Acórdão nº 613/09.5TBTNV.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 02 de Novembro de 2010

Magistrado ResponsávelPEDRO MARTINS
Data da Resolução02 de Novembro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra os juízes abaixo assinados: D (…), Lda, com sede (…) Torres Novas, e M (…) Lda, com sede em (…), Torres Novas, intentaram a presente acção declarativa contra A (…)- Associação (…) dos Concelhos de Torres Novas, Entroncamento, Alcanena e Golegã, pessoa colectiva n.º ...., com sede (…), Torres Novas, formulando o pedido principal de que fosse declarada a ilegalidade dos “votos por correspondência”, como tal contabilizados em número de 77 nas eleições da ré ocorridas no dia 30/04/2009, por nulos; e declarados válidos os votos presenciais havidos, num total de 61, distribuídos em 37 para a Lista A e 24 para a Lista B; e, por via disso, como resultado final das eleições, ser declarado que a Lista A, obteve o maior número de votos validamente expressos, com todas as legais consequências.

Alegaram para o efeito, na parte que interessa e em resumo, que não são admissíveis, legalmente [art. 175/2 do Código Civil (= CC], votos por correspondência e, mesmo que o fossem, essa forma de votação não estava prevista nos estatutos da ré, de que ela é associada; e sugere que essa forma de votação não tinha sido mencionada na convocatória para a assembleia geral, pelo que não seria válida mesmo que fosse admissível legalmente e estivesse prevista nos estatutos (invoca o ac. do STJ de 18/06/1996 [trata-se do acórdão com a referência, da base de dados do ITIJ, 96A056, estando aí apenas sumariado; mas está publicado na íntegra na CJSTJ96, tomo II, págs. 132/134 – este parênteses é da responsabilidade deste ac. do TRC]; acrescenta, para a parte final do pedido, que os vícios destes “votos por correspondência” não determinam a invalidade da deliberação que elegeu os órgãos sociais da ré para o triénio 2009/2012, na medida em que os votos dos associados presentes, em número de 61, foram validamente expressos, tendo havido um resultado legal de 37 votos para a Lista A e 24 votos para a Lista B.

A (…) contestou, dizendo, também em resumo e na parte que interessa, que, como os votos por correspondência não estão proibidos nos estatutos, são válidos; não se pode afirmar que o legislador, designadamente no art. 175 do CC, tivesse a intenção de vedar a possibilidade dos votos poderem ser exercidos por correspondência, apenas porque fala no n.º 1 e n.º 2 em associados presentes; o legislador utilizou a expressão com o sentido de intervenientes no acto, interpretação essa que se coaduna melhor com o disposto no n.º 4 do mesmo artigo, onde o legislador utiliza apenas a expressão “associado”. Se se admitisse que para meras deliberações da AG os sócios, para votarem, tivessem de estar presentes fisicamente, não se compreenderia que não o tivessem que estar – como não têm - também nas deliberações sobre a dissolução ou prorrogação da pessoa colectiva, deliberações essas que, em tese, são mais gravosas para a vida da própria associação. Tal interpretação vai contra um princípio secular de direito que determina que a lei que permite o mais, permite o menos. Se interpre-tássemos a citada disposição legal no sentido de se exigir uma presença física, então não poderiam as pessoas colectivas votar qualquer deliberação associativa, na medida em que, não tendo existência corpórea, só podem intervir mediante representante para o efeito. Conclui no sentido da impro-cedência do pedido principal.

Depois da audiência preliminar, foi proferido sanedor-sentença que julgou procedente o pedido principal, nos seguintes termos: i) declaro nulos os 77 votos por correspondência aceites em AG da ré, do dia 30/04/2009; ii) determino a reconstituição da deliberação para a eleição dos órgãos sociais da ré, com exclusão dos votos referidos em i), e as consequências legais e estatutárias em sede de resultado da deliberação por votação, quanto à lista vencedora.

