Acórdão nº 148/03.0TBPNC.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Junho de 2011

Data30 Junho 2011
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA e BB intentaram acção declarativa, na forma de processo ordinário, contra CC, DD e esposa, EE, FF e marido, GG, e HH e marido, II, pedindo a condenação dos réus: - a reconhecerem os autores como legítimos e únicos proprietários do prédio urbano que identificam, sito em Penamacor; - a reconhecerem a existência de uma servidão legal de passagem constituída sobre o prédio dos autores, confinante com o dos réus, a favor do último, ou, caso assim não se entenda, em termos subsidiários, que a referida passagem está constituída por usucapião; - a reconhecerem que o prédio dos réus, não fora a existência da dita passagem, estava total ou parcialmente encravado; - a reconhecerem que os autores são titulares de preferência no caso de venda do prédio dos réus; e, - consequentemente, serem os quartos réus substituídos na venda referida no artigo 6.º da PI pelos autores, configurando-se estes como compradores do referido prédio, cancelando-se o registo efectuado na Conservatória do Registo Predial da mencionada compra e venda.

Para tanto, alegaram os AA. – após estabelecer os factos conducentes à aquisição da propriedade sobre o seu prédio, para o que invocaram, quer a usucapião, quer a presunção decorrente do registo – que a primeira, os segundos e os terceiros RR. venderam, em 06/12/2002, aos quartos RR. metade indivisa de um prédio rústico de que eram proprietários.

Ora, devido à irregular topografia do terreno, o prédio dos AA. ficou e está onerado com uma servidão de passagem a favor do prédio transmitido pelos RR., por se encontrar encravado ( situação que , aliás, já levou os ora 4ºs RR. a intentarem procedimento judicial contra os AA).

Mais alegaram os AA. que a dita passagem foi exercida pelos antepossuidores dos 4ºs réus, de forma pacífica e continuada, à vista e com conhecimento de toda a gente, sem violência e oposição de ninguém e na convicção de que exerciam um direito próprio, pelo que sempre teria sido adquirida, por usucapião, tal servidão de passagem a favor do prédio transmitido aos 4.º RR.

Alegaram ainda que tomaram conhecimento da referida compra e venda de metade indivisa do prédio dominante e conteúdo do negócio apenas quando, em 29/04/2003, foram citados para o procedimento judicial acima referido, já que nunca lhes foi comunicada qualquer intenção de venda: assim, porque o prédio dos AA. está onerado com uma servidão legal de passagem a favor do prédio transmitido entre os RR. têm aqueles direito de preferência na venda efectuada; o qual vêm exercer através da presente acção.

Contestaram todos os RR., alegando, em síntese, que não existe direito de preferência quando, como foi o caso, se procede à alienação de uma parte alíquota ou ideal do prédio dominante., já que a razão determinante de tal preferência legal – colocar termo ao encargo excepcional que recai sobre o prédio serviente – não seria , nessa situação, alcançável, uma vez que sempre subsistiria o encargo da servidão relativamente à quota ideal da propriedade, não alienada.

Aliás, com a venda em causa ter-se-ia pretendido a manutenção da propriedade do imóvel na família, tendo havido, concomitantemente, partilha de outros bens, tendo os réus vendedores recebido bens de valor considerável e sentimental; daí que o preço da venda, constante da escritura, tivesse sido um preço simbólico, entre familiares e de conveniência; pelo que, se não fossem estes factos, o valor a atribuir ao negócio estaria compreendido entre os montantes de € 90.000/100.000, para alienação da totalidade do imóvel, pelo que, a ser procedente a pretensão dos AA., teria de ser este o valor a considerar .

Impugnaram ainda o facto do prédio transmitido se encontrar encravado.

E deduziram pedido reconvencional, pedindo, caso a acção seja julgada procedente, a condenação dos autores a: - depositarem a favor dos réus as quantias em falta do depósito obrigatório, designadamente, o preço da alienação e aquisição do imóvel de € 45.000,00; - pagarem aos réus adquirentes uma indemnização, a título de benfeitorias, de montante não inferior a € 8.500,00.

Os AA replicaram, defendendo existir preferência na alienação de uma parte aliquota ou ideal; salientando ainda que o encravamento do prédio transmitido foi invocado pelos 4.º RR., numa acção que estes intentaram contra os AA., com vista, precisamente, ao reconhecimento de uma servidão de passagem a favor do seu prédio e sobre o imóvel dos AA.; e impugnando também os factos respeitantes ao pedido reconvencional , pedindo a sua total improcedência.

Foi proferido despacho saneador, em que se julgou improcedente a excepção de caducidade da acção, por intempestividade do depósito do preço, e se indeferiu o pedido de intervenção principal dos comproprietários; tendo a instância sido julgada completamente regular, organizando-se a base instrutória da causa.

.

