Acórdão nº 06P2815 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Julho de 2006

Magistrado ResponsávelSANTOS CARVALHO
Data da Resolução27 de Julho de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

AA e BB foram julgados na 1ª Vara de Competência Mista de Guimarães e aí condenados pela autoria material de um crime de tráfico de menor gravidade, p.p. pelo art.º 25.º, al. a), do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, cada um, na pena de 3 anos e 4 meses de prisão.

  1. Ambos os arguidos recorreram da sentença condenatória para este Supremo Tribunal de Justiça.

    O BB concluiu assim: 1º O Recorrente foi condenado a 3 anos e quatro meses de prisão, pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25°, a), do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22/1.

    1. Ora, salvo o devido respeito pelo Colectivo que proferiu o acórdão, a conduta do arguido enquadra o tipo legal previsto no art.º 26º do mesmo DL, n.º 15/93 de 22/01.

    2. O arguido é toxicodependente e vendia produtos estupefacientes com o propósito de obter meios monetários para obter produtos estupefacientes para seu consumo.

    3. Sem qualquer capacidade organizativa actuando isoladamente, vendendo pequenas quantidades de produtos estupefacientes, sem qualquer intenção lucrativa, tendo como finalidade única e exclusiva, obter droga para seu próprio consumo.

    4. O facto de se considerar provado que, com a venda de estupefacientes, o arguido obtinha meios para ajudar ao seu sustento não obsta a que a sua conduta seja abrangida no âmbito do art.º 26° do DL 15/93 de 22/01.

    5. Como se pode ler em anotação ao art.º 26º por João Luís de Moraes Rocha, Juiz de Direito - in "Droga - regime jurídico" - Livram Petrony, "afigura-se que sendo estas conaturais (e só enquanto tal) à sobrevivência e actividade humana, não podem deixar de estar abrangidas no âmbito deste preceito. (. . .) a interpretação não deve cingir-se à letra da lei (art.º 9º, n.º 1, do Código Civil) " 7º Pelo que deverá ser proferido novo acórdão no qual a conduta do recorrente seja enquadrada no art.º 26º do DL, 15/93 de 22/01.

    6. Mesmo que assim não se entenda, o que não se concede, sempre se poderá dizer que a pena aplicada se revela excessiva.

    7. Como refere o douto Acórdão recorrido "temos apurado um elevado número de actos concretos de venda de heroína a consumidores de quantidades de estupefacientes absolutamente diminutas ".

    8. Concluindo assim, aquele Tribunal que, "considerável diminuição da ilicitude dos factos praticados pelos arguidos".

    9. Assim e como ensina Figueiredo Dias "As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa".

    10. No caso concreto, considerou o Tribunal recorrido, "não revestindo o dolo qualquer especialidade digna de relevo, entende-se colocar a culpa dos agentes; relativamente às molduras abstractas, num grau médio alto." 13º No entanto, atendendo às circunstâncias concretas, afigura-se ao recorrente que, a pena aplicada de 3 anos e quatro meses de prisão se encontra muito acima da sua culpa.

    11. Finalmente, por aplicação dos critérios de determinação da medida da pena, supra identificados e previstos no art.º 71º do Código Penal, justifica-se, salvo melhor opinião, que na ponderação da pena a aplicar ao recorrente, esta seja fixada próxima do seu mínimo, ou seja, em pena nunca superior a 2 anos de prisão.

    12. O Tribunal Recorrido violou o disposto nos artigos 25º e 26º do DL 15/93 de 22/01 e os artigos 40º, 70º e 71º do Código Penal.

    Termos em que:

    1. Deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se o douto Acórdão recorrido, substituindo-se este por outro, alterando-se a qualificação jurídica da conduta do Recorrente.

    2. Quando assim não se entenda, substituindo-se por outro que não condene o Recorrente em pena de prisão superior a dois anos.

    O JR concluiu deste modo: 1- O Tribunal Colectivo violou o disposto no artigo 25° e 35° do Decreto-lei n.º 15/93, de 22/01 e os artigos 40°, 70° e 71 ° do Código Penal.

    2- Pelo que deverá ser revogado o acórdão recorrido e proferido novo acórdão no qual a pena aplicada ao arguido não seja superior a três anos de prisão, cuja execução deverá ser suspensa; 3- Deverá ainda o novo acórdão ordenar a restituição do ciclomotor marca/modelo Yamaha/DT, matrícula 2-0000-00-00 ao seu legitimo proprietário, o arguido/recorrente.

  2. O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso e concluiu pela sua improcedência, mesmo quanto ao ciclomotor declarado perdido para o Estado, pois não é o indicado pelo recorrente JR nem pertence a este.

    Neste Supremo, a Excm.ª PGA pôs o seu visto.

    O relator, porém, por entender que o recurso é manifestamente improcedente, mandou os autos à conferência.

  3. Colhidos os vistos e realizada a conferência com o formalismo legal, cumpre decidir.

    As principais questões a decidir prendem-se com a medida da pena e a possibilidade da sua suspensão. Mas há ainda a questão do alegado perdimento em favor do Estado do ciclomotor 2-000-00-00.

    Os factos provados são os seguintes:

    1. O CC é consumidor de heroína e cocaína. No dia 9 de Maio de 2003, o CC adquiriu a pessoa não identificada três pacos de heroína, negócio que ocorreu em Gondar, Guimarães.

    2. No dia 14 de Maio de 2003, pelas 11 horas e 30 minutos, na Rua Souto da Ponte, Gondar, Guimarães, foi detido por elementos do Posto Territorial da GNR de Lordelo o arguido AA, também conhecido por «AA Perfeito», com os sinais dos autos.

