Acórdão nº 22/14.4T9MLG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelPAULO SERAFIM
Data da Resolução22 de Junho de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO: ▪ No âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) nº 22/14.4T9MLG, do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo - Juízo de Competência Genérica de Melgaço, por sentença proferida a 03.10.2019 e depositada no mesmo dia (fls. 333 a 339 e 340, respetivamente; referências 44410541 e 44457344, respetivamente), foi decidido: “CONDENAR O ARGUIDO J. C.

PELA PRÁTICA DE UM CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO, NA FORMA CONSUMADA, NA PENA DE 200 DIAS DE MULTA À TAXA DIÁRIA DE 6,00€ (SEIS EUROS) PERFAZENDO O VALOR DE 1.200,00€ (MIL E DUZENTOS EUROS)”.

▬ ▪ Inconformado com tal decisão, dela veio o arguido J. C. interpor o presente recurso, que, após dedução da motivação, culmina com as seguintes conclusões e petitório (fls. 342 a 350 – ref. 33877068) - transcrição: “1. A sentença quando inicia a análise em concreto dos factos, limita-se a enumerar as provas: testemunhal, as declarações do arguido prestadas perante Magistrada do Ministério Público e a prova documental que enumerou da seguinte forma: -“Denúncia” (fls. 2 e 3); - “Caderneta Predial Urbana” (fls. 45); - “Certidão da ConservatóriadoRegisto Predial …”(fls. 5 a7); -Certificado doRegisto Criminal.

  1. Não fez qualquer alusão aos documentos que tem extrema importância para a decisão da causa e que constam de fls. 153 a 158 e 290, 291 dos autos.

  2. A serem levados em conta tais documentos, com força probatória plena, deveriam constar da matéria provada os seguintes fatos: a) Por requerimento a dona da obra – N. G. relativa ao processo de obras n.º LE-HAB-19/2014 (ponto 8º dos factos provados) em 20 de agosto de 2014, veio solicitar a anulação do dito processo em “virtude de haver erros de levantamento Topográfico e certidão do registo predial. (fls.155).

    1. Na sequência de tal requerimento o Chefe de Divisão de Planeamento disse “não se vê inconveniente no deferimento da pretensão”, (doc. Fls. 154).

    2. Por despacho do Presidente da Câmara de ..., de 26 de agosto de 2014, foi deferido o pedido e declarado o processo anulado, sem que tivesse tido qualquer apreciação técnica do Município (dc. Fls. 155).

    3. Em 25 de agosto de 2014, foi entregue na Câmara novo projeto com acompanhado da certidão da Conservatória exata (fls. 158 e fls. 290 e 291).

  3. Tais fatos resultam de documentos autênticos emitidos pelo Município, não foram contrariados por nenhuma testemunha, antes foram reforçados pelo depoimento de L. L., na altura em funções na Câmara Municipal de ..., quando referiu, como consta da motivação que “lembra-se que havia dados quedivergiam masnão consegueespecificar –eum anulamento posterior”.

  4. São fatos de suma importância para a descoberta da verdade material, para o correto enquadramento jurídico do caso e para ser apurado se o arguido, pode beneficiar da denominada “Regra da Desistência”, prevista na Lei Penal.

    * 6.

    Independentemente da não ampliação da matéria de a conduta imputada ao arguido não é idónea para a verificação do crime a que foi condenado.

  5. Para que ocorra tal crime além do mais tem que cumulativamente o agente atuar dolo específico, ou seja com a intenção de causar prejuízo a terceiro, de obter para si ou outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime.

  6. Da análise dos fatos provados, não existem elementos que permitam concluir que o arguido atuou com uma determinada intenção de obter para si ou para outrem um benefício ou que pretendesse causar prejuízo a quem quer que seja.

  7. A sentença recorrida apenas se pronuncia sobre o dolo genérico nos pontos provados:11, 12, 13 e 14, sendo totalmente omissa, porque também nenhuma prova se fez, nem testemunhal, nem documental, sobre o denominado dolo específico.

  8. A sentença não representa acontecimentos da vida real, indicando qual o prejuízo, ou qual o benefício; quem foi prejudicado e quem foi beneficiado.

  9. Concluir, como se faz no ponto 14 dos fatos “O que fez com o propósito, concretizado, de criar a aparência de corresponder à certidão predial efetivamente respeitante ao prédio identificado em 2.º, o que sabia não corresponder à verdade, e, dessa forma, intentar obter o deferimento do referido pedido de licenciamento/autorização, o que sabia não ser possível com base nas reais áreas do identificado prédio por falta de cumprimento dos índices urbanísticos constantes do Plano Diretor Municipal de ...

    ”, além de não concretizar qual foi o prejuízo nem o benefício, “é formular um juízo que incluiu a resposta à questão a decidir, limitando-lhe ou traçando-lhe um destino” vide acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 29/11/2010 (processo 449/07.8 GBAVV.GI, disponível em www.dgsi.pt).

  10. “Ludibriar as autoridades não constitui, em si mesmo, nenhum benefício ou prejuízo”, tem de ser concretizado. Vide acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28-05-2014 (processo 209/13.7GAFCR-A.C1, disponível em www.dgsi.pt).

