Acórdão nº 06B2647 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Novembro de 2006

Data16 Novembro 2006
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - Na comarca de Lisboa, com distribuição à 4.ª Vara Cível, o Ministério Público veio, ao abrigo do disposto nos artigos 512.º, 513.º nº 3 al. b) e nº 4 e 514.º do Código do Trabalho, intentar a presente acção declarativa com processo ordinário contra: Empresa-A.

Alegou, na parte que agora importa, que: Em assembleia geral extraordinária que realizou em 10 de Dezembro de 2003, a Ré procedeu à alteração dos respectivos estatutos; Passando o artigo 17º nº 1 e 2 destes a estabelecer que: "1- Salvo os casos referidos nos números seguintes, as deliberações da Assembleia Geral são tomadas por maioria absoluta dos votos dos associados presentes e representados".

2- As deliberações sobre alterações dos estatutos e destituição dos corpos sociais requerem a maioria de três quartos dos votos dos associados presentes ou representados".

Tais normas estatutárias, ao abrangerem os associados representados, contendem com o artigo 175.º, nº 3 do Código Civil, na medida em que esta norma imperativa exige maioria absoluta dos associados presentes nas assembleias gerais para serem tomadas deliberações, sendo certo que tal maioria abrange apenas os votos dos associados presentes e não os votos por procuração.

Enfermam, pois, tais normas de nulidade por violação de normas legais de natureza imperativa - artºs 280.º e 292.º a 295.º do Cód.Civil; Nulidades estas que, atento o disposto no artigo 292.º C.Civil não acarretam a invalidade dos estatutos da Ré na sua globalidade, uma vez que é de presumir que a vontade das partes seria a de, face a tais vícios, manter as normas estatutárias restantes.

Pediu, em conformidade e sempre na parte que agora importa, que se declare a nulidade, na parte referida, dos Estatutos.

Contestou a Aneop, sustentando que a presença exigida pelo artigo 175.º, n.ºs 2 e 3 do Código Civil, inclui a representação, sendo, pois, os estatutos conformes à lei. Outro entendimento seria, aliás, inconstitucional.

A acção prosseguiu a sua tramitação e, na altura própria, foi proferida sentença que declarou a nulidade do artigo 17.º, n.ºs 1 e 2 dos Estatutos da Ré, na parte em que se refere a "associados representados", ordenando a sua eliminação".

Apelou esta, mas o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao recurso.

II - Ainda inconformada, traz a ré revista.

Conclui as alegações do seguinte modo: A. A sentença do Tribunal a quo, ao confirmar a sentença proferida em primeira instância, limita-se a aplicar ao caso em apreço o que numerosos outros Acórdãos têm afirmado, sustentando, em síntese, que os nºs. 1 e 2 do art. 17.° dos Estatutos da ANEOP são violadores do disposto no art. 175°, n.º 3, do CC, já que a referida norma imperativa ao exigir, para a tomada de deliberações, maioria absoluta dos associados presentes nas assembleias gerais, abrangeria apenas os votos dos associados presentes, excluindo, portanto, os votos por procuração.

B. Salvo o devido respeito, discorda-se da tese exposta na Sentença de que se recorre, bem como nos Acórdãos em que a mesma se sustenta. Sustentada no elemento literal, relacionado com o princípio da admissibilidade da representação voluntária, e no elemento lógico, a Recorrente pode apenas concluir que a interpretação do art. 175.º do CC tem sido feita de forma desenquadrada e que é inconstitucional.

C. Desde logo, o teor literal do art. 175.º do CC, não diz que admite nem que proíbe o voto por representante. Ora a tese sustentada pelo Tribunal a quo resulta de uma interpretação das consequências implícitas do silêncio da norma que é inadmissível pelas seguintes razões: 1. Essa interpretação afronta o princípio geral segundo o qual as pessoas podem fazer-se substituir por mandatários na prática de actos jurídicos que não sejam estritamente pessoais.

  1. O direito de voto, sendo um direito pessoal (porque não patrimonial), mas não estritamente pessoal (pois não depende nem se relaciona com as qualidades do sujeito), deve poder ser exercido por procurador.

    D. Navegando fora do elemento gramatical ou literal, essa jurisprudência tem-se baseado em dois argumentos: (i) numa determinada interpretação do disposto no art. 180.º do CC e (ii) nas palavras do Prof. Marcello Caetano, proferidas nos idos de 1967.

    E. Vem entendendo o STJ que o sentido do art. 180.°, do CC, é o de proibir o associado de incumbir outrem de exercer os seus direitos pessoais, considerando (i) que o direito de voto está dentro da esfera desses direitos pessoais, (ii) que a proibição impede a representação voluntária e (iii) que tal proibição não pode ser arredada mesmo nos estatutos.

    E.1. Salvo o devido respeito, discorda-se da posição assumida. Desde logo, a expressão constante da parte inicial do preceito ("salvo disposição estatutária em contrária") abrange a totalidade da disposição.

    É isso que indicia não só a doutrina mais autorizada como a evolução da redacção do preceito.