A ré interpôs recurso desta sentença, pedindo a sua revogação e substituição por outra que absolva a ré dos pedidos, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. Entendeu o tribunal a quo que não eram de admitir os votos por correspondência, na medida em que tal violava o disposto no artigo 175, nºs 1 a 3 do CC, interpretando aquelas disposições legais no sentido de ser exigível a presença física dos associados, «não admitindo a lei os votos por correspondência».

2. O que se discute é a admissibilidade ou não dos votos por correspondência que determinaram a eleição dos órgãos sociais da ré em 30/04/2009.

3. Em lado algum se alegou ou provou, que os votos exercidos por correspondência na eleição dos corpos sociais da recorrente não tivessem sido livres, ou esclarecidos ou responsáveis.

4. Se só se admitisse o voto presencial no[s nºs. 2 e 3 do] art. 175, não faria sentido a proibição imposta pelo art. 180, ambos do CC.

5. O entendimento no sentido de só se admitir o voto presencial nos casos […] previstos no[s nºs. 2 e 3 do] art. 175 do CC é inconstitucional, por violação do princípio constitucional consagrado nos artigos 46 e 51 da Constituição da República Portuguesa, na medida em que a liberdade de associação compreende o direito de constituir ou participar em associações.

6. A lei não impõe nem proíbe o modo de participação associativa.

7. A sentença recorrida é inconstitucional por atentar contra o princípio da liberdade de associação e contra o princípio da autonomia privada.

8. Tendo os votos por correspondência sido decisivos na deliberação tomada em AG do dia 30/04, o que estaria afectado não seria o voto em si, mas sim aquela deliberação.

9. O art. 175 do CC nada diz quanto à forma dos actos, mas sim à validade das deliberações 10. Apenas o que se pode interpretar do art. 175, é que, a não serem admissíveis os votos por correspondência, as deliberações tomadas sem a presença (física) dos seus associados não podem ser tomadas.

11. As deliberações tomadas em assembleia geral em desconformi-dade com normas legais ou estatutárias são anuláveis.

12. Os autores em momento algum arguiram tal anulabilidade.

13. O tribunal a quo determina que «quanto ao voto em si, temos que o mesmo se configura como um acto jurídico simples», em contraposição ao negócio jurídico.

14. O tribunal a quo não poderia aplicar analogicamente uma norma que regula os negócios jurídicos e não os actos jurídicos simples.

15. A validade dos votos só se poderia aferir com recurso às normas que regulam situações eleitorais em que as deliberações são tomadas por votação.

16. No caso em apreço não podia o tribunal a quo recorrer aplicar analogicamente o disposto no art. 294 do CC para determinar a nulidade dos votos por correspondência.

17. Ao decidir como decidiu, o tribunal a quo violou o princípio da legalidade, da fundamentação e, sobretudo, o princípio da Justiça, legalmente consagrados.

18. O tribunal a quo fez uma interpretação do art. 175 do CC que viola o disposto nos arts 46 e 51 da Constituição da República Portuguesa (= CRP) sendo portanto a sentença recorrida, nesta parte, inconstitucional.

As autoras não contra-alegaram.

* Questões que importa resolver: Se os votos por correspondência deviam ter sido considerados válidos; e se a consequência da sua invalidade é a desconsideração dos mesmos, com reflexos na deliberação apenas se impedir a maioria necessária à deliberação, ou a viciação da deliberação tomada.

* Foram os seguintes os factos dados como provados: 1. A ré é uma associação de direito privado, que resultou da transformação do Grémio de Torres Novas, Entroncamento e Alcanena.

2. A ré foi constituída sem determinação de tempo da sua duração e sem fins lucrativos.

3. Aquando da sua constituição, os respectivos Estatutos foram publicados no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª série, n.º 33, de 08/09/1977.

4. Os Estatutos referidos em 3 foram alterados pelos Estatutos aprovados e publicados no Boletim do Trabalho e Emprego (= BTE), 3ª série, n.º 22, de 30/11/1991.

5. Os Estatutos referidos em 4 foram alterados pelos Estatutos aprovados em AG extraordinária de 29/11/2002 e publicados no BTE, 1ª série, n.º 1, de 08/01.

6. Os Estatutos referidos...

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