimento ao da A., subindo o montante indemnizatório para €75.602,25, acrescidos de juros.
III - Pede revista a R.
Conclui as alegações do seguinte modo:
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O Venerando Tribunal não considerou da forma mais correcta a aplicação do artigo 570.º do C.C., pois subavaliou o contributo do comportamento da lesada nos danos por esta sofridos.
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Ponderado correctamente o contributo do comportamento da vitima para o resultado final, o Venerando Tribunal deveria ter desagravado a responsabilidade da Segurada e, C) Consequentemente, ter ABSOLVIDO a Recorrente do pagamento da compensação do dano "perda do direito à vida", da (consequente) compensação por danos não patrimoniais para a Recorrida em virtude do sofrimento causa do pela morte da filha e da indemnização por danos patrimoniais .
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Pela aplicação correcta do artigo 570.º do C.C., deveria o Venerando Tribunal ter excluído o direito de indemnização da Recorrida por estes danos (morte!).
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E, em relação aos demais danos, sempre deveria o Venerando Tribunal, ter agravado o grau de culpa da lesada na produção/agravamento das lesões, adequando de uma forma mais justa os montantes compensatórios a atribuir à Recorrida.
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Decidindo desse modo, deveria, o Venerando Tribunal ter valorado compensações pela perda do direito à vida em €35.000,00, em €7.500,00 a compensação pelo dano não patrimonial próprio da vítima e €10.000.00 a compensação do dano patrimonial sofrido pela Recorrida (1) .
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Ao decidir de modo diverso, o Venerando Tribunal violou o disposto nos artigos 570°, n.º 1, 483° e 496°, todos do Código Civil.
Não houve contra-alegações.
IV - Ante as conclusões das alegações - que, com ressalvas que aqui não cabem, delimitam o âmbito do recurso - importa tomar posição sobre se: É de considerar que a própria vítima contribuiu para os danos mortais que sofreu, sendo por isso, de reduzir ou eliminar a indemnização nas suas várias parcelas; Mesmo que assim se não entenda, a valoração dos danos - quer pela perda do direito à vida, quer pelo sofrimento da vítima antes da morte, quer pelo sofrimento da recorrida - foi exagerada.
V - Vem provada a seguinte matéria de facto: 1.º) No dia 17.10.2000, cerca das 15H50, no Local-A, Fiães, Santa Maria da Feira, ocorreu um acidente de viação em que foi interveniente o veículo ligeiro de passageiros de matrícula Nº-0, pertencente a CC e por esta conduzido. [A)] 2.º) Na altura referida em 1.º) [A)], CC seguia na Endereço-A, no sentido de Penoucos. [1.º)] 3.º) Nessa mesma altura, circulava pela Endereço-B, no sentido Lourosa-Feira dos Dez para o Centro de Fiães, pela metade direita da faixa de rodagem, o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula Nº-1. [6.º)] 4.º) À data, o veículo de matrícula Nº-1 era pertença de Empresa-B [7.º)] 5.º) Na altura referida em 1.º) [A)], o veículo de matrícula Nº-1 era conduzido pela funcionária de Empresa-B de nome DD. [8.º)] 6.º) A BB e a FF seguiam igualmente como passageiras do Nº-2, estando esta última e a DD sentadas nos bancos existentes nesse veículo e munidas dos respectivos cintos de segurança. [I) e 9.º] 7.º) A BB fazia-se transportar na caixa do veículo de matrícula Nº-1. [33.º)] 8.º) A caixa referida em 7.º) [33.º)] não se encontrava preparada para o transporte de passageiros, não dispondo, nomeadamente, de bancos e de cintos de segurança. [34.º)] 9.º) A caixa referida em 7.º) [33.º)] destina-se apenas ao transporte de mercadorias ou de outros objectos. [35.º)] 10.º) Ao aproximar-se do cruzamento existente na intersecção da Endereço-A com a Endereço-B, CC não imobilizou o seu veículo. [3.º)] 11.º) No local, existia um sinal vertical de "Stop" colocado junto à berma do lado direito, atento o sentido de marcha do Nº-3, e antes da intersecção referida em 10.