  11. Na sentença recorrida não há qualquer concretização de benefício ou prejuízo, e não há porque não existe, nenhuma testemunha ou qualquer documento podiam provar tal coisa.

  12. Quando a participação crime foi apresentada nos presentes autos, em 21/10/2014, já em 20/08/2014, o recorrente, por motu próprio, havia requerido anulação do projeto licenciamento, junto da Câmara Municipal de ... em virtude de “haver erros de levantamento topográfico e certidão do registo predial”, requerimento esse que teve prontamente deferimento, cfr.

    Documentos de fls, 153 e 154, que se encontram nos autos, mas aos quais a Julgadora, a quo, não deu qualquer relevância para fundamentar a matéria de fato.

  13. O que demonstra da parte do arguido total falta do dolo específico para que se pudesse verificar o crime de falsificação de documento.

  14. O recorrente apercebeu-se do erro, e, espontaneamente, para a reposição da verdade, apresentou um pedido de anulação do processo e apresentou um novo devidamente retificado (documentos juntos aos autos que não relevaram para a Ilustre Julgadora a quo).

  15. Nasentença recorrida foi omitidaapronúncia acercado prejuízo/benefício, o dolo específico.

  16. O Tribunal deixou de se pronunciar, tendo elementos mais que suficientes para o fazer sobre uma questão que tinha de apreciar, tal atitude configura a nulidade prevista na alínea c) do n,º1 do artigo 379º, nulidade essa que aqui se invoca para os pertinentes efeitos.

  17. A sanação desta nulidade mediante aprovadocumental etestemunhal apresentada nos autos, que é unânime em referir que não houve nenhum prejuízo/ benefício resultante da conduta do arguido este terá de necessariamente ser absolvido.

    * 20.

    Mais a adulteração da cópia não levou à produção de qualquer resultado porque o arguido tal como conseguiu provar através da junção de documentos autênticos, e como referiu a testemunha L. L., requereu a anulação do processo antes mesmo dele produzir qualquer efeito.

  18. A anulação do projeto foi pedida por “virtude de haver erros de levantamento topográfico e certidão de registo predial”, anulação essa que foi deferida como está provado por documento autêntico (que faz prova plena art. 371 do CC).

    * 22.

    O n.º 2 do artigo 256º do CP, dizer que relativamente ao crime de falsificação “a tentativa é punida”, o certo é que in casu existe uma desistência da prática do crime, com a anulação, com superior relevância jurídica.

  19. “A desistência depois da consumação forma do tipo impedindo que se produza o resultado da circulação do documento falso no tráfico jurídico é relevante”. vide Comentário do Código Penal de Paulo Pinto de Albuquerque 2º edição atualizada a fls.757.

  20. “De acordo com os fundamentos que presidem à regra da desistência, o agente terá de assumir um comportamento ótimo, configurado como o ideal para proteção do bem jurídico (…).

    Para preencher o valor da ação, o conceito de “esforço sério” será preciso que o agente tenha uma atitude preponderante e interventiva na adoção da medida ótima”. Vide Duarte Rodrigo em Dissertação em Direito Penal sob a Orientação da Prof. Doutora Susana Maria Aires de Sousa, em 2014/2015, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

  21. “A desistência voluntária configura uma causa de exclusão pessoal da punibilidade, como se pode alcançar do CP artigos 24º e 25º, e tem o seu fundamento na decisão político -criminal de operar a dissociação entre a tentativa e o agente, de foram a proteger os bens jurídicos ligados à vítima e a operar o regresso do agente ao direito por via da reversibilidade da lesão e/ou inversão do perigo, desde que a desistência seja obra pessoal do agente.

    Relevante para efeitos do artigo 24º é que a consumação formal ou material não chegue a ter lugar.” Vide Vítor de Jesus Ribas Pereira, em Dissertação para a obtenção do grau de mestre em direito penal sob orientação do Prof. Dr. José Francisco de Faria Costa, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

  22. Mais, “O art.º 24º do CP prevê a não punibilidade da tentativa por desistência ativa do agente.

    No caso de tentativa acabada (2ª hipótese prevista no n.º1), só o impedimento da consumação por parte do agente isenta de punição.

    Para que tal suceda é, porém, necessário que ele desenvolva uma conduta própria e espontânea, embora eventualmente com a colaboração deterceiros, a seu pedido, que seja idónea a evitar a consumação, e que esta efetivamente ocorra.

    O agente deve, pois, para ser considerado desistente e beneficiar da impunidade, dominar, ou, no mínimo condominar o processo de salvamento do bem jurídico ameaçado pela sua conduta”. Vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Justiça de 18/04/2012 (Processo 274/10.9 JACBR.C1. S1, disponível em www.dgsi.pt).

  23. Com a anulação do processo de licenciamento ocorreu, o salvamento do bem ameaçado, ou seja, a circulação de uma cópia de um documento adulterada, que podia iludir a segurança e credibilidade no tráfico jurídico documental.

  24. Deveria o Tribunal ter aplicado a regra da desistência, nos termos...

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