Acórdão nº 05P3127 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Fevereiro de 2006

Magistrado ResponsávelSILVA FLOR
Data da Resolução01 de Fevereiro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. Na Vara de Competência Mista do Funchal, AA foi julgado em processo comum com intervenção do tribunal do júri, tendo o tribunal decidido: - Absolver o arguido da prática de um crime de coacção previsto e punido pelo artigo 154.º, n.º 1, do Código Penal; - Condenar o arguido como autor material de um crime de coacção na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 154.º, n.os 1 e 2, 22.º e 23.º, n.º 2, do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão; - Condenar o mesmo arguido como autor material de um crime de sequestro, previsto e punido pelo artigo 158.º n.os 1 e 2 alíneas a) e e), do Código Penal, na pena de 8 anos de prisão; - Condenar o arguido como autor material de um crime de subtracção de menor, previsto e punido pelo artigo 249.º n.º 1, alíneas a) e c), do Código Penal, na pena de 18 meses de prisão; - Condenar o arguido, em cúmulo jurídico, na pena de única de 9 anos de prisão.

Inconformado, o arguido interpôs recurso para este Supremo Tribunal, formulando na motivação do recurso as conclusões que em seguida se reproduzem: A) - o crime de coacção entre pessoas que vivam em condições análogas as dos cônjuges depende de queixa - (n 4 artigo 154°C.Penal) B) - Inexiste nos autos qualquer queixa de BB, por eventual crime de coacção.

De todo o modo, e sem prejuízo do que fica afirmado, C) - não ficaram provados os elementos constitutivos do crime de coacção, seja por não verificação de resultado, seja porque não ficou minimamente provado qual o meio violento ou o mal importante utilizado pelo arguido; D) - ignorando-se onde se encontra a menor, se viva, se morta, não pode afirmar-se, com certeza, se a mesma está fisicamente impossibilitada de se locomover; Certo é, no entanto que, E) - é manifesto que o arguido não detém nem mantém presa ou em seu poder a menor, porquanto se encontra detido no Estabelecimento Prisional do Funchal.

Ora, F) - o bem jurídico protegido pelo disposto no artigo 158° do C. Penal, é a liberdade física de mudar dum lugar para outro.

Acresce que, G) - quanto à menor nada se apurou de concreto.

  1. - O arguido não prestou declarações sobre os factos que foram acusado.

    É um direito constitucional que lhe assiste e pelo qual não pode ser penalizado. E foi-o, como do douto acórdão recorrido decorre.

  2. - O poder paternal relativo à menor CC foi deferido à mãe BB por douta sentença de 7 de Abril de 2005; K) - A regulação do poder paternal foi requerida pelo M.P. no mês de Fevereiro de 2004.

  3. - Até então, tal poder paternal vinha a ser exercido conjuntamente pelos progenitores M) - O que se verificou até ao dia 14 de Fevereiro de 2004, data em que a BB, contra a vontade do pai da menor, regressou à Madeira, subtraindo assim a menor à custódia do pai.

  4. - A data dos factos imputados ao arguido, pendia entre os progenitores uma situação de desacordo quanto à guarda e custódia da menor CC.

  5. - A conduta do arguido não pode, por tal motivo, ser criminalmente censurada e punida.

  6. - Tanto mais porque a presunção legal decorrente do disposto no artigo 1911° n°2 do Código Civil, foi judicialmente impugnada pelo arguido.

  7. - O que, por si, afasta o dolo - requisito constitutivo do crime de subtracção da menor, imputado ao arguido.

  8. - O arguido foi condenado com fundamentos em factos não constantes da acusação, T) - vício este que gera a nulidade do acórdão proferido nos termos do disposto na alínea b) do artigo 379° do C.P.P.

    De resto, U) - Verifica-se manifesta insuficiência de prova produzida para a decisão da matéria de facto dada como provada.

  9. - Como, igualmente, erro notório na apreciação da prova produzida.

  10. - Fundamentando-se a convicção do Tribunal essencialmente no depoimento da BB, X) - depoimento que no entanto, não foi valorado na sua integralidade.

  11. - O douto acórdão recorrido prefere a aplicação de uma pena em detrimento da pena alternativa de multa - quanto ao crime de subtracção de menor - pena esta que seria suficiente e bastante, atenta as circunstâncias concretas (desavença familiar).

