Acórdão nº 383/04.3TTGMR.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Junho de 2011

Data30 Junho 2011
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A SOLUCIONAR.

No Tribunal do Trabalho de Guimarães, AA, nascido a 17/08/56, natural da Hungria, portador do passaporte n° … de …, residente em …, n.° … - … …, Hungria, com o patrocínio oficioso do Ministério Público, intentou acção especial emergente de acidente de trabalho, contra Companhia de Seguros BB, S.A. com sede no Largo …, …, … Lisboa, e CC, ..., com sede na Av. ..., Lisboa (...), pedindo que seja a R. entidade seguradora condenada a pagar ao A., com início em 26/01/04, uma pensão anual e vitalícia de € 76.776; b) despesas de transportes, de valor a indicar oportunamente; c) com juros de mora, à taxa legal, sobre as prestações pedidas.

Pedindo ainda a condenação da 2.ª R. a pagar ao Autor a pensão, despesas de transporte e juros constantes do pedido principal, se a R. seguradora vier a ser eximida do pagamento daquele pedido.

Alegou, para tanto, que: É pai do sinistrado dos presentes autos, AA, nascido em …, Hungria, …, o qual, no dia 25/01/2004, pelas 21 horas, no estádio D. Afonso Henriques, em Guimarães, foi vítima de acidente de trabalho, quando se encontrava a jogar uma partida de futebol, que opunha o … ao …, na execução de contrato de trabalho desportivo celebrado com a 2.ª ré; O sinistrado auferia a remuneração global anual de € 765.156, ou seja, € 63.763 x 12 (meses); O autor carecia do auxílio do sinistrado, que quase todos os meses transferia para a Hungria quantias pecuniárias destinadas ao sustento do autor e da sua família; Com a morte do filho, o autor perdeu o auxílio de que dependia para o seu sustento; A 2.ª ré havia transferido a sua responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho para a co-ré mediante contrato de seguro, devidamente titulado.

Na contestação, a ré seguradora alegou que: A morte do atleta resultou dos factos naturais descritos no relatório da autópsia efectuada a AA, donde consta que "a vítima sofreu uma arritmia do tipo da fibrilação ventricular, pós a alteração fisiopatológica que o vitimou; Quanto à origem da fibrilação ventricular o mais provável é que a mesma tenha sido consequência de uma Cardiomiopatia Hipertrófica tendo em conta as razões nele descritas; Deste modo, tendo a morte do atleta ocorrido por causa natural, sem a ocorrência de causa externa, não pode integrar o conceito de acidente de trabalho.

A ré requereu ainda a intervenção da mãe do sinistrado para vir aos autos deduzir o pedido de reparação que entenda ser-lhe devida.

A ré, CC, na sua contestação alegou acompanhar, quer quanto aos factos quer quanto ao direito, a posição da Seguradora, para quem transferiu a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho, nada lhe podendo por isso ser exigido.

Foi admitida a requerida intervenção da mãe do falecido, DD, que também usa e assina DD (nome de solteira DD), casada com AA, de nacionalidade húngara, residente em …, …, …, n.° …, na República da Hungria, que deduziu pedidos idênticos aos do autor e com semelhante fundamentação.

Após a realização da audiência de julgamento foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: "Pelo exposto, tudo ponderado, julgo a presente acção emergente de acidente de trabalho, com processo especial, intentada por AA, patrocinado pelo Ministério Público, e DD, (que também usa e assina DD - nome de solteira DD), parcialmente procedente por provada e, em consequência, tendo em atenção o disposto no artigo 1°, 2°, 6°, 10, 15°, 20° alínea d) e n. °2 e 26° da Lei n.° 100/97, de 13 de Setembro e 6°, 7°, 15°, 49° e 51° do Decreto - Lei n.° 143/99 de 30 de Abril, e bem assim a Lei 8/2003 de 12 de Maio, condeno a "C.ª DE SEGUROS BB, S. A.", a pagar:

  1. Ao Autor: a pensão anual e vitalícia no montante de € 38.388, devida a partir de 26.01.04, sujeita às respectivas actualizações legais.

  2. À Autora: a pensão anual e vitalícia no montante de € 38.388, devida a partir de 26.01.04, sujeita às respectivas actualizações legais.

  3. E juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento sobre as prestações em atraso nos termos do disposto no artigo 135° do Código de Processo do Trabalho.

  4. Mais julgo improcedente por não provada a acção quanto ao demais pedido pelos AA. absolvendo-se, nessa medida, a Seguradora e bem assim o R. "CC ... " do peticionado.

