Acórdão nº 07053/10 de Tribunal Central Administrativo Sul, 30 de Junho de 2011

Magistrado ResponsávelCOELHO DA CUNHA
Data da Resolução30 de Junho de 2011
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, no 2- Juízo do TCA -Sul 1- Relatório B……… ……………….., INC, sociedade constituída de acordo com as leis dos Estados Unidos, com sede em 90 EAST RIDGE, P.O. BOX 368, RIDGEFIELD, CONNECTICUT, 06877, USA, (doravante Boehringer, requerente ou recorrente) requereu no TAC de Lisboa uma providência cautelar de suspensão de eficácia, contra a INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, indicando ainda como contra interessada a T………, na qual pede que seja “ declarada a suspensão de eficácia dos actos de atribuição dos números de registos nacionais pelo Infarmed à Contra-Interessada, incluindo a menção de tal suspensão no respectivo website, relativamente ao produto Nevirapina Teva 200mg Comprimido, sob a designação indicada ou quaisquer que venham a ser as designações deste medicamento no futuro”.

E, ainda requer que o INFARMED seja intimado, durante o período de vigência da PT 95919 (que termina a 22.11.2012) e do CCP 12 (em vigor até 09.01.2015) a abster-se de aprovar os preços de venda do medicamento em causa, sem condicionar tal fixação a apenas entrar em vigor na data em que a PTF 95919 e o CCP 12 caducarem.

Por sentença de 08.10.2010, foi o pedido julgado improcedente.

Inconformado vem a B……….. ……………, INC, interpor recurso jurisdicional para este TCA-Sul enunciando na sua alegação as seguintes conclusões: 1. O facto alegado pela Recorrente no requerimento inicial que o Nevirapina contido nos medicamentos Nevirapina Teva é preparado pelo processo reivindicado na Patente PT 95919 não foi impugnado pelo Infarmed ou pela Contra Interessada.

  1. Nesses termos deverá ser considerado como facto assente nos termos do artigo 490.° n.°2 do Código do Processo Civil, o seguinte facto: "A Nevirapina usada no genérico Nevirapina Teva é produzida pelo processo patenteado na PT 95919. " 3. E para o caso, inverosímil, deste Tribunal não considerar como provado deve ser considerado como facto a provar o seguinte: "À data do pedido de patente PT………. (16.11.1990) e da prioridade reivindicada nessa patente, o Nevirapina nunca tinha sido sintetizado ou divulgado, nem tinha sido divulgada a aplicação do processo que é mencionado na patente para obter esse produto." 4. Na verdade, sendo esse facto provado, estabelece-se que o objecto da Patente é um processo de fabrico de um produto novo - Nevirapina - e nos termos do artigo 10.° do CPI 40 e artigo 98.° do CPI em vigor, terá como consequência a inversão do ónus da prova para o Requerido e Contra Interessada que o processo utilizado no seu produto não viola a Patente e o CCP.

  2. Nos termos do artigo 128.° do CPTA, independentemente da existência, ou não, de actos de execução cuja declaração de ineficácia possa ser requerida, pode o Tribunal escrutinar os fundamentos da Resolução em causa.

  3. Para que a Resolução fosse procedentemente fundamentada, impunha-se, assim, que, em concreto, ela identificasse os danos decorrentes da não execução dos actos em causa nesta acção durante o tempo provável de duração da providência, procedesse a uma criteriosa avaliação da sua importância e gravidade e, finalmente, os comparasse com aqueles que essa execução iria provocar, tendo em conta os direitos e interesses legítimos de terceiros, no quadro dos princípios da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos e da proporcionalidade, estabelecidos nos art°s 4° e 5° do Código do Procedimento Administrativo.

  4. Resta pois concluir que a decisão recorrida viola o artigo 128.° do CPTA, porquanto o aplicou erradamente aos presentes autos. E assim se concluindo, revogar-se-á a decisão recorrida e deverá ser emitida decisão julgando improcedentes as razões em que a Resolução Fundamentada se fundamenta.

  5. O acto de atribuição do número de registo trata-se, na verdade, e de acordo com o disposto no artigo 54º n°2 do Estatuto do Medicamento, conjugado com o n°4°.1 da Deliberação n°147/CD/2008 do Infarmed, ambas citadas pela Recorrente no seu requerimento inicial e pela douta sentença em recurso, de um acto pelo qual o Infarmed concede a um titular de uma AIM a permissão para que o mesmo comercialize em Portugal o medicamento objecto dessa AIM.

  6. Ocorre a possibilidade de as autoridades dos estados-membros proibirem a comercialização, nos seus territórios, de medicamentos objecto de AIMs concedidas pela Comissão Europeia constitui um dos elementos do pano de fundo do Regulamento (CE) 726/2004, o qual prevê no seu considerando 13) que "os Estados-Membros devem, excepcionalmente, poder proibir a utilização no seu território de medicamentos para uso humano que violem conceitos objectivamente definidos de ordem pública ou moral pública".

