Acórdão nº 6450/05.9TBSXL.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Junho de 2011

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução30 de Junho de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. A Associação dos Bombeiros Voluntários do ........intentou contra AA e mulher, CC, DD e EE acção pauliana , impugnando a eficácia do negócio de venda de determinada fracção predial, sita no Seixal. que identificam, que os primeiros RR fizeram aos segundos, por escritura de 29DEZ2004, alegando que tal negócio jurídico teria como objectivo diminuir as garantias de satisfação do crédito da A., emergente de irregularidades financeiras que o 1º R. teria cometido no exercício de funções de tesoureiro daquela pessoa colectiva.

Os RR contestaram por impugnação, sustentando, nomeadamente, que o crédito invocado pela A. já se encontrava adequadamente garantido, através das diligências realizadas, em sede de penhora, na acção executiva instaurada contra eles.

A final veio a ser proferida sentença que, por considerar indemonstrados os pressupostos da impugnação pauliana - agravamento da impossibilidade de satisfação do crédito e a má-fé dos adquirentes - julgou improcedente a acção.

Inconformada, apelou a A. , impugnando, desde logo, a decisão proferida quanto à matéria de facto.

Apreciando tal impugnação, a Relação alterou, em pontos fundamentais, o decidido na 1ª instância quanto aos factos provados e não provados, entendendo, nomeadamente que se não mostrava «racionalmente fundada» a decisão quanto à matéria do «quesito» 1º, tida por não provada, e contraditória a matéria que constava dos pontos 19 e 24, eliminando, em consequência o facto que a 1ª instância ali tinha dado como assente, afirmando: Perguntava-se no quesito 1 se “ao outorgarem a escritura referida em M) os RR pretendiam dissipar os seu património e impedir o pagamento à A. da quantia em dívida”, tendo tal quesito recebido resposta negativa. Para fundamentar tal resposta invocou-se terem os RR negado aquela intencionalidade e ser plausível que no momento da realização do negócio estivessem até convencidos, como argumentaram, de que o pagamento da dívida estivesse assegurado com a penhora que havia sido efectuada sobre os bens do Seixal Futebol Clube.

Contra tal resposta se insurge a recorrente invocando que a intencionalidade referida no clube se retira dos demais factos provados, designadamente, a falta de pagamento do preço, ter ocorrido logo após a citação para a execução, o terem continuado a residir na casa.

Com vista à liquidação total da sua dívida para com a A. os RR instauraram execução contra o Seixal Futebol Clube e à ordem da mesma foi depositada quantia que mais do que permitia tal liquidação; e em função desse facto, alegam os RR, estavam convencidos de que a dívida estava paga, não sendo sua intenção impedir a satisfação do crédito da Autora.

E foi nesse circunstancialismo que se fundou a convicção do Mmº juiz a quo.

Não se nos afigura, porém, que essa convicção seja racionalmente fundada.

O alegado convencimento dos RR é posto em crise perante a citação efectuada para a execução e o apressado registo da venda.

Com efeito, de acordo com padrões de experiência comum de vida, quem está convencido de que angariou meios de liquidar uma dívida e se vê confrontada com a citação para execução onde se pretende obter a cobrança da dívida é, no mínimo, ir esclarecer a situação. E muito menos ir apressadamente inscrever no registo – a citação é de 19OUT e o registo provisório é de 2NOV – a venda de imóvel ao irmão.

E se a estas circunstâncias juntarmos o facto de nenhum dinheiro terem recebido dos compradores e de continuarem a residir na casa como dantes faziam afigura-se-nos ser inquestionável, à luz da experiência comum de vida, uma intencionalidade de salvaguardar o local de residência, ainda que sem a intencionalidade de impedir a cobrança da dívida.

Entende-se, pelo exposto, ser de alterar a resposta ao quesito 1 para “provado apenas que ao outorgarem a escritura referida em M) os RR pretendiam salvaguardar o imóvel de poder vir a ser penhorado para pagamento do crédito da Autora”.

Para além desta, outras alterações se impõem à matéria de facto.

Desde logo as decorrentes do constante das certidões de nascimento entretanto juntas aos autos (fls 196 e 252).

