Acórdão nº 06S1732 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Novembro de 2006

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução15 de Novembro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. Em 14 de Abril de 2000, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, AA instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra BANCO DE PORTUGAL, adiante designado por Banco, formulando cinco grupos de pedidos: - 1.º Grupo: (i) Se declare válido e em vigor o contrato concluído entre as partes em 21 de Maio de 1974; (ii) Se caracterize esse contrato como de prestação de serviços, no interesse de ambos os contraentes; (iii) Se considere como cláusulas dele, entre outras: a) A que reconhecia ao autor a independência e autonomia indispensáveis ao exercício da profissão de advogado; b) A que concedia ao autor «pulso livre» para continuar a exercer a sua profissão e o obrigava a manter o seu escritório, com a condição apenas de o Banco, entre os seus clientes, haver de ser considerado cliente privilegiado; c) A que dispensava o autor de horário de trabalho e apenas lhe exigia a permanência no Banco, em certas circunstâncias e termos a estabelecer, por acordo com os colegas; d) A que atribuía ao autor, a título de remuneração, além de todas as regalias que o Banco concedia aos empregados de nível superior, um ordenado a rever, em termos de aumento, condicionado apenas ao desempenho das funções, logo ao fim do primeiro ano e, depois, de dois em dois anos.

(iv) Se defina que entre as regalias que o Banco concedia aos empregados de nível superior e, consequentemente, concedeu ao autor, figuravam: a) A de receberem os seus ordenados 16 vezes por ano; b) A de os receberem precípuos de encargos fiscais; c) A de terem direito a um empréstimo, a longo prazo, para aquisição de habitação própria, até ao montante de 1.000 contos ao juro de 1,5% ao ano, logo após perfazerem 3 anos de serviço; d) A de terem direito a assistência total na doença, tanto médica, como medicamentosa, e não só para si como para o seu agregado familiar; e) E o direito à reforma, por inteiro, após os 65 anos de idade.

- 2.º Grupo: Se declarem nulas e de nenhum efeito as alterações introduzidas pelo Banco, sem o seu consentimento, no referido contrato, nomeadamente: (i) As que pretenderam incluir o autor no corpo dos empregados do Banco e todas as que pressupunham essa integração; (ii) As que submetiam o autor a outros juízos de valor profissional que não assentassem apenas no desempenho das suas funções; (iii) A que reclassificou o autor, em 1 de Julho de 1977, no Quadro Técnico do Banco, como Assistente Técnico III; (iv) A que, em 1987, atribuiu ao autor a notação «C» na classificação de mérito para a comparticipação nos lucros; (v) A que lhe recusou, em 1988, a antecipação da reforma; (vi) A que, em 1990, lhe negou o empréstimo para aquisição do material informático; (vii) E a que, em 1977, lhe alterou as condições do empréstimo para a aquisição de habitação própria.

- 3.º Grupo: Se condene o Banco de Portugal a pagar ao autor: (i) A diferença que se vier a apurar entre os ordenados pagos e os que, nos termos do contrato, lhe devia ter pago, tendo em consideração, como limite mínimo, os ordenados que o Banco pagou e tem vindo a pagar ao colega Dr. RR, admitido em 1 de Julho de 1977, logo com o nível 16, ou, pelo menos, ao colega Dr. DD, que entrou com o autor e nas mesmas condições do autor, e a quem foi atribuído, na reclassificação de 1977, o nível 15, tendo em conta nesse apuro, ainda, tanto o não pagamento desse ordenado 16 vezes por ano, como o seu pagamento precípuo de impostos; (ii) A diferença entre o que o Banco pagou ao autor, como participação nos lucros de 1987, e o que lhe devia ter pago de acordo com o contrato inicial; (iii) O prejuízo de 6.000 contos, resultante da alteração introduzida pelo Banco nas condições do empréstimo para a aquisição de habitação própria; (iv) O prejuízo de 10.000 contos decorrente dos encargos fiscais que teve de suportar, por o Banco, unilateralmente, a partir de 1/1/1989, o ter integrado no quadro dos seus empregados; (v) O prejuízo de 2.625 contos por o Banco não ter concedido ao autor a antecipação da sua reforma; (vi) O pagamento de todas as despesas, médicas e medicamentosas que despendeu e venha a despender consigo ou com familiares na sua dependência; (vii) O pagamento a título de reforma, da retribuição que vier a ser fixada ao autor, com a integração do chamado complemento remuneratório, que lhe seja devido, das diuturnidades, dos subsídios de Natal e de férias, e da sua comparticipação anual nos lucros; (viii) E mais ainda, no fornecimento do material informático nas condições que lhe foram recusadas.

- 4.º Grupo: Se condene o Banco de Portugal a pagar ao autor, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de, pelo menos, 50.000.000$00: (i) Pelo sofrimento moral que o autor suportou, pela desconsideração a que foi votado durante 17 anos ao serviço do Banco; (ii) Pelo sofrimento moral que o autor suportou com a propositura de acção que correu termos na 2.ª Secção do 8.º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, registada sob o n.º 11.180/94, incluindo a sua tramitação posterior, presença física durante o julgamento, a frustrante sentença proferida e recursos durante 6 anos; (iii) Pelo sofrimento moral que está e virá a sofrer com a presente acção.

- 5.º Grupo: Tudo com juros de lei a partir das datas de constituição em mora de cada uma das parcelas que integram o pedido.

Alegou, no essencial, que entrou ao serviço do Banco de Portugal, em 21 de Maio de 1974, por deliberação do seu conselho de administração, de 17 de Maio de 1974, como consultor jurídico e em regime análogo ao dos outros consultores.

O regime em que tinham sido admitidos outros consultores era o regime de prestação de serviços por avença consoante tradição do Banco, tendo sido contratado como advogado para ser prestador de serviços como advogado adjunto.

Todavia, embora como prestador de serviços, tinha regalias semelhantes aos empregados das categorias superiores do Banco.

O réu contestou, por excepção, invocando que estavam prescritos os créditos reclamados pelo autor, e por impugnação, apresentando uma versão diferente sobre a ocorrência dos factos referidos na petição inicial, tendo concluído pela procedência da excepção de prescrição ou, se assim não se entendesse, pela improcedência da acção, com a sua consequente absolvição de todos os pedidos contra si formulados.

O autor respondeu, defendendo a improcedência da invocada excepção de prescrição e a condenação do réu como litigante de má fé.

Posteriormente, foi proferido despacho saneador, que julgou o tribunal do trabalho incompetente, em razão da matéria, atendendo à natureza do contrato de prestação de serviços em que o autor alicerçava os pedidos formulados na acção, e que decidiu absolver o réu da instância.

Interpostos recursos de agravo por ambas as partes, a Relação, considerando a questão da qualificação do contrato em causa definitivamente assente por acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, concluiu que, nessa parte, sempre seria de julgar improcedente o pedido do autor (caso julgado), porém, havia que «conhecer dos demais pedidos formulados e decorrentes do contrato de trabalho, os quais deverão ser apreciados e decididos a seu tempo», pelo que, dando provimento aos recursos, revogou a decisão recorrida e ordenou o normal prosseguimento dos autos.

Recebido o processo na primeira instância, o tribunal do trabalho elaborou despacho saneador que julgou improcedente a excepção de prescrição invocada pelo réu e, doutro passo, julgou procedente a excepção de caso julgado, «no que concerne ao pedido deduzido pelo Autor de que se caracterize o acordo que celebrou com o Réu, em 21 de Maio de 1974, como um contrato de prestação de serviços no interesse de ambos», absolvendo, nesta parte, o réu da instância, tendo operado, em seguida, a selecção da matéria de facto relevante para a decisão da causa.

Inconformado com a decretada improcedência da excepção da prescrição, o réu interpôs recurso de apelação, que foi admitido com subida diferida.

Realizado julgamento, foi exarada sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência: (i) Declarou válido o contrato concluído entre as partes, em 21 de Maio de 1974, e que o Supremo Tribunal de Justiça qualificou como um «contrato de trabalho»; (ii) Condenou o réu a reconhecer que faziam parte daquele contrato as seguintes cláusulas: a) A que reconhecia ao autor independência e autonomia indispensáveis ao exercício das funções de advogado; b) A que autorizava o autor a continuar a exercer advocacia em escritório próprio e mediante a qual o autor se comprometeu a não dever aceitar como clientes entidades que tivessem com o réu relações que a tal desaconselhassem, bem como a colocar em primeiro lugar as tarefas do Banco de Portugal; c) Aquela mediante a qual o autor, integrado no corpo de consultores jurídicos do Banco, não tinha horário de trabalho rígido, devendo o seu trabalho ser prestado de acordo com os moldes de distribuição de períodos de tempo, acordados entre os consultores, por forma a manter um número adequado de consultores no local da Direcção de Serviços de Contencioso, ou noutro, do Banco, em que tal se impusesse, durante o período de funcionamento dos serviços daquele ou em permanência dos membros do seu Conselho de Administração para além daquele; d) Aquela mediante a qual o réu se comprometeu a atribuir ao autor regalias idênticas às que pelo CCT dos Bancários e pelos seus regulamentos internos fossem asseguradas a empregados do quadro bancário, das categorias superiores, salvo, no tocante a diuturnidades ou outra forma de beneficiação compensadora da prolongada permanência ao serviço do Banco numa mesma categoria; (iii) Declarou que, em Maio de 1974, autor e réu acordaram que: a) O montante referido em R) [montante mensal de 17.500$00] também era devido a título de subsídio de férias, subsídio de Natal e subsídio de Páscoa; b) O réu arcaria com o...

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