Acórdão nº 06P2257 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Setembro de 2006

Magistrado ResponsávelSILVA FLOR
Data da Resolução13 de Setembro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I.1. No Tribunal Judicial da comarca de Arraiolos, AA foi julgado em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, que o condenou pela prática de dois crimes de homicídio por negligência, previstos e punidos pelos artigos 10.°, 15.° e 137.°, n.º l, do Código Penal, na pena, por cada um deles, de 300 dias de multa à taxa diária de 2000$00 e, em cúmulo jurídico, na pena única de 500 dias de multa à mesma taxa diária, perfazendo a multa total de 1 000 000$00. Foi também condenado na pena acessória de 10 meses de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria.

Na sequência de recurso interposto pelo arguido, o Tribunal da Relação de Évora anulou em parte o julgamento, ordenando o reenvio dos autos para novo julgamento.

Repetido o julgamento pelo tribunal colectivo do Tribunal de Avis, foi preferido acórdão condenando o arguido nos mesmos termos, apenas com a alteração da moeda - taxa diária de 5 euros e pena única de 500 dias de multa à mesma taxa diária, perfazendo a multa total de 2.500,00 euros.

Inconformado com tal decisão, o arguido dela recorreu.

Anteriormente, a fls. 523, o arguido havia recorrido do despacho proferido a fls. 488, indeferindo um requerimento do arguido de adiamento da audiência de julgamento.

E no início da audiência, a fls. 580, o arguido levantara as questões da nulidade da realização da mesma sem a presença do seu defensor escolhido e da nulidade da composição do tribunal colectivo, tendo o Presidente do tribunal colectivo, por decisão de fls. 581, indeferido o requerimento, ordenado o prosseguimento da audiência.

Dessa decisão o arguido interpôs também recurso, na mesma peça de interposição do recurso do acórdão do tribunal colectivo.

I.2 No recurso do despacho de fls. 488 o arguido formulou as conclusões que em seguida se transcrevem.

i. O despacho recorrido não é de mero expediente nem proferido ao abrigo de poderes discricionários nem no âmbito da alínea b) do nº l do art. 400° do CPP - sendo, por via disso, recorrível.

ii. Mas é-o também apesar do n° 4 do art. 313° do CPP pois que o despacho que esta última norma visa é o despacho que designa dia para a audiência mas exclusivamente na vertente e na medida em que ele contempla, ou decide, ou resolve, as questões e os aspectos expressamente previstos nos art. 311° e 313° do CPP. - o que se compreende até por estas duas razões: trata-se, estas, de matérias e questões para cuja sindicância o arguido poderia ter activado a fase de instrução (a)); não ficam de modo algum prejudicadas as garantias de defesa e, consequentemente, a amplitude de discussão e julgamento subsequente (b)). Já não assim quando os vícios do despacho são do género dos que se apontam no presente recurso.

iii. Os n°s l, 2 e 3 do art. 155° do CPC, reelaborados pelos Decretos-Lei 329-A/95, de 12/12/1995, e 180/96, de 25/09, de 25/09/96, aplicáveis ao processo penal por força do n° 4 do 312° do CPP, contêm o regime da concertação em vista da marcação de diligências.

iv. Como salienta o próprio preâmbulo do Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro, o novo regime é uma clara decorrência do princípio da cooperação. E daí que haja sido estabelecida a regra da marcação das diligências, maxime das audiências preliminar e final, mediante prévio acordo de agendas, especificando-se a forma que pareceu mais adequada, eficaz e desburocratizada de concretização de tal princípio, nos casos em que o andamento do processo não haja propiciado ainda o contacto directo entre os vários intervenientes na diligência.