    E.2. Admitir a tese exposta pelo Tribunal a quo significaria admitir que o associado, desde que os estatutos o permitissem, poderia transmitir a qualidade de associado, mas nunca poderia mandatar terceiro para o exercício dos direitos inerentes a essa qualidade. Isto é inaceitável.

    F. Por outro lado, em 1967, o Professor Marcello Caetano manifestou-se a propósito da conciliação e interpretação das normas dos arts. 175.°, n.ºs 1 e 2 e 180.° do CC, considerando que "a referência à votação por representação feita no art.º 179.º se entende apenas aplicável aos casos em que o art.º 175.º não proíbe, isto é, nas deliberações sobre dissolução ou prorrogação", Esta posição (inaceitável), proferida numa conferência e que contraria a posição dos autores do Código, é a única fonte legal da posição do Tribunal a quo.

    G . Na ausência de qualquer elemento interpretativo que fundamente esta posição, as recorrentes não compreendem o que tem levado a jurisprudência a dar-lhe prevalência sobre o entendimento expresso do Professor Antunes Varela, dos Professores Pires de Lima e Antunes Varela e do Professor Doutor Menezes Cordeiro.

    Posições essas mais recentes, produto de um maior tempo de vigência e sedimentação do Código Civil e mais consentâneas com os cânones interpretativos do preceito em causa.

    H. O que fica referido não significa que se retire qualquer efeito útil à referência a "associados presentes" no art. 175.°, nºs. 2 e 3, do CC.

    H.1. Em primeiro lugar, estando permitido o voto por procurador (cf. arts. 180.º e 176.°, n.º 1, do CC), se tal estiver definido estatutariamente, então facilmente se percebe que o art. 175.º do CC emprega a expressão "associados presentes" no sentido de associados que compareçam à assembleia, sendo por isso irrelevante que o façam pessoalmente ou por intermédio dum representante.

    H.2. A segunda razão para a ausência de menção expressa a associados representados é que ela sempre seria desnecessária: para se saber se existe quorum, que é o Propósito do art. 175° do CC, é indispensável contar tanto os associados fisicamente presentes como os representados por outros associados ou por outras pessoas.

    O quorum constitutivo estabelece-se, como é regra, em função da totalidade dos associados, tenham ou não comparecido à assembleia, pelo que, no n.º 1 do art. 175° do CC não faria qualquer sentido falar de associados presentes ou representados.

    Já o quorum deliberativo pode estabelecer-se em função (i) do número total associados ou (ii) em função do número dos que compareceram à assembleia.

    Assim, enquanto o n.º 4 fixa o quorum em relação ao número total dos associados (três quartos destes), os nºs. 2 e 3 fixam-no em função dos que compareçam.

    I. Cumpre ainda referir que o entendimento que os Tribunais Superiores têm seguido afirmando que, em princípio, o voto emitido por procurador é menos confiável do que o emitido pelo próprio representado (tal está implícito na tese do STJ ou então não faria sentido defender que o legislador consagrou regras distintas, admitindo em alguns casos o voto por procuração e noutros não) é inaceitável.

    Ora, se nas deliberações sobre dissolução ou prorrogação da pessoa colectiva (n.º 4), que, em tese, são mais graves do que qualquer outra, o associado pode votar por procurador, não faz qualquer sentido que não o possa fazer quanto às deliberações previstas nos nºs. 2 e 3, claramente, menos importantes.

    J. Finalmente, a Sentença de que se recorre é inconstitucional por atentar contra o Princípio da Liberdade de Associação (ao limitar a utilização do instituto do mandato sabendo-se que a vida das Associações, sobretudo a das constituídas por pessoas colectivas é regida em parte significativa pelas mesmas) e contra o Princípio da Autonomia Privada (ao limitar a possibilidade da representação voluntária).

    L. Nestes termos, deve a Douta Decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que declare a validade do artigo 17.°, n.º 1 e 2 dos Estatutos da ora Recorrente.

    M. Atendendo a que o recurso ora interposto a ter procedência como acreditamos que o vencimento da solução jurídica que esteja em oposição com jurisprudência anteriormente firmada no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de Direito." N. Desde já se requer ao Douto Presidente do Supremo Tribunal de Justiça se digne determinar o julgamento do presente recurso com a intervenção do plenário das secções cíveis (nos termos e ara os efeitos do art. 732.º - A do Código de Processo Civil).

    Contra-alegou o Ex.mo Magistrado do Ministério Público, concluindo como segue: 1. Conforme determina o art. 175.°, n.º1 do Código Civil," A assembleia não pode deliberar, em primeira convocação, sem a presença de metade, pelo menos, dos seus associados", sendo que "as deliberações são tomadas por maioria absoluta de votos dos associados presentes." 2. Nos dois números seguintes daquela norma são referidas matérias distintas sobre as quais pode recair a deliberação: alteração dos estatutos, e a dissolução ou prorrogação da pessoa colectiva, sendo que, 3. Para proceder a decisão...

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