Acórdão nº 01304/13.8BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 02 de Julho de 2015

Magistrado ResponsávelAlexandra Alendouro
Data da Resolução02 de Julho de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO A CAUSA DA CRIANÇA-ASSOCIAÇÃO DE PROTECÇÃO À INFÂNCIA E JUVENTUDE, IPSS, devidamente identificada nos autos, não se conformando com o teor da sentença proferida no TAF do Porto, no âmbito da acção administrativa comum (sob a forma ordinária) proposta contra C... EMPREITEIROS, S.A, que julgou procedente a excepção peremptória de caducidade da propositura da referida acção suscitada pela Ré e consequentemente a absolveu do pedido, vem dela interpor recurso, apresentando, para o efeito, as suas alegações de recurso, nas quais formulou as seguintes conclusões: I. A Autora, ora Recorrente, é uma Instituição Particular de Solidariedade Social, cujo escopo é a protecção de jovens e crianças que por decisão judicial são retiradas, provisoriamente, aos pais e que ficam acolhidas temporariamente junto da instituição.

  1. A Ré, ora Recorrida, é uma sociedade comercial que visa obter lucro operando no sector da construção civil.

  2. A Autora, visando prosseguir o seu fim social, procedeu a concurso público destinado à construção do Centro de Acolhimento Temporário para acolher as crianças e jovens e a funcionar a sua sede, edifício esse constituído por rés do chão e andar, sito na Rua ….

  3. O concurso público foi adjudicado à Ré / Recorrente, tendo sido assinado o contrato de empreitada em 9/11/2005 pelo valor global de 420.288,88€.

  4. Ficou estabelecido um prazo para conclusão da obra de 365 dias.

  5. A recepção provisória da obra veio a suceder em 30 de Março de 2007.

  6. Com o decurso do tempo, verificaram-se diversos defeitos de construção que a Ré prontamente reparou após a Autora os denunciar.

  7. Porém, em 19 de Maio 2011, a Autora denunciou uma série de defeitos que estavam a surgir no edifício, que a Ré prometeu reparar, mas nada fez.

  8. Só após insistência do mandatário da Autora em 9/12/2011, por carta registada, é que a Ré, ora Recorrida, acedeu em realizar uma vistoria à obra, que veio a suceder em 6 de Janeiro de 2012.

  9. Desta vistoria, em que estava presente um gerente da Ré, um encarregado e um técnico da Autora, concluiu-se que o maior problema são as enormes fissuras que aparecem nas paredes exteriores e interiores e que é por lá que entra a humidade.

  10. Porém, a Ré nada fez para reparar os danos, vendo-se a Autora obrigada a recorrer à via judicial.

  11. Em 21/3/2012, foi intentada acção cível junto do Tribunal Judicial da Maia, que correu termos no 2º Juízo Cível, sob o nº de processo 1927/12.2TBMAI, porém, o Tribunal julgou-se incompetente em razão da matéria e absolveu a Ré da instância em 16/4/2013.

  12. No decurso dessa acção foi realizada uma audiência preliminar em 14/12/2012 tendo em vista a conciliação das partes, porém não se logrou alcançar nesse momento um entendimento, mas suspendeu-se a instância por se vislumbrar a possibilidade de chegar a um acordo após a realização de algumas diligências.

  13. Porém, a Ré não realizou qualquer diligência, tendo determinado o desfecho da acção cível, por sentença notificada em 16/4/2013, que transitou em julgado em 20/5/2013.

  14. Em 17/5/2013 foi intentada a acção junto do Tribunal Administrativo – Tribunal a quo –, que veio sentenciar que o direito já havia caducado, por se mostrar esgotado o prazo de 5 anos a contar da recepção provisória da empreitada para o seu exercício, suportando-se no art. 278º da Lei 59/99, de 2 de Março.

  15. Não tendo sido realizado julgamento, porquanto foi proferida sentença findos os articulados.

  16. Assumiu, por isso, erradamente, o Tribunal que essa seria a única via de responsabilização da Ré pelos defeitos da obra cuja reparação a Autora peticionava; assim como, XVIII. Não analisou em detalhe o instituto da caducidade e as suas causas impeditivas.

  17. Com efeito, a caducidade é impedida pela prática do acto a que lei atribuía efeito impeditivo ou quando a parte contra quem o direito deva ser exercido reconheça a sua existência – art. 331º, nºs 1 e 2 do Código Civil.

  18. Ignorou por isso a sentença que a Autora havia alegado que a Ré reconhecera “as anomalias e defeitos prometendo que as ia reparar no decurso desse Verão” (de 2011) – vd. art. 11º da Petição Inicial – facto que era impeditivo da verificação da caducidade e que só poderia ser demonstrado pela produção de prova em sede de audiência de julgamento.