      O arguido AA tinha na sua posse: - nove pacos de heroína no bolso das suas calças, - dez pacos de heroína numa caixa, que trazia num bolso das sua calças (dez pacos), - a quantia de 151,85 euros.

      Esses 19 pacos continham heroína com o peso líquido de 1,045 g.

      No acto dessa detenção foram ainda identificados consumidores.

      O arguido AA vendeu heroína e cocaína na comarca de Guimarães, nos anos de 2003 e 2004, a várias pessoas nisso interessadas.

    3. No âmbito do inquérito NUIPC 0000/03.9 PAGMR foi detido no dia 25 de Novembro de 2003, cerca das 14 horas, BB, também conhecido no meio, por consumidores, vizinhos e amigos como sendo o "Linholas", tendo ele na sua posse de heroína, que destinava à venda a pessoas nisso interessadas.

      Esta detenção do arguido BB ocorreu na Rua Dr. Manuel José Teixeira de Melo, em Pevidém, S. Jorge de Selho, Guimarães.

      O arguido BB trazia estes estupefacientes no interior de um maço de tabaco SG VENTIL.

      O arguido BB tinha ainda na sua posse: - um telemóvel da marca SIEMENS modelo A 36, com o IMEI 0000000069, - 10 (dez) recortes em papel com o nº. 960000000, que servia de «cartão de visita» para que o arguido BB os distribuísse pelos vários consumidores de heroína com quem contactava, - a quantia de 25,00 (vinte e cinco) euros.

      Este produto foi examinado laboratorialmente e revelou tratar-se de heroína com o peso líquido de 0,264 gramas.

    4. O arguido BB foi interceptado e detido, tanto pelo Posto de Lordelo, como pelo NAT Braga, na posse de 1,80 gramas e 1,65 gramas de heroína, detenção e apreensão que deu origem, respectivamente, aos NUIPCs 263/04.2 GDGMR e 281/04.0 GDGMR.

      Foram apreendidos ao BB, conhecido como "Linholas", 0,46 gramas de heroína (NUIPC 000/03.9PAGMR,).

      O arguido BB foi detido em ocasiões distintas na posse de 1,80 gramas e 1,65 gramas de Heroína (NUIPC 000/04.2GDGMR e 00/04.0GDGMR).

    5. Foi judicialmente ordenada no âmbito destes autos a captação de imagens através de filmagem da actividade dos arguidos BB e AA e de vários consumidores que os contactavam por via telefónica, em Gondar, Guimarães.

      No decurso das vigilâncias ao AA e BB a GNR observou o seu "modus operandi", tal como a forma como eram contactados pelos seus "clientes".

      Estes deslocavam-se à cabina telefónica existente à entrada do Bairro da Emboladoura, cabine com o número 200000000, tanto apeados como em veículos motorizados, contactando sobretudo o arguido BB e, por vezes, também o arguido AA para os seus números de telemóvel.

      Em breves conversas, solicitavam a venda de estupefacientes, ou ao AA ou ao BB.

      No que se refere ao arguido BB, os encontros marcados com os consumidores tinham lugar, na generalidade dos casos, ou em frente à sua casa ou nas imediações da sua residência e/ou Bairro, defronte da cabina telefónica supra indicada, bem como ainda decorriam na Ponte Serves, na Rua do Ave, na Rua da Liberdade e na Travessa da Liberdade, todos em Gondar, desta comarca de Guimarães.

      Junto da cabine referida era constante a frequência de inúmeros indivíduos, que depois de estabelecerem contacto com o arguido BB, aguardavam pelo mesmo.

      Para se confirmar a utilização da cabina telefónica como meio de contacto entre os consumidores e os arguidos AA e BB, foram interceptadas e gravadas as comunicações efectuadas de e para a cabina telefónica pública referida, pelo período de 30 dias.

      O AA reside no Bairro da Emboladoura, Bloco 0, Entrada 00, R/C Esq., Gondar, Guimarães.

      Por sua vez, o BB reside na Rua , nº. 0, Gondar, Guimarães.

    6. A confirmação da utilização da cabina telefónica como meio de ligação entre os consumidores e os arguidos AA e BB consta do conteúdo das gravações das comunicações efectuadas de e para a cabina telefónica pública mencionada, o que decorreu pelo período de (30) trinta dias.

      Entre 31 de Março e 1 de Maio de 2004, foram escutadas várias conversas que os arguidos BB e AA mantinham com vários consumidores.

      Assim: na sessão 980 do CD II fls. 26, o AA diz ao M: "... esperai que o Lino se ponha a pé, ele que vos sirva..."; na sessão 1045 do CD II fls. 36, o AA diz a um Hélder, "... Num há nada... Tá seco...", querendo significar que não há estupefacientes para entrega; na sessão 1177 CD II fls. 41, o arguido AA diz a um tal «Nélito»: "...Num tenho nada... ide ter co Lino... ligai pró Lino..."; na sessão 1194 do CD II fls. 46, o arguido BB diz ao Meira: "... Tou à espera do AA... num tenho nada, tou à espera dele..."; na sessão 1310 do CD III fls. 8, um indivíduo de alcunha Suíço diz ao arguido BB o seguinte: "... O AA ele disse que estavas pra baixo... trás 4 cá fora..."...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
  • Acórdão nº 222/09.9JACBR.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Maio de 2012
    • Portugal
    • Court of Appeal of Coimbra (Portugal)
    • 9 Mayo 2012
    ...por finalidade exclusiva conseguir plantas, substâncias ou preparações para uso pessoal …” – [cf. acórdão do STJ de 27.07.2006, proc. n.º 06P2815], circunstância que, no caso, não resultou demonstrada – [cf., ponto XLII dos factos provados]. Não resultam, assim, violados os artigos 21º, 25º......
1 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT