Acórdão nº 1145/09.7PBMTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 30 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelMARIA LEONOR ESTEVES
Data da Resolução30 de Maio de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso Penal nº 1145/09.7PBMTS.P1 Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto 1. Relatório No 4º juízo criminal do Tribunal Judicial de Matosinhos, em processo comum com intervenção do tribunal singular, foi submetido a julgamento o arguido B…, devidamente identificado nos autos, tendo no final sido proferida sentença, na qual se decidiu condená-lo, pela prática de um crime de furto e de um crime de falsificação de documentos, ps. e ps., respectivamente, pelos arts. 203º nº 1 e 256º nº 1 al. a) e 3 do C. Penal, nas penas parcelares de 6 meses de prisão pelo primeiro e de 1 ano de prisão pelo segundo e, em cúmulo jurídico, na pena única de 14 meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo mesmo período, subordinada à condição de o arguido entregar a uma determinada instituição de solidariedade social a quantia de 900 €, metade da qual no prazo de 6 meses e o restante no de 12 meses a contar do trânsito em julgado.

Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido, pugnando pela sua revogação e substituição por outra que o absolva dos crimes cuja prática lhe havia sido imputada, para o que formulou as seguintes conclusões: Primeira O recorrente não cometeu os crimes por os quais foi condenado, porquanto o princípio da presunção de inocência do arguido até ao trânsito em julgado da sentença condenatória encontra-se estabelecido na ordem jurídica portuguesa, tendo cobertura constitucional, nos termos do nº2 do artigo 32º da Constituição da República.

Segunda O princípio da presunção de inocência do arguido isenta-o do ónus de provar a sua inocência, a qual aparece imposta (ou ficcionada) pela lei; o que carece de prova é o contrário, ou seja, a culpa do arguido, concentrando a lei o esforço probatório na acusação.

Terceira Do referido princípio da presunção de inocência do arguido (embora não exclusivamente dele) decorre um princípio in dúbio pró reo; Quarta Decorre do princípio da presunção de inocência do arguido que este não é um mero objecto ou meio de prova; Quinta O tribunal “a quo” formulou “pré-juízos”, orientados no sentido da tese da acusação e que conduziram à violação do principio in dubio pro reo, ainda que indirectamente, uma vez que non liquet que, à partida, poderia existir no fim da audiência de julgamento, atendendo à prova aí produzida e aos argumentos aí expendidos não existiram, por força dos referidos “prejuízos” orientados no sentido da tese da acusação.

Sexta Não há na decisão recorrida elementos factuais que consubstanciem um crime que possa ser imputado ao recorrente.

Sétima O Digníssimo Tribunal, erradamente, fundamentou a sua convicção com base no depoimento do ofendido e no facto do arguido ter exercido o seu “Direito ao Silêncio”.

Oitava É uniforme o entendimento doutrinal no sentido de que o bem jurídico protegido no crime de falsificação de documentos é o da segurança e credibilidade no tráfico jurídico, embora, como refere Helena Moniz. (Código Penal Conimbricense, tomo II, pág, 607), não seja toda e qualquer segurança no tráfico jurídico que se pretende proteger, mas apenas a relacionada com os documentos.

Nona A noção de documento consubstanciada no art. 255.° do CP sofreu a influência de uma evolução e acaba por nos dar um conceito de documento com todas as características que permitem assegurar as funções de perpetuação; probatória e de garantia que são exigidas ao documento enquanto objecto material do crime de falsificação de documentos. Documento, para efeitos de direito penal, não é o material que corporiza a declaração, mas a própria declaração, independentemente do material em que está corporizada; é a declaração enquanto representação de um pensamento humano (função de perpetuação).

Décima Documento é, pois, a declaração de um pensamento humano que deverá ser corporizada num objecto que possa constituir meio de prova de facto juridicamente relevante.

Décima Primeira Uma vez que o documento para efeitos de direito penal é a declaração e não o objecto ou suporte material da declaração, a simples fotocópia, não constitui falsificação de documentos, pois não se verifica uma falsificação de um documento enquanto declaração, já que a fotocópia, em si, constitui um suporte que não permite reconhecer o emitente da declaração, e em relação à qual (fotocópia) se encontram diluídos os interesses de credibilidade e segurança no tráfico jurídico.

Décima Segunda Existiu, portanto, erro na apreciação da prova, que incidiu sobre os factos.

Décima Terceira Pelo que deveria ter sido o arguido absolvido dos crimes em que foi condenado.

Décima Quarta Violou o Tribunal a quo o artigo 127° CPP e o artigo 32° da Constituição da Republica Portuguesa Na resposta, o MºPº pronunciou-se no sentido da manutenção da decisão recorrida e consequente improcedência do recurso, concluindo como segue: 1- Ao contrário do que pretende o recorrente, nenhuma censura é endereçável à matéria de facto dada como provada, a qual aliás se encontra fundamentada e motivada de forma exemplarmente exaustiva e consistente, sendo pois transparente o modo como se formou a convicção e valoração probatórias do Tribunal a quo.