  1. Desse regime decorre que:

  2. Num primeiro momento, deve o juiz providenciar pela marcação do dia e hora da sua realização (da diligência mediante prévio acordo com aqueles (os mandatários podendo encarregar a secretaria de realizar, por forma expedita, os contactos prévios necessários (n° l do art. 155°).

b) Quando a marcação não possa ser feita naqueles termos, devem os mandatários impedidos em consequência de outro serviço judicial já marcado comunicar o facto ao Tribunal propondo datas alternativas após contacto com os restantes mandatários interessados (n° 2), proposta essa que, ponderadas as razões aduzidas, poderá ser atendida (n° 3).

vi. Das disposições conjugadas do n° l e 2 do art. 155° do C.P.C. resulta que não está na livre disponibilidade ou alvedrio do juiz a promoção, ou não, de providências no sentido da marcação de diligências mediante acordo prévio com os mandatários (ainda que por via da modalidade de delegação na secretaria da realização, por forma expedita, dos contactos prévios necessários).

vii. Essas providências só podem deixar de ter lugar em caso de impossibilidade.

viii. A impossibilidade de cumprimento do número um do 155° não pode, porém, presumir-se pelo simples facto de não ter sido cumprido esse ónus (o que, além do mais, envolveria óbvia petição de princípio): a impossibilidade (quando a marcação não possa...) tem que ser sempre explicitada, demonstrada e fundamentada nos autos, designadamente quer em obediência ao dever de fundamentação dos actos e decisões quer pelo princípio da documentação e que tem como corolário o tópico de que "quod non est in actis non est in mundo".

ix. Não tendo sido promovida nenhuma dessas providências ou contactos, e nem sequer tendo sido alegada impossibilidade da sua realização, e nada constando dos autos que possa apontar no sentido da efectiva ocorrência dessa impossibilidade, não pode deixar de ser atendida, considerada e ponderada a exposição do mandatário que dá conta do seu impedimento para a proposta data e requer, por isso, a designação de uma outra (dando, ademais, nota daqueloutras datas para as quais se defronta com idênticos óbices).

x. De outro modo, reduzir-se-ia a nada o efeito útil do mecanismo introduzido por tais disposições legais, o que se traduziria numa recusa de aplicação da lei e na violação do princípio da cooperação que impende sobre os sujeitos e intervenientes processuais.

xi. O modus agendi exposto aqui defendido é o que faz apelo e respeita os princípios e valores constitucionais que encontraram lugar no art. 32° da CRP - pelo que uma interpretação dos preceitos que estão em causa no presente recurso em termos que dessem cobertura à prática aqui sob sindicância contrariaria esses princípios e valores, inadmissível, portanto, e uma vez que poria em causa as garantias de defesa nas vertentes designadamente do direito de escolha do defensor e da criação e garantia das condições de efectivo exercício da defesa.

xii. Em bom rigor, até decorre dos autos que o mandatário do arguido deu, no concerto com a verificada actuação dos demais mandatários, notícia de acordo quanto ao agendamento de outra data.

xiii. Tendo, com efeito, o signatário dado conta do seu impedimento para a primeira das indicadas (pelo mº juiz) datas e informado das demais datas que via impedidas, tendo também os demais mandatários informado das datas que, por sua vez, tinham impedidas, todos eles disseram, por exclusão, da sua não oposição à designação de outra data e que poderia ocorrer o agendamento para qualquer das demais, pelo que restaria ao m° juiz verificar se, para qualquer dessas outra datas de alternativa, poderia, por sua vez, viabilizar a marcação - em momento ou lugar algum do artigo 155° do CPC se diz, com efeito, que o acordo entre mandatários ali aludido não poderá ser declarado tacitamente, sabido que a declaração tácita é uma das modalidades de declaração legalmente admissível (art. 217° do Código Civil).

xiv. O douto despacho recorrido fez incorrecta interpretação das normas dos n°s l, 2 e 3 do art. 155° do CPC aplicável ex vi 312° do CPP, e põe em causa as garantias de defesa do arguido com a expressão e dimensão que lhes devem ser reconhecidas à luz inclusivamente do art. 32° da CRP.

xv. O douto despacho recorrido deve ser revogado e substituído por outro que, sopesando as razões aduzidas pelo mandatário do recorrente e as mais circunstâncias que couberem, decida em conformidade - decisão que deverá ser no sentido de agendamento de outra data compatível com todas as disponibilidades dos intervenientes.

O Ministério Público respondeu à motivação do recurso, dizendo em síntese que foi dado cumprimento ao disposto nos artigos 312.º do Código de Processo Penal e 155.º do Código de...

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