Acórdão nº 06S2304 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Janeiro de 2007

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução10 de Janeiro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. Em 18 de Maio de 2004, no Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia, AA intentou acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra Empresa-A, pedindo que, declarada a ilicitude do seu despedimento, a ré fosse condenada: (a) a reintegrá-la no seu posto de trabalho e a pagar-lhe todas as prestações salariais vencidas desde a data do despedimento até ao momento da efectiva reintegração; (b) ou, se assim vier a optar, nas mesmas prestações salariais vencidas até à decisão judicial e em legal indemnização de 45 dias por cada ano de serviço.

Em suma, alega que foi admitida ao serviço da ré, por tempo indeterminado, mediante contrato de trabalho verbal, celebrado em 5 de Junho [sic] de 2002, para desempenhar as funções de carteiro, e que a ré a despediu, em 14 de Outubro de 2003, sem precedência de processo disciplinar.

A ré contestou, sustentando que, na sequência de acção de impugnação de despedimento contra si intentada pela autora, foi condenada a reintegrá-la; interpôs recurso dessa decisão e cumpriu o ordenado na mesma, atento o efeito meramente devolutivo do recurso, reintegrando a autora. A Relação revogou a decisão da 1.ª instância e absolveu-a do pedido, porém, a autora recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo sido notificada, em 26 de Setembro de 2003 do acórdão daquele Supremo Tribunal que confirmou a decisão da Relação. Assim, por carta expedida em 13 de Outubro de 2003, fez cessar a relação laboral cumprindo a decisão do Supremo Tribunal, pelo que inexiste qualquer despedimento, devendo a autora ser condenada como litigante de má fé.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedente a acção e, em consequência, absolveu a ré do pedido.

  1. Inconformada, a autora arguiu a nulidade da sentença e interpôs recurso de apelação, que a Relação julgou improcedentes, confirmando a sentença recorrida, sendo contra esta decisão que agora o autor se insurge, mediante recurso de revista, em que pede a revogação do acórdão recorrido ao abrigo das seguintes conclusões: A) A recorrente pretende ser reintegrada ao serviço da ré, porque esta procedeu, em 14 de Outubro de 2003, ao seu despedimento ilícito, sem precedência de processo disciplinar ou qualquer outra causa justificativa; B) Na verdade, a autora esteve a trabalhar para a ré, através de contrato de trabalho a termo [sic] por tempo indeterminado, celebrado de forma verbal, em 5 de Julho de 2002; C) A sentença proferida pelo Tribunal de Trabalho de Vila Nova de Gaia e o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto estão feridos de nulidade - artigos 668.º, n.º 1, alíneas c) e d), e 712.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Civil -, pelos motivos seguintes: D) Em primeiro lugar, porque os fundamentos estão em oposição com a decisão; E) Em segundo lugar, o Tribunal «a quo» ao não ter dado como provados os factos constantes do ponto 14 da matéria de facto considerada assente pelo Tribunal de 1.ª instância só podia julgar a acção procedente, uma vez que nenhum documento ou prova existe no processo que demonstre qual foi a vontade da ré ao ter «readmitido a autora»; F) A existência ou não de tal documento é determinante para o desfecho da acção; G) Por outro lado, existem os seguintes factos - 1.º, 2.º e 11.º da matéria de facto dada como assente - onde a ré reconhece a autora como sua trabalhadora efectiva e se a própria recorrida reconhece a ora recorrente como sua trabalhadora efectiva e lhe concede todos os direitos inerentes a tal situação, não parece lógica nem a fundamentação, nem a conclusão a que chegou o Tribunal «a quo» [por lapso manifesto, a sequência das conclusões passa da alínea G) para a alínea I)]; I) A atitude da ré ao despedir a autora e ao dizer, agora, que não quis celebrar com esta um contrato de trabalho por tempo indeterminado, não representa mais que venire contra factum proprium, para além de que não se pode «andar a brincar aos trabalhadores efectivos»; J) Ou se é trabalhador efectivo ou não se é, não existe meio-termo, sob pena de se estarem a violar os ditames da boa fé nas relações contratuais - artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil; L) O acórdão recorrido está ferido de inconstitucionalidade, uma vez que viola o disposto no artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa, que refere que é «garantida aos trabalhadores a segurança no emprego»; M) O acórdão recorrido violou, entre outras normas, o disposto nos artigos 1.º e 6.º da LCT, artigos 12.º e 13.º, ambos do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27-2, os artigos 334.º e 762.º, n.º 2, ambos do Código Civil, os artigos 668.º, n.º 1, alíneas c) e d), e 712.º, n.º 1, alínea b), ambos do CPC, artigo 71.º, n.º 2, do CPT e o artigo 53.º da Constituição.

    Em contra-alegações, a recorrida veio defender a confirmação do julgado.

    Neste Supremo Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, parecer que, notificado às partes, não suscitou qualquer resposta.

  2. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar: - Nulidade do acórdão recorrido, por alegada oposição dos fundamentos com a decisão; - Nulidade do acórdão recorrido, por, alegadamente, conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento; - Alteração da decisão sobre a matéria de facto; - Se a autora foi admitida ao serviço da ré, por tempo indeterminado, mediante contrato de trabalho verbal, celebrado em 5 de Julho de 2002, para desempenhar as funções de carteiro; - Se ocorreu o despedimento ilícito da autora; - Se a ré incorreu em abuso de direito e violou os ditames da boa fé nas relações contratuais; - Se o acórdão recorrido viola o disposto no artigo 53.º da Constituição.

    Estando em causa os efeitos da alegada cessação de um contrato de trabalho ocorrida em 14 de Outubro de 2003, data anterior à entrada em vigor do Código do Trabalho (dia 1 de Dezembro de 2003 - n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto) e considerando o disposto nos artigos 8.º, n.º 1, e 9.º, alínea c), da Lei n.º 99/2003, aplica-se, no caso, o anterior regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, adiante designado por LCCT.

    Corridos os vistos, cumpre decidir.

    II 1. Em primeira linha, a autora defende a nulidade do acórdão recorrido, com apoio na previsão da alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, a qual prevê que a sentença é nula quando «os fundamentos estejam em oposição com a decisão», norma aplicável aos acórdãos proferidos pela Relação, por força do disposto nos artigos 716.º, n.º 1, do mesmo Código, e 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho.

    Na sua perspectiva, o acórdão sob recurso é nulo porque, tendo dado como assente que «[p]or contrato de trabalho verbal celebrado em 5 de Julho [sic] de 2002 a...

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