  19. Não se pode deixar de tecer críticas à forma como o legislador redigiu este preceito, pois é completamente desfasado da realizada, uma vez que, no limite, é sempre imputável ao titular do direito a absolvição da instância, uma vez que será sempre o titular do direito a intentar a acção, ou melhor, a pretender ver reconhecido judicialmente o seu direito e, desta feita, a exercê-lo.

  20. No plano adjectivo, o legislador prescreveu no art. 279º, nº 2 do Novo Código de Processo Civil e no âmbito da matéria relacionada com a absolvição da instância que “sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade, os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu, mantêm-se, quando seja possível, se a nova acção for intentada ou o réu citado para ela dentro de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença da absolvição da instância”.

  21. Uma interpretação precipitada, poder-nos-ia levar à conclusão que estamos perante uma lacuna de colisão, porquanto, para a mesma previsão (absolvição da instância e contagem de prazo de caducidade) encontramos duas estatuições diversas: a. De não considerar completado o prazo antes de findarem dois meses após o trânsito em julgado, desde que a absolvição da instância não seja imputável ao titular do direito (art. 327º, nº 3 CC); b. De manter os efeitos civis se a nova acção for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição de instância (art. 279º, nº 2 CPC).

  22. Não é porém de acolher o entendimento que estamos perante uma lacuna de colisão, pois são normas com décadas de existência e o legislador em diversas revisões não as alterou – aliás, o novo Código de Processo Civil de 2013 manteve a redacção, pelo que a ser uma aparente lacuna de colisão, seria esta norma a aplicável por ser a mais recente – assim, “tais contradições só podem propriamente verificar-se entre normas da mesma hierarquia que entrem em vigor na mesma data”.

  23. Por isso, a única interpretação possível, é que o legislador quis (e quer) indubitavelmente que nos 30 dias após o trânsito em julgado, independentemente da absolvição de instância ser imputável ao titular do direito ou não, se mantenham os efeitos civis alcançados com a primeira acção, nomeadamente, o impedimento da caducidade por força do exercício do direito.

  24. Com efeito, “O nº 2 do artigo anotado não prejudica estes preceitos da lei civil, aos quais se adiciona e aplica-se seja ou não imputável ao autor o motivo da absolvição da instância. Proposta nova acção dentro de 30 dias após o trânsito em julgado da decisão, o efeito impeditivo da caducidade decorrente da propositura da primeira acção mantém-se”.

  25. Defender-se outro entendimento, seria fazer prevalecer a justiça formal sobre a justiça material – corrente contrária à do legislador que no Novo CPC (2013) consagrou a possibilidade de remessa para o tribunal competente uma vez findos os articulados (art. 99º, nº 2 do Novo Código de Processo Civil).

  26. Pode-se, assim, concluir que a Autora pode aproveitar os efeitos civis da 1ª acção por mais 30 dias, independentemente de lhe ser imputável ou não a absolvição da instância, ao abrigo do art. 279º, nº 2 do Código de Processo Civil (2013) porquanto, intentou a nova acção dentro deste prazo.

  27. Sendo tal disposição aplicável in casu por força da remissão para o regime do Código de Processo Civil constante no art. 1º do CPTA.

  28. A Douta Sentença de que se recorre ignorou a possibilidade de existirem outras causas de responsabilização pelos defeitos cuja reparação se peticionava; Porquanto, XXXI. A violação das boas regras de construção civil, nomeadamente, as previstas nos arts. 1º, 15º, 16º, 23º, 24º e 128º do Regime Geral das Edificações Urbanos e que são de conhecimento obrigatório para a Ré, importam a responsabilidade civil extracontratual, pelo que a sua inobservância permite concluir pelo dolo ou, pelo menos, negligência grosseira.

  29. Com efeito, as normas previstas no RGEU são verdadeiras normas de protecção, pelo que a sua inobservância preenche a ilicitude tipificada para a responsabilidade civil extracontratual consagrada no art. 483º do Código Civil.

  30. Não fosse a violação da “leges artis” e das normas do RGEU e não se verificariam os danos.

  31. Verificando-se, assim, os demais requisitos da responsabilidade civil aquiliana: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade, sendo, consequentemente a Ré civilmente responsável pelos danos a título da responsabilidade civil extracontratual.

  32. O Tribunal não está limitado pela qualificação jurídica apontada pelas partes para a procedência do pedido – art. 5º, nº 3 CPC; XXXVI. Não obstante, além da descrição exaustiva dos danos é alegada a inobservância da “leges artis” no art. 16º da Petição Inicial.

  33. A entrega da obra e o decurso do tempo não têm significado relevante porque não podem legalizar o ilícito e ainda porque a entrega ou a aceitação não valem para a responsabilidade civil extracontratual.

  34. Por todos estes motivos, não podia o Tribunal a quo decidir do mérito da causa sem a realização de julgamento e apreciação da prova produzida, pelo que se impõe a descida dos autos e a realização de julgamento, para, subsequentemente, se decidir em conformidade com a prova.

  35. Decidir o mérito da questão sem a realização de julgamento in casu é denegar o acesso à...

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