Acórdão nº 06P3663 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Dezembro de 2006
Magistrado Responsável | SANTOS CABRAL |
Data da Resolução | 20 de Dezembro de 2006 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam neste Supremo Tribunal de Justiça O Ministério Público na comarca de Lisboa vem interpor recurso do acórdão absolutório proferido nos presentes autos o qual absolveu os arguidos AA, BB e CC, da prática de quatro crimes de falsificação de documento, previstos e punidos pelo art. 256°, n° 1, alínea a), do Código Penal; e um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo art. 256°, nº 1, alínea a), e 3, do mesmo diploma legal.
São as seguintes as razões de discordância expressas nas conclusões de recurso: 1-Não se questiona a decisão do Tribunal quanto à matéria de facto, limitando-se o recurso à questão de direito no sentido de apurar se aquela matéria de facto integra ou não o crime de falsificação de documento.
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O Tribunal entendeu que no caso em apreço nos autos se verifica uma falsificação de fotocópias, posto que a partir de originais e mediante a sua digitalização e montagem de fotocópias, o arguido AA obteve fotocópias, alterando simultaneamente nesse processo os dados constantes dos documentos originais e depois remetendo à ..... apenas fotocópias, não as apresentando como originais mas antes como verdadeiras cópias ou cópias conformes com os originais.
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Constituindo a falsificação de documentos uma falsificação da declaração incorporada no documento, impõe-se distinguir as diversas formas que o acto de falsificação pode assumir, a saber, falsificação material e falsificação ideológica.
4-Enquanto na falsificação material o documento não é genuíno, na falsificação ideológica e documento é inverídico; na falsificação material o documento é falsificado na sua essência material, na intelectual o documento é falsificado na sua substância.
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Ora, entendemos que no caso dos autos estamos, ao menos, perante um caso de falsificação intelectual, uma vez que foram fabricados documentos novos, através do processo de montagem e digitalização de fotocópias, documentos esses que corporizam a final um documento novo, assim falsificado, e que desse modo incorporam uma nova declaração falsa, distinta da declaração constante dos documentos originais.
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O facto de o novo documento assim fabricado consistir numa declaração falsa incorporada em suporte de fotocópia não afasta de todo a verificação, a nosso modesto ver, a verificação do crime de falsificação, uma vez que, é inegável estarmos perante uma declaração - obtida através de montagem - de facto falso juridicamente relevante.
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Assim, também não restam dúvidas que ao agirem deste modo, os arguidos contribuíram para que tais dados e declarações falsas fossem apresentados como verdadeiros perante a ......, e desse modo, determinaram tal entidade à concessão dos empréstimos, obtendo para si e para os clientes visados um beneficio ilegítimo.
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Ora, o direito penal não pretende proteger apenas certo tipo de documentos, mas todos os documentos cuja falsidade, ainda que da declaração dos mesmos constante, venha a colocar em risco a segurança e credibilidade do tráfico jurídico-probatório.
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Ao absolver os arguidos, da prática dos crimes de falsificação de documentos, o Acórdão recorrido violou o disposto no art°256° e 255°, al. a) do C.P.
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Nestes moldes, deve ser revogado o douto Acórdão recorrido, e ser substituído por outro em que, em consequência, seja os arguidos AA e BB condenados pela prática dos crimes de falsificação de documentos, p. e p. pelo art°256°, nº1 do C.P., em conformidade com a matéria de facto dada como provada.
Foi produzida resposta e parecer no sentido constante dos autos.
O processo teve os vistos legais.
* Em sede de decisão recorrida encontra-se provada a seguinte factualidade: 1. Em data indeterminada do ano de 2002, mas que terá decorrido no decurso do mês de Março, as arguidas BB e CC acordaram colaborar com o arguido AA, que diligenciava pela concessão de financiamentos a particulares, através das instituições para tanto habilitadas; 2. Pelo que decidiram que, do financiamento a solicitar pelos interessados, 20% reverteria a favor do arguido, dos quais daria 6% às arguidas, que dividiriam entre si esta percentagem; 3. Mais ficou decidido que as arguidas tratariam de angariar os clientes, os quais encaminhariam de seguida para o arguido, que por sua vez trataria de todos as diligências tendentes à concretização dos empréstimos; 4. E assim, tendo em vista a obtenção do máximo de clientes possíveis e o sucesso de toda o empreendimento que se propunham desenvolver, em 30 de Abril de 2002, as arguidas arrendaram uma sala na rua Egas Moniz, em Lisboa, à empresa "DD", e sob a denominação de "................" (doravante ..........), passaram a agir, identificando a empresa que informalmente constituíram pelos seguintes dizeres, que mandaram imprimir em carimbo próprio e que utilizavam na sua correspondência: "Contribuinte nº .........., com escritórios na Rua Egas Moniz, .........-......, .....-...Lisboa, Tm ........... Fax ..........."; 7. Sendo certo que o n° de contribuinte em questão está atribuído à empresa "DD", à revelia de quem o utilizaram; 8. E o número de fax em questão pertencia ainda a esta "DD", mas que tinham autorização para utilizar em virtude do arrendamento referido em 4; 9. Passando então as arguidas a pub1icitar os serviços daquela firma, em jornais como o "Correio da Manhã"; 10. Encaminhando de seguida os candidatos ao arguido AA; 11. O qual forjaria as fotocópias dos documentos que acompanhassem os Contratos de Credito, quando tal se afigurasse necessário, e da forma que seguidamente se descreverá e sempre nos escritórios que possuía, na Rua Luciano Cordeiro, facto de que as arguidas tomaram conhecimento por volta de Julho de 2002; 12. Todos os arguidos sabiam que a "............................." (doravante ...........) é uma instituição financeira de crédito ao consumo, que como tal se apresenta ao público oferecendo a aquisição de bens serviços ou simplesmente empréstimos; 13. E que privilegia o contacto directo com os interessados, para o que basta uma simples chamada telefónica, a partir daqui desencadeando a instituição, todos os tramites necessários à concessão do pedido; 14-Assim, na sequência de um daqueles anúncios, em Maio de 2002, EE, doravante EE, fez um contacto telefónico, sendo...
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