Acórdão nº 04P3289 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Novembro de 2004

Magistrado ResponsávelHENRIQUES GASPAR
Data da Resolução03 de Novembro de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Na 5ª Vara Criminal - 2ª Secção, da Comarca de Lisboa, perante o respectivo tribunal colectivo, foi o arguido AA, identificado no processo, condenado, como autor de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art° 25° do Dec-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 anos.

  1. Não se conformando com a decisão, a magistrada do Ministério Público interpôs recurso o Supremo Tribunal de Justiça, que fundamentou nos termos da motivação que apresentou e que fez terminar com a formulação das seguintes conclusões: 1ª.- Decorre do art. 25° D.L. 15/93 que o privilegiamento do crime de tráfico de estupefacientes aí previsto resulta de a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade dos produtos estupefacientes.

    1. - No caso presente o arguido transportava uma apreciável quantidade de ;c cocaína 41,651 gramas), considerada droga dura, e uma razoável quantidade de canabis (l 7,787 gramas), e detinha ainda no seu quarto duas embalagens de canabis, com o peso líquido de 7,569 e uma embalagem de canabis com o peso líquido de 5,767 gramas, destinando tais produtos a serem introduzidos no circuito de comercialização de tais substâncias, mediante contrapartida económica, produtos e quantidades estas de estupefacientes que, como é evidente, têm elevada potencialidade para atingir a saúde de muita gente, o que é incompatível com a verificação, no caso concreto, da diminuição da ilicitude em relação à pressuposta pela incriminação do art. 21° n° l do D.L. 15/93 de 22 de Janeiro.

    2. - Os factos provados não integram, pois, o crime de tráfico de estupefacientes privilegiado do art. 25° n° 1 do D.L. 15/93, mas sim o crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelo art. 21° do mesmo diploma legal, o qual é punido com uma moldura penal de quatro a doze anos de prisão.

    3. - Era dentro desta moldura penal que tinha de ser encontrada a pena em concreto aplicável ao arguido, a qual também não podia ser suspensa na sua execução, por a isso se opor desde logo o art. 50° n° l do CP.

    4. - O acórdão recorrido ao enquadrar os factos provados na previsão do art. do D.L. 15/93 de 22 /l e ao condenar o arguido na pena de três anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de cinco anos, violou por erro de interpretação esta disposição legal e ainda os art. 21° do D.L.15/93 e 50° n° l do CP.

    5. - A nosso ver ao arguido deverá ser aplicada a pena de quatro anos e seis meses de prisão, a qual se revela justa e adequada, face a toda a matéria de facto provada, e tendo em conta o elevado grau de ilicitude dos factos por ele cometidos, o dolo directo com que agiu, os motivos que o determinaram, as enormes exigências de reprovação e de prevenção geral e especial, que o crime de tráfico de estupefacientes por ele cometido reclamam, mas também a confissão que fez dos factos, e a sua condição de tetraplégico, fisicamente dependente de terceiras pessoas.

    6. - Deve pois ser dado provimento ao recurso interposto e revogado o acórdão recorrido, substituindo-o por outro que condene o arguido por um crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelo art. 21° do D.L. 15/93 de 22/1 na pena de quatro anos e seis meses de prisão.

    O arguido, respondendo à motivação, considera que deve ser negado provimento ao recurso.

  2. Neste Supremo Tribunal, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta teve intervenção nos termos do artigo 416º do Código de Processo Penal.

    Colhidos os vistos, teve lugar a audiência com a produção de alegações.

    A Exmª magistrada do Ministério Público, aceitou que o recurso merece provimento no que respeita à qualificação dos factos, que integram o crime p. e p. no artigo 21º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, mas considerando as circunstâncias que favorecem o arguido, entende que se justifica a atenuação especial da pena.

    O arguido, pela sua mandatária, reafirmou a posição já manifestada, insistido na bondade da qualificação do acórdão recorrido.

    Cumpre apreciar e decidir.

  3. O tribunal colectivo considerou provados os seguintes factos: 1) No dia 27 de Setembro de 2003, pelas 02h30m, o arguido desembarcou no Aeroporto da Portela, em Lisboa, sendo procedente de S. Salvador da Baía, Brasil, no voo TP 2516.

    2) O arguido foi seleccionado para controlo de bagagem pelos serviços do Aeroporto.

    3) O arguido deslocava-se numa cadeira de rodas, dada a sua condição de tetraplégico.

    4) No decurso de tal diligência, constatou-se que o arguido transportava, na fralda que então usava, uma embalagem contendo cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 341,651 gramas, e, dentro de uma luva cirúrgica, uma embalagem contendo canabis (resina), com o peso líquido de 17,787 gramas.

    5) Mais tarde, no dia 27 de Janeiro de 2004, na busca efectuada à sua residência, sita na Rua dos Lobitos, ... ...., Charneca da Caparica, constatou-se que o arguido detinha no seu quarto um cachimbo com resíduos de canabis, duas embalagens de canabis (resina), com o peso líquido de 7,569 gramas, e uma embalagem de canabis (resina), com o peso líquido de 5,767 gramas..

    6) O arguido conhecia a natureza e as características estupefacientes das substâncias apreendidas, que detinha e destinava ceder a indivíduo não identificado, mediante contrapartida monetária.

    7) O arguido agiu livre e conscientemente determinado, sabendo que a detenção, o transporte e a cedência de cocaína e canabis lhe eram proibidos.

    8) O arguido confessou integralmente os factos respeitantes à actividade delituosa que lhe é imputada.

    9) O arguido está sinceramente arrependido conduta.

    10) O arguido é tetraplégico.

    11) É consumidor de substâncias estupefacientes - ‘cannabis'.

    12) Não exerce actividade profissional devido à incapacidade física de 90% de que padece.

    13) Recebe uma pensão de invalidez no montante de €: 300,00.

    14) Vive com sua mãe e irmão.

    15) Como habilitações literárias tem o 12° ano de...

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