2 - E bem andou o Mm.° Juiz a quo quando, analisada a prova, deu como assente que o arguido se apoderou do módulo de cheque n.° ………., sacado por C… sobre a conta n.° ……….. da D…, que se encontrava em branco, no escritório da oficina do ofendido, tendo, de imediato, formulado o propósito, concretizado, de o preencher e utilizar, fazendo-se passar por seu legítimo portador, para dessa forma enganar terceiros e obter o pagamento do valor a apor, como apôs, no dito cheque; 3 - Com efeito, tal conclusão fáctica, apoia-se - sem qualquer oposição ou contradita que suscite dúvida relevante - na conjugação dos seguintes elementos:

  1. O próprio cheque, cuja fotocópia consta a fls. 5, e que mostra ter sido emitido à ordem do arguido - contendo o seu nome no rosto e verso do cheque e o respectivo n.° de BI no verso; b) O depoimento credível e consistente do queixoso e titular do cheque, a testemunha C… (para quem o arguido havia trabalhado na dita oficina de onde foi subtraído o cheque em causa e onde o ora recorrente o havia visto com livros de cheques), o qual, para além do mais, informou que quando a tal propósito interpelou o arguido este lhe confessou os factos e o acompanhou voluntariamente à esquadra da PSP - relato esse que foi apoiado pela testemunha E… (agente da PSP que estava na esquadra na altura) ao confirmar tal confissão e ao informar ainda que nessa oportunidade o arguido não revelou qualquer indício de ter sido forçado a ali ir ou estar sob qualquer ameaça.

    4 - Tal conjugação de elementos de prova, sólida e coerente, aponta de forma consistente no sentido de ter sido o arguido o autor dos factos em apreço e nesse mesmo sentido formou a sua convicção o Tribunal, evidentemente sem qualquer pré-juízo como pretende o recorrente; 5 - Não ocorreu a alegada violação do princípio de presunção de inocência do arguido, pois se é pacífico que o silêncio do arguido não o pode prejudicar, tal significa tão só que o seu silêncio não pode justificar a prova dos factos imputados; 6 - Do mutismo do arguido (mantido durante o desenrolar da produção de prova em audiência) não resulta a obrigação de o Tribunal, com vista à sua absolvição, se lhe “substituir” na cogitação e suscitação de hipóteses que (ainda que sem qualquer sustentação probatória ou mesmo absurdas) fossem teoricamente possíveis e contrariassem a convicção segura que formou através dos elementos de prova disponíveis; 7 - Não ocorreu a apontada violação do princípio em dubio pro reo, desde logo porque, face à total inexistência de qualquer elemento que a minasse ou a contraditasse, dúvida alguma se insinuou na convicção do julgador, que racional e criteriosamente a formou apoiada na consistência da prova produzida; 8 - Porque o recorrente anunciou ter o seu recurso por objecto a reapreciação da prova gravada, é de sublinhar que em nenhum momento tal reapreciação é por si apresentada de harmonia e em conformidade como os requisitos a que alude o artigo 412° do Código de Processo Penal, onde se impõe o ónus de impugnação especificada; 9 - É manifesto que o recorrente não deu cabal cumprimento a essas especificações já que não indicou os concretos pontos de facto que considerava incorrectamente julgados, nem as concretas provas que imporiam decisão diversa, quedando-se ainda sem dizer quais as provas a renovar; 10 - Na verdade, o arguido limita-se a questionar a atribuição de credibilidade do Tribunal ao depoimento do ofendido, mas nem sequer aponta qualquer contradições ou inconsistências que naquele se pudessem verificar; 11 - Atacou, pois, unicamente a convicção e valoração probatórias que o Tribunal a quo realizou, para concluir que este deveria ter desvalorizado tanto o cheque de fls. 5 como também os depoimentos do ofendido e do agente policial, face à força do... silêncio do arguido! 12 - Conclui-se, pois, que o recorrente, par tal lançando uma leviana suspeição em que imputa ao Tribunal a formulação de pré-juízos orientados no sentido da tese da acusação, mais não pretende no fundo do que sindicar a formação da convicção do julgador e substituí-la por outra, obviamente de sentido contrário àquela; 13 - Verificando-se o apontado incumprimento do ónus de impugnação especificada, somos a entender que, nesta parte, deverá o recurso ser rejeitado por inadmissibilidade, visto que, em bom rigor, lhe falta a motivação; 14 - Em um outro erro labora o recorrente quando aparenta pretender que a falsificação imputada ao arguido se materializaria numa mera fotocópia, logo esgrimindo com a natureza de um tal suporte, onde alega que se encontrariam «diluídos os interesses de credibilidade e segurança no tráfico jurídico»; 15 - Como cremos que ao próprio recorrente não escapa, o acto imputado ao arguido não incidiu numa fotocópia de um qualquer documento, mas antes foi materializada e incidiu no...

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