Mas também o constante da al. S) dos factos assente (“a venda do imóvel supra descrito foi efectuada como forma de arranjar financiamento para os 1ºs RR fazerem face à dívida para coma A.”) por, para além da manifesta contradição com a resposta dada ao quesito 2, não se encontrar confessado o facto uma vez que à alegação, constante nos artigos 13º e 8º das contestações, de que a venda “foi efectuada como forma de arranjar financiamento para os 1 .°s RR. fazerem face à dívida para com a A.” esta opôs, no artº 11 da sua réplica que “tal ajuda não consistiu, ao contrário do alegado, numa forma dos 1ºs RR se financiarem para pagarem à A”.

E, em consequência de tais modificações, fixou a Relação o seguinte quadro factual ( em que se assinalam a negrito as alterações introduzidas pela Relação aos factos tidos por provados na 1ª instância: 1. A Autora é uma instituição pública, na qual o 1º R. foi funcionário, exercendo funções de responsável de tesouraria, no período compreendido entre Fevereiro de 1981 e Outubro de 2003 – alínea A) da matéria de facto assente; 2. O 1º R. foi demitido na sequência de uma auditoria interna, na qual se descobriu que aquele se havia apropriado da quantia de € 215.916,62, pertença da A. – alínea B) da matéria de facto assente; 3. Por escrito particular de 13/10/2003 celebrado entre a A. e os 1.°s RR., denominado "declaração de reconhecimento de dívida e acordo de pagamento", obrigaram-se os 1.°s RR. a pagar A. a quantia de € 216.856,78 em quatro prestações - alínea C) da matéria de facto assente; 4. O facto de o 1º R. se ter apropriado de tal quantia foi objecto de amplo falatório por todo o ........e de várias notícias nos meios de comunicação social locais e regionais – alínea D) da matéria de facto assente; 5. Foi pública a realização de uma auditoria interna à A. e a denúncia criminal contra o 1.°R. - alínea E) da matéria de facto assente; 6. Os 1.°s RR. apenas entregaram à A. a quantia de € 154.888,59 - alínea F) da matéria de facto assente; 7. Para cobrança judicial da quantia em falta, no valor de € 61.968,19, e juros de mora, a A. deu entrada em 29/07/2004 da acção executiva que corre termos no 1º Juízo de Competência Especializada Cível do Seixal sob o n.° 4563/04.3TIXSXL – alínea G) da matéria de facto assente; 8. Os 1 .°s RR. apenas foram citados nessa execução em 19.10.2004 - alínea H)) da matéria de facto assente; 9. Mostra-se descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.° 0000000000 a fracção autónoma designada pela letra "M", correspondente ao segundo andar esquerdo, do prédio urbano sita na Av. ...................., n.° .........., F............., Paio ...., Seixal - alínea I) da matéria de facto assente; 10. Pela inscrição G-1 de 17/08/84 encontrava-se inscrita aquisição a favor dos 1 .°s RR. sobre o referido imóvel - alínea J) da matéria de facto assente.

11. Pela inscrição G-2 de 02/11/2004 foi inscrita aquisição provisória a favor dos 2.°s RR. sobre o referido imóvel, por compra aos 1 .°s RR. - alínea K) da matéria de facto assente; 12. Tal inscrição foi convertida em definitiva em 17/02/2005 – alínea L) da matéria de facto assente; 13. Por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca lavrada em 29/12/2004, no Cartório Notarial do Seixal, os 1.°s RR. declararam vender em comum aos 2.°s RR., que, para sua habitação própria permanente, aceitaram a venda, a fracção autónoma supra identificada pelo preço já recebido de € 92.800 – alínea M) da matéria de facto assente; 14. No mesmo acto, os 2.°s RR. confessaram-se devedores ao Banco Comercial Português, S.A., da quantia de € 80.000, constituindo a favor do Banco hipoteca voluntária sobre o imóvel supra identificado - alínea N) da matéria de facto assente; 15. Os 2.°s RR.

viviam em comunhão de cama, mesa e habitação, em condições análogas às dos cônjuges, como tal sendo reputados, tendo-se casado em 9SET2005 e divorciado em 20NOV2008 - alínea O) da matéria de facto assente e certidão de fls...

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