º) [3.º)]. [4.º)] 12.º) Ao aproximar-se do cruzamento referido em 10.º) [3.º)], a CC também não reduziu a sua velocidade. [5.º)] 13.º) Quando o veículo de matrícula Nº-1 ultrapassava o meio do cruzamento descrito em 10.º) [3.º)], foi embatido na parte lateral direita pela frente do veículo de matrícula Nº-0. [10.º)] 14.º) Em virtude da colisão, o veículo automóvel em que seguia a BB, tombou lateralmente sobre ele próprio, por três vezes, ficando imobilizado cerca de 22,9 m. à frente do local do embate. [J) e 11.º)] 15.º) Essa imobilização ocorreu junto ao passeio do lado esquerdo. [12.º)] 16.º) Em consequência do embate descrito em 13.º) [10.º)], BB sofreu, nomeadamente, traumatismo craniano, torácico e abdominal, com hemorragia subdural e subaracnoideia dos lobos parietal e occipital do hemisfério cerebral direito. [13.º)] 17.º) Em consequência do embate descrito em 13.º) [10.º)], BB sofreu igualmente fracturas costais e da clavícula esquerda. [14.º)] 18.º) Em consequência do embate descrito em 13.º) [10.º)], BB sofreu também a laceração do baço e do rim esquerdo. [15.º)] 19.º) As lesões descritas de 16.º) a 18.º) [13.º) a 15.º)] determinaram directa e necessariamente a morte de BB. [16.º)] 20.º) No local do embate, a estrada descreve uma recta. [17.º)] 21.º) A estrada por onde seguia o Nº-2 tem cerca de 7,00 m. de largura. [18.º)] 22.º) No local do embate, o trânsito efectua-se nos dois sentidos de marcha. [19.º)] 23.º) O piso era de asfalto e fazia bom tempo. [20.º)] 24.º) A morte de BB causou à autora desgosto, desespero e angústia. [21.º)] 25.º) À data do acidente a A. já tinha perdido o marido, pai da BB, na sequência de um acidente de viação. [22.º)] 26.º) Ainda hoje, a autora chora a morte de BB, permanecendo num estado depressivo. [24.º)] 27.º) Na sequência do falecimento da sua filha e do subsequente desgosto, a A. não se sente muitas vezes em condições de trabalhar. [25.º)] 28.º) À data do acidente, BB era uma jovem cheia de vitalidade, que aparentava ter saúde, era alegre e dedicada à mãe e à irmã mais nova. [26.º)] 29.º) A BB era também dedicada ao seu trabalho. [27.º)] 30.º) A BB sofreu dores, falecendo horas depois da ocorrência do acidente de viação. [28.º)] 31.º) Na altura do acidente a BB contribuía para as despesas de casa, onde vivia com a sua mãe, em montante que não foi possível determinar. [29.º)] 32.º) A A. suportou as despesas do funeral da BB, no valor de Esc. "488.600$00. [31.º)] 33.º) Dessa quantia a A. recebeu da Segurança Social, a título de subsídio de funeral, o montante de Esc. "382.800$00". [32.º)] 34.º) À data do acidente, a responsabilidade decorrente da circulação rodoviária do veículo Nº-0 encontrava-se transferida para a ré Empresa-A, mediante contrato de seguro titulado pela apólice nº 04-40-722462 (doc. de fls. 52). [B)] 35.º) Correm termos os autos de Processo Comum Singular registados sob o nº 3539/00.4TAVFR em que são arguidos CC e outros (doc. de fls. 72 e segs.). [C)] 36.º) Encontra-se junto aos autos identificados em 34.º) [C)] um relatório de exame directo e autópsia de BB, nele se fazendo menção que no dia 17.10.2000, no Hospital São Sebastião, em Santa Maria da Feira, foi efectuada autópsia a BB, filha de EE e de FF, nascida em Julho de 1982, natural de Fiães, Santa Maria da Feira (doc. de fls. 72 e segs.). [D)] 37.º) No relatório aludido em 34.º) [D)], os peritos médicos formularam as seguintes conclusões: 1º- A morte de BB foi devida às lesões traumáticas cranianas, torácicas e abdominais descritas; 2º- Tais lesões traumáticas foram causa necessária de morte; 3º- Estas lesões, assim como as restantes lesões traumáticas, denotam haver sido produzidas por instrumento de natureza contundente ou actuando como tal, podendo ter sido devidas a acidente de viação, como consta da informação; 4º- Aguarda-se o resultado da pesquisa de álcool no sangue do cadáver (doc. de fls. 72 e segs.). [E)] 38.º) Por escritura de habilitação outorgada no 1º Cartório...
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