    De resto; Z) - As penas unitárias aplicadas ao arguido são excessivas, não tendo o Tribunal atendido às circunstâncias que depõem a favor do arguido, designadamente, a intensidade do dolo.

    AA) - Ao arguido não poderia, por isso, ser aplicada uma pena unitária global que ultrapassasse os cinco anos de prisão, em caso de procedência da acusação, e consequentemente de verificação dos elementos típicos dos crimes imputados. O que não sucede.

    AB) - Decidindo-se como decidiram, o douto acórdão recorrido viola a lei, designadamente, o disposto no artigo 32° da Constituição da Republica, nos artigos 70º, 71º, 154º, 158º, 249º todos do Código Penal, e nos termos do artigo 1911° do Código Civil e nos artigos 379°, 410°n2 alíneas a) e b) do Código do Processo Penal.

    Termos em que deve o douto acórdão recorrido ser revogado com todas as legais consequências.

    O Ministério Público respondeu à motivação do recurso, dizendo em síntese (transcrição): I - Os factos integradores do crime de coacção, na forma tentada, são, não os apontados pelo arguido na sua motivação, mas sim os factos descritos no acórdão ora recorrido, na "Fundamentação - factos provados da acusação", sob o art.° 22.°.

    II - A ofendida BB apresentou queixa por tais factos, descritos no aludido art.° 22.°, como consta do auto de denúncia de fls. 10, factos esses que igualmente constam da acusação pública, razão porque se não verifica ausência de queixa, sendo que tais factos preenchem todos os elementos constitutivos do referido crime, na forma tentada.

    III - A presunção constante do art.° 1911.°, n.° 2, do C. Civil nunca foi ilidida, nem os autos demonstram que o arguido o tenha requerido, sendo certo que o Tribunal de Família e Menores do Funchal, por sentença de 2005.04.07, regulou o exercício do poder paternal da menor CC, atribuindo, aquele, à mãe, como resulta dos factos provados para além da acusação, art.° 2.°.

    IV - Tendo o arguido privado o menor de se deslocar ou ser deslocada pelas pessoas que têm o dever de cuidar da incapaz, situação que se mantém há já mais de um ano, com desconhecimento da mãe do menor, titular única do poder paternal quer na data da prática dos factos descritos na sentença quer actualmente, do seu paradeiro, afigura-se-nos que a conduta do arguido, que privou de facto o menor da sua liberdade, como consta da matéria de facto considerada provada, preenche o tipo de crime previsto no art.° 158.°, n.° l e 2, al. a) e e), do C. Penal.

    V - A conduta do arguido, que subtraiu o menor em 2004.02.22 e, até hoje, se recusa a entrega-lo, como consta da matéria de facto considerada provada, preenche o tipo de crime previsto no art.° 249.°, n.° l, al. a) e c), do C. Penal.

    VI - Constam da acusação todos os factos que fundamentaram a condenação do arguido, designadamente os constantes do art.°22.º dos "Factos Provados", no qual se transcreve o parágrafo nono, de fls. 1064, da acusação.

    VII - A matéria de facto considerada provada é suficiente para fundamentar a decisão. Coisa diversa é dizer-se, como o faz o arguido, que se verifica manifesta insuficiência de prova produzida para a decisão da matéria de facto dada como provada.

    VIII - Pretendendo impugnar a matéria de facto dada como provada, como parece resultar da sua alegação, deveria o arguido ter dado cumprimento ao disposto no art.° 412.°, n.° 3 e 4, do CPPenal. Não o tendo feito, o recurso abrange apenas matéria de direito.

    IX - O arguido alega a existência de erro notório na apreciação da prova, considerando existir esse erro notório por o Tribunal ter fundamentado a sua convicção fundamentalmente no depoimento da BB e no facto de tal depoimento não ter sido valorado na sua totalidade.

    X - Porém, "Só existe erro notório na apreciação da prova quando do texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, resulta com toda a evidência a conclusão contrária à que chegou o Tribunal ...", Ac. do STJ de 1998.04.15, BMJ 476/82.

    XI - Quer as penas parcelares quer a pena conjunta se mostram adequadas à gravidade dos crimes cometidos pelo arguido e...

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