Acórdão nº 05P1834 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Fevereiro de 2006

Magistrado ResponsávelSORETO DE BARROS
Data da Resolução01 de Fevereiro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. "AA", identificado nos autos, recorre do acórdão de 14.03.05, do Tribunal da Relação de Guimarães, que, em síntese, decidiu : I - Não conhecer do recurso interlocutório interposto pelos assistentes .

II- Julgar improcedente o recurso interlocutório interposto pelo arguido, confirmando a decisão recorrida .

III- Rejeitar o recurso interposto do acórdão pelas assistentes ao abrigo do disposto nos art.ºs 420º, nº 1 e 414º, nº 2, ambos do Código de Processo Penal IV - Julgar improcedente o recurso interposto do acórdão pelo arguido .

1.1 O recorrente termina a motivação com as seguintes conclusões : (fls. 900 a 910) 1 - A inexistência da gravação das sessões de julgamento da lª Instância ocorreu por razões a que é completamente alheio e de que só teve conhecimento após ser notificado do teor de fls. 774.

2 - A decisão recorrida, sustentando-se na tese da Jurisprudência n° 5/2002, fundamentada em casos díspares do concreto, casos em que a gravação não tinha sido requerida, nem ordenada, nem durante o julgamento levantado o problema da sua não verificação, entendeu que sendo irregularidade a omissão de gravação da prova, a mesma não tinha sido arguida em tempo, e, pois, estava sanada quando, em 29 de Dezembro, o recorrente tomou posição sobre a não gravação.

3 - Não tinha o recorrente que tomar qualquer iniciativa, arguindo o vício da falta da gravação, por o mesmo ser de conhecimento oficioso nos termos do artigo 123° n° 2 do CPP, já que tal vício afecta o valor do acto praticado, o da audiência e de toda a tramitação posterior, nomeadamente, a possibilidade de ponderar e reponderar a prova nela produzida.

4 - Mesmo que a irregularidade estivesse dependente de arguição, o que se contesta, a efectuar nos três dias sequentes à notificação, para qualquer termo no processo, nesse caso, o acto tinha sido praticado no 2° dia após o termo do prazo, a menos que se defenda a tese do STJ de 10 de Dezembro de 1997, pelo que poderia ser validado mediante o pagamento de multa, que ninguém o notificou para pagar.

5 - Ao ter entendido dessa forma, violou a decisão recorrida os artigos 145°, n° 6 do CPC e 123° do CPP.

6 - Qualquer tomada de posição sobre a falta da gravação, após a apresentação da motivação do recurso, em nada afectaria o andamento normal do processo, já que, tendo aquela sido apresentada em tempo e tendo sido impugnada a matéria de facto, nos termos do artigo 412°, n° 3 do CPP, sempre o tribunal superior e só ele, teria de reconhecer a existência de um vício - situação de facto consumado - que lhe impedia de conhecer da matéria de facto e, pois, teria de ordenar, oficiosamente, a sua sanação.

7 - É inconstitucional a interpretação que a decisão recorrida fez do artigo 123° do CPP, no sentido de que é necessário, para conhecer do vício da falta de gravação, num caso similar aos dos autos, a arguição da irregularidade por parte dos interessados e que a mesma, nas circunstâncias em que o problema foi levantado, é intempestiva, por violadora do artigo 32°, n° 1 da CRP.

8 - Deve, pois, oficiosamente ser mandado repetir o julgamento em Iª Instância por, por circunstâncias alheias à vontade do recorrente, não ter sido possível permitir à 2ª Instância que conhecesse da impugnação da matéria de facto, nos termos formulados em respeito ao disposto no artigo 412°, n° 3 do CPP.

9 - O acórdão é nulo porquanto tendo o recorrente impugnado o julgamento da matéria de facto, também em sede do vício previsto no artigo 410°, n° 2 do CPP, a decisão recorrida não se pronunciou sobre o mesmo.

10 - Tal ocorre face ao disposto no artigo 379°, n° 1, al.c) do CPP.

AINDA SEM PRESCINDIR 11 - A decisão recorrida não rebateu, adequadamente, nenhum dos argumentos invocados em sede de direito da 1ª para a 2ª Instância. Na verdade, 12 - Limitou-se a aduzir que o recorrente não tem razão, porquanto quanto à primeira questão, não é a vítima que está a ser julgada, mas o recorrente e a facticidade provada nas conclusões 4 e 5 está estabilizada; quanto à segunda, as exigências de prevenção geral são acentuadíssimas; quanto à terceira, a definição de acto venatório impede que estejamos perante o crime na forma tentada e a opção pela pena privativa da liberdade não merece reparo face às exigências de prevenção geral que se fazem sentir.

13 - Assim, é de manter todo o concluído, já antes, no sentido de que: 14 - O recorrente foi condenado como autor de um crime de homicídio simples p. e p. pelo artigo 131° do CP, por um crime de detenção de arma ilegal p. e p. pelo artigo 6°, n° 1 da Lei 22/97, de 27/6 e por um crime p. e p. pelo artigo 30°, n° 1 da Lei da Caça.

16 - No entanto, encontram-se erradamente subsumidos os factos no que ao crime de homicídio diz respeito e erradamente aplicadas as penal concretas no que aos outros dois concerne.