  7. Neste quadro, impunha-se ao Infarmed que, no caso destes autos, sobrestasse na atribuição do registo, porque lhe estava vedado por um princípio de ordem pública nacional e comunitário claramente estabelecido viabilizar a violação dos direitos de propriedade industrial da Requerente.

  8. Nestes termos, o pedido formulado na acção principal é manifestamente fundamentado, encontrando-se, pois, preenchido o requisito do fumus boni juris.

  9. E o fumus boni iuris só não foi considerado pelo Tribunal a quo, uma vez que este fez erradas assumpções e não identificou correctamente a questão em causa nos presentes autos.

  10. O acto de atribuição do número de registo nacional deve consequentemente ser declarado nulo ou anulável nos termos dos art.º135º e 133º nº2 alínea c) e d) do Código de Procedimento Administrativo, e o Infarmed intimado a não aprovar os preços máximos, uma vez que levantam barreiras administrativas à exploração pela Contra Interessada de um produto protegido pela Patente e pelo CCP, tendo como consequência a violação das normas constitucionais (artigos 62º e 266º) de protecção de direitos fundamentais, aqui violados, e o seu objectivo será permitir uma conduta criminal por terceiros.

  11. A Patente confere ao seu titular o direito exclusivo de explorar a invenção em qualquer parte do território português, que se traduz na proibição legal de qualquer terceiro, sem o consentimento do seu titular, explorar o invento patenteado, por qualquer das formas definidas no artigo 101º n°2° do CPI, durante o seu período de vigência (artigo 101ºe 32° n°4).

  12. O direito de exclusivo emergente da titularidade de uma patente e do CCP goza "das garantias estabelecidas para a propriedade em geral", nos expressos termos do artº316º do Código da Propriedade Industrial.

  13. E sendo um direito de propriedade privada é-lhe atribuída específica protecção constitucional, como direito fundamental com a natureza de "direitos, liberdades e garantias", beneficiando, assim, do regime constitucional que a estes é aplicável, conforme resulta do artigo 17ºda Constituição.

  14. E a natureza de direito fundamental, análogo aos direitos, liberdades e garantias isto tem sido pacificamente aceite pela doutrina (Professor Gomes Canotilho, Estudos sobre Direitos Fundamentais, Coimbra Editora, page 223, Vieira de Andrade in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 138 n.° 3953, Novembro-Dezembro 2008, pp. 70-96, Jorge Miranda and Rui Medeiros, in Constituição Portuguesa Anotada, Vol. I, page 14, Pires de Lima and Antunes Varela in Código Civil Anotado, vol. III. 187 pages 86 et seq., Luís Couto Gonçalves in Manual de Direito Industrial, 2005, pages 41 and 42) e sistematicamente confirmado pela jurisprudência (Jurisprudência do Tribunal Administrativo Central do Sul - Processos n.°3886/08, 3887/08, 4219/08, 4265/08 e 56/09).

  15. O principal objectivo da providência cautelar é assegurar o efeito útil da decisão na acção principal, nos termos do disposto no n.°1 do artigo 120° do CPTA, O risco primordial a ser evitado no quadro das providências cautelares é, exactamente, o do facto consumado, isto é o da decisão na acção principal se tornar absolutamente inútil.

  16. Apenas se esse risco não existir os danos de difícil reparação deverão ser considerados.

  17. Com a prolação do acto suspendendo e do acto que se pretende evitar é evidente a iminente comercialização do Genérico Nevirapina Teva que resulta numa situação de facto consumado e retirará toda a utilidade à acção principal tornado imperativa e urgente a concessão das medidas cautelares aqui requeridas adequadas a assegurar o efeito útil da decisão na acção principal.

  18. Mesmo que se não considerasse tal situação como a de facto consumado, a verdade é que a não concessão desta providência iria implicar a produção de prejuízos de difícil ou mesmo impossível reparação para os interesses que a Recorrente visa assegurar na acção principal.

  19. A comercialização do Nevirapina Teva causará à Recorrente a privação, contra a sua vontade, do gozo do direito ao exclusivo de exploração da invenção que a Patente lhe confere, que constitui o cerne do direito de propriedade industrial ao qual tem direito, uma situação que é, em todos os aspectos, equivalente à privação, com violência, da posse de um bem pertencente à Recorrente.

  20. É uma ofensa ao direito de propriedade industrial da ora Recorrente causadora de um dano imaterial, que consiste numa remoção temporária de um bem que faz parte dos direitos e obrigações da Recorrente, que não poderá ser reparado ainda que uma compensação financeira seja posteriormente atribuída pelo Tribunal.

  21. A compensação duma tal privação seria insusceptível de reintegrar a Recorrente no gozo do seu direito ao monopólio legal da comercialização do invento, pelo que os danos resultantes da concessão da providência serão inferiores ao que resultam da sua rejeição.

  22. A providência requerida deve ser decretada porque se verificam todos os pressupostos legais para o seu decretamento.

  23. A douta decisão recorrida violou e fez má interpretação de diversos normativos legais, entre eles se contando os artigos 98º do CPI, 490º nº2, 511º, e 664º do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do artº1º do CPTA, e bem assim os artigos 37º nº2 c), 112º, 120 nº1 b) e c) e 128º do...

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