    A ré seguradora interpôs recurso e, tendo os autos prosseguido seus termos. veio a ser proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no qual se decidiu, por unanimidade, em julgar improcedente o recurso interposto.

    Mais uma vez inconformada, a Ré seguradora interpôs recurso de Revista para este STJ, apresentando doutas alegações, com as seguintes CONCLUSÕES: A - Nas Conclusões do Relatório de Autópsia consta que "...é de admitir que a morte de AA tenha sido devida a arritmia cardíaca (fibrilação ventricular) provavelmente em consequência de cardiomiopatia hipertrófica. Esta é causa de morte natural. Portanto, morte de origem natural e não por acidente.

    B - E, de acordo com a prova produzida, a morte foi devida a arritmia cardíaca, a qual, por sua vez, foi consequência de miocardiopatia hipertrófica, que é uma doença cardíaca genética.

    C - O acórdão recorrido não identifica um único facto ou circunstância, relativos ao trabalho desenvolvido pelo atleta no dia da sua morte, que fosse diferente, anormal ou imprevisto por comparação com as circunstâncias em que exerceu a sua actividade ao longo do seu percurso profissional de vários anos.

    D - Aliás, ao efectuar esforço físico no âmbito da sua actividade profissional, AA estava a agir dentro da normalidade e da previsibilidade do seu trabalho.

    E - Um doente cardíaco que exerce uma profissão incompatível com a doença de que é portador, por ser susceptível de lhe provocar a morte, se morrer durante o trabalho em consequência da doença, essa morte não pode constituir um acidente de trabalho, porque é previsível.

    F - A imprevisão que caracteriza um acidente está ligada às características do contrato de seguro, uma vez que o contrato de seguro é aleatório para a seguradora, porque a indemnização depende de um facto futuro e incerto.

    G - A doença - a miocardiopatia hipertrófica - que provocou a arritmia cardíaca, era preexistente à arritmia, não podendo, no rigor dos princípios, a morte de AA ser considerada um acidente de trabalho.

    H - Com efeito, não houve nenhum acontecimento súbito e exterior à vítima que tenha sido causa do seu estado patológico e da sua morte.

    I - Não tendo ocorrido qualquer acontecimento repentino, inesperado e externo à pessoa do atleta, com ligações ao trabalho, que tenha gerado a arritmia cardíaca, não se pode afirmar que houve um acidente de trabalho.

    J - No acórdão afirma-se que a arritmia cardíaca terá sido a causa da morte, em consequência de uma causa endógena do próprio, que sofria de cardiomiopatia hipertrófica, e que a lesão (arritmia cardíaca) que causou a morte despoletou-se por causa do esforço físico que desempenhado na altura, no âmbito da sua actividade profissional.

    L - Mas o que resultou provado foi, apenas, que o desenvolvimento da actividade foi precipitante da morte e que o exercício físico inerente à actividade do sinistrado que estava a ser desenvolvido aquando do ocorrido potenciou a arritmia cardíaca.

    M - Ser precipitante ou potenciar não significa, necessariamente, que, no caso concreto, causou a morte.

    N - A miocardiopatia hipertrófica de que o atleta sofria é que foi determinante da arritmia e da morte, uma vez que foi nesse quadro de doença e por causa dele que se verificou a arritmia e a morte.

    O - Não foi o trabalho que provocou a arritmia e a morte pois, se assim fosse, todos os intervenientes do jogo teriam sofrido arritmias, visto que o trabalho e as condições climatéricas eram iguais para todos.

    P - O acórdão recorrido considerou o esforço físico como "causa exógena", mas se esta "causa exógena" não provocou lesões nos outros intervenientes é porque não foi idónea para causar danos, ou seja, não foi causa.

    Q - Considerou que "potenciar" e "precipitar" é igual a "causar", sem apresentar qualquer fundamentação.

    R - Não fundamenta como é que "causar" derivado de "potenciar" e de "precipitar" se compatibiliza com o facto de a arritmia ter sido consequência da miocardiopatia hipertrófica.

    S - Se potenciar e precipitar fosse igual a causar, não fundamenta por que motivo a contínua actividade profissional do atleta não lhe causou arritmias e a morte ao longo dos anos em que jogou por vários clubes ao mais alto nível, e só as causou quando participava num jogo, apenas, há cerca de 30 minutos.

    T - Ainda que "precipitar" e "potenciar" fosse igual a "causar", não concretiza o acontecimento exterior que atingiu o atleta. Apenas refere que a arritmia despoletou-se por causa do esforço físico, o que é...

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