17 - Quanto ao primeiro, porquanto não foi tido em conta que os factos não ocorreram em zona onde o falecido pudesse exercer fiscalização, que nenhumas razões havia inerentes à sua profissão para que aí estivesse e que o recurso ao uso de armas, mesmo de intimidação era proibida, mesmo a forças de segurança, o que, naturalmente, levava a que o cidadão comum pusesse em dúvida que se estivesse perante autoridades fiscalizadoras, mesmo sem poder de fiscalização.

18 - Não foi tido em conta, outrossim, ao facto objectivo de terem sido utilizadas armas de fogo perante pessoas que fugiam apressadamente.

19 - Assim, é difícil aceitar que o tiro ocorrido possa ter acontecido em termos de dolo eventual, mais parecendo um acto acidental.

20 - Se de outra forma se entendesse, então, estaríamos perante homicídio privilegiado, já que o mesmo ocorrera em situação de desespero na fuga.

21 - Face aos critérios legais, bem como às circunstancias específicas do recorrente dadas como apuradas, adequava-se ao seu caso a pena mínima abstracta do artigo 133° do CP.

22 - O crime de detenção ilegal de arma tem previsão abstracta de pena detentiva e não detentiva.

23 - Nada no caso justifica que se use a medida detentiva, porquanto, face às suas circunstâncias pessoais, a outra satisfaz as finalidades da punição.

24 - Assim, deveria a mesma ter sido preferida.

25 - Ao ter entendido de outra forma, violou a decisão recorrida o artigo 70° do CP, já que nunca o argumento da prevenção geral pode justificar a opção.

26 - Quanto ao crime do artigo 30° da lei da Caça, para além de valer o argumento acima referido sob 23 a 25, vale ainda o argumento de a factualidade provada ser a dum crime tentado e não a de um crime consumado.

27 - Sendo assim, a face ao disposto no artigo 23° do CP, que foi violado, não pode o crime sequer ser punível.

28 - Ao ter entendido de outra forma, violou a decisão recorrida o aludido artigo 23° do CP. (fim de transcrição) 1.2 O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos, com efeito suspensivo . (fls. 912) 1.3 Apenas respondeu o Ministério Público, que concluiu do seguinte modo : "1 - Não obstante se configurar a ocorrência de uma irregularidade de arguição necessária do art.º 123.º nº1 do C.P. Penal, nos termos da previsão do acórdão de fixação de jurisprudência 5/2002, publicado em 17/07, afigura-se-nos que, em face da verificação de uma total inexistência de registo magnetofónico da prova produzida em audiência, se poderá, fora da incidência de tal acórdão, e antes na perspectiva da afectação total do direito ao recurso quanto à matéria de facto, considerar a verificação de uma irregularidade de conhecimento oficioso, nos termos do artigoº 123º, nº2 do C.P. Penal .

2 - Se se considerar a verificação de uma irregularidade de arguição necessária nos termos do artigoº 123º, nº 1 do C.P. Penal, pensamos que tal arguição terá sido atempada por aplicação do artigoº 145º do C.P. Civil .

3 - No mais, pensamos que o recurso não merece provimento . " (fls. 916) 2. Realizada a conferência, cumpre decidir .

2.1 A matéria de facto considerada assente pelo Tribunal de Valença é do seguinte teor: "A . Os quatro arguidos são amigos e residem no concelho de Paredes de Coura.

No dia 2 de Janeiro de 2004, cerca das 22h e 25 minutos, no Local-A, Cerdal, Valença, circulava na estrada municipal o veículo automóvel de Nº-0, marca Renault, modelo "19", propriedade do arguido AA (cfr. docs. de fls. 67 e 68).

O veículo em causa era conduzido por pessoa cuja identidade não foi possível apurar . O arguido AA era transportado no mesmo, sentado no banco da frente do lado direito, ao lado do condutor, e no banco traseiro seguiam pelo menos mais dois indivíduos.

O arguido AA transportava consigo uma arma de fogo, uma espingarda caçadeira, e os dois indivíduos que seguiam no banco traseiro seguravam e movimentavam lateralmente, um de cada lado da viatura, dois projectores de luz.

Andavam a caçar, designadamente javalis, e os projectores destinavam-se a iluminar lateralmente os terrenos e montes situados nas imediações da estrada por onde circulavam, por forma a mais facilmente detectarem as peças de caça.

A cerca de 2 Km desse Local-A existe a Zona de Caça Associativa de Local-C, situada nas freguesias de Boivão, Gondomil, Friestas, Verdoejo, Ganfei e Sanfins, todas do concelho de Valença, com uma área de 2.814 hectares, cuja concessão pertence ao Socionimo-B, com sede no Pavilhão Gimnodesportivo - Zona Escolar, Valença.

Esta área era vigiada e controlada por guardas florestais auxiliares, sendo a vítima BB um desses guardas.

Este BB vinha-se deparando há já algum tempo com a presença de veículos automóveis que entravam na zona de caça durante a noite, designadamente pelo Local-A, suspeitando que seriam indivíduos que se dedicariam a caça nocturna, ou seja, caçadores furtivos.

No dia e hora acima referidos, o BB, acompanhado por CC e DD, e ao volante de uma carrinha da marca Mitsubishi (pertença da dita Associação), onde todos se faziam transportar, apercebeu-se da viatura UF a circular na estrada referida, provindo dos lados de Paredes de Coura e em direcção ao Local-A.

Essa...

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