Entretanto, vieram JJ e KK – na qualidade de comproprietários do prédio transmitido – deduzir incidente de oposição espontânea; o qual não foi admitido, por se julgar caducado o direito de preferência invocado por tais opoentes, sendo tal decisão confirmada, em agravo apreciado separadamente na Relação.

Finda a audiência, foi proferida sentença em que se julgou parcialmente procedente e provada a acção, condenando, em consequência, os réus a: - reconhecer os autores como legítimos e únicos proprietários do prédio urbano em causa; - reconhecer a existência de uma servidão legal de passagem constituída sobre o prédio dos autores, confinante com o dos réus, a favor do último, ou, em termos subsidiários que a referida passagem está constituída por usucapião; - reconhecer que o prédio dos réus, não fora a existência da dita passagem, estava total ou parcialmente encravado; mas - absolvendo os réus do demais peticionado – nomeadamente quanto ao pedido de exercício da preferência, por se considerar que o direito outorgado pelo art. 1555º do CC não abrange a alienação de uma parte alíquota do direito de propriedade sobre o prédio dominante, afirmando a sentença proferida: Assim, cumpre concluir que tal fim da norma, obviamente para além daquele fim de fazer cessar os ónus e regularizar a propriedade, só se alcança com a preferência exercida na venda e todo o prédio e não de parte dele. Neste último caso manter-se-ia a dita situação de potencial conflitualidade já que os comproprietários do prédio dominante manteriam o direito de passar pelo prédio serviente, acrescendo, no caso concreto, (a admitir-se a dita preferência de quota ideal) a criação de uma nova situação de potencial conflitualidade traduzia na constituição de uma compropriedade indesejada entre os autores e os restantes donos do prédio dominante( sendo certo que a lei encara com desfavor as situações de comunhão, tal como resulta do disposto nos arts. 1409º e 1412º do CC).

Inconformados com tal decisão, interpuseram os AA. recurso de apelação, cujo objecto se mostrava circunscrito à questão de saber se o dono do prédio serviente – onerado com uma servidão legal de passagem a favor de prédio encravado – tem direito de preferência na venda feita por um comproprietário do prédio dominante.

E a Relação, no acórdão recorrido, julgou procedente o recurso e, em consequência, revogou a sentença recorrida, na parte impugnada, declarando que os AA/apelantes gozam também do direito de preferência na compra e venda constante do ponto 7 dos factos provados, razão pela qual se substituem os AA/apelantes, como compradores, aos aqui 4.º RR., ali compradores.

Para tal – e divergindo da interpretação normativa do art. 1555º, feita na 1ª instância - considerou que quando o art. 1555.º, n.º 1, do C. Civil alude à venda do prédio dominante, o que o legislador rigorosamente quer referir é a venda da propriedade de tal prédio. E “a compra e venda da propriedade da coisa, ou seja, a alienação do direito de propriedade da coisa mediante um preço tanto abrange o direito de propriedade na sua totalidade (a titularidade única e exclusiva sobre a coisa) como qualquer das fracções ideais em que o direito de domínio se pode decompor”.

É a própria lei civil – 1403.º – que o confirma ao considerar a compropriedade como uma variante do direito de propriedade.

Aliás, ponderada a exacta natureza jurídica da compropriedade – considera-se que quando o comproprietário transmite o seu direito, não é exacto que se possa dizer que a questão está em saber se também há direito de preferência na venda de parte “alíquota” do prédio dominante, uma vez que, em tal hipótese, quanto o comproprietário transmite o seu direito, é ainda todo o prédio dominante – e não apenas uma parte – que é transmitido, porém, com a ressalva de existirem outros direitos de propriedade (tantos quantos os comproprietários) sobre o mesmo prédio, direitos estes que, não sendo transmitidos, se mantêm a limitar o direito transmitido.

Considerou ainda a Relação que, pela circunstância de os RR/apelados, ainda que a título meramente subsidiário, não terem solicitado a apreciação de qualquer outra questão, nem arguido a nulidade por omissão de pronúncia da sentença, - por esta ter omitido, de todo, qualquer pronúncia sobre o pedido reconvencional deduzido – tal matéria teria de considerar-se excluída do objecto da apelação ; porém, a título lateral ou subsidiário, não deixou de notar-se que tal pretensão, a ter sido apreciada quanto ao mérito, sempre teria de ser julgada improcedente.

  1. Inconformados com este sentido decisório, interpuseram os RR. HH , II, GG, FF, DD e EE a presente revista, que encerram com as seguintes conclusões que, como é sabido, lhe delimitam o objecto: A. No presente recurso suscita-se a apreciação de três questões jurídicas centrais e que são: I . A questão do exercício do direito de preferência em caso de alienação de aliquota de um imóvel rústico! II. A questão do reconhecimento do direito de preferência atribuído ao proprietário do prédio onerado com servidão legai de passagem, (no caso quando esse seu exercício da...

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