Acórdão nº 0109/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Junho de 2011

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução09 de Junho de 2011
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

B… e marido C… deduziram, no TAC do Porto, a presente acção contra: O Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia O Hospital de S. João D… E… F… G… e H… pedindo que fossem condenados, solidariamente, a pagar à Autora a quantia global de 46.245.093$00, de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, e ao Autor a quantia de 2.000.000$00, a título de ressarcimento de danos morais, acrescidas de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, alegando que os mesmos agiram ilícita e culposamente no âmbito da gestão pública em que estavam investidos.

Todos os Réus contestaram não só para impugnar a factualidade articulada pelos Autores e para invocar a prescrição do direito de indemnização que estes reclamam mas também, no que toca aos 3°, 4°, 5° e 6° Réus, para excepcionaram a respectiva ilegitimidade.

Todos RR foram julgados partes legítimas e o conhecimento da prescrição foi relegado para final.

No decurso da acção a Autora faleceu tendo-se procedido à habilitação dos seus herdeiros.

Por sentença de fls. 1110 e seg.s foi entendido que a invocada prescrição não ocorria e, no tocante ao mérito, a acção foi julgada parcialmente procedente o que determinou a condenação dos dois primeiros RR no pagamento de parte da requerida indemnização e a absolvição dos restantes RR do pedido.

Inconformados, tanto o Centro Hospitalar de V.N. Gaia, como o Hospital de S. João e os Autores recorreram para este Tribunal.

O Centro Hospitalar de Gaia rematou as suas alegações do seguinte modo: 1. O pretenso direito dos Autores invocado na presente acção encontra-se prescrito porquanto não foram apuradas, em sede de julgamento, quaisquer condutas criminosas, mesmo que negligentes dos R.R. que potenciassem quaisquer danos corporais na pessoa da A. B….

2. Ao contrário do referido pela douta sentença recorrida, não podemos ater-nos, nesta parte, às condutas que são atribuídas aos R.R. na petição inicial, mas tão só à matéria dada com provada em julgamento, como expressamente decidiu, com trânsito, a este propósito o acórdão do STJ, a fls.

3. E a matéria dada como provada em julgamento e que seria, no entender da douta sentença recorrida, passível de condutas criminosas seria, relativamente aos 3° e 4° R.R., designadamente, o não terem feito, atempadamente, exames complementares e respectivo internamento à A. B….

4. Tal facto, por si, não pode ser classificado como conduta criminosa, maxime, ofensa à integridade física da A. já que da não realização de tais exames - aliás desnecessários por 3 dias antes se ter feito uma ecografia com dopller - não resultou, nem poderia resultar qualquer dano no corpo daquela autora.

5. É que os danos que aquela A. veio a sofrer resultaram directamente da paragem cardíaca que sofreu numa operação realizada no HSJ e que nada tem a ver com as condutas dos 1°, 3° e 4° R.R.

6. Acresce que, tendo as condutas daqueles R.R. sido atentatórias das legis artis e praticadas com negligência, como refere expressamente a douta sentença recorrida, tais condutas nunca poderiam ser consideradas crime, nos termos do art.° 150° n.° 2 do Código Penal, já que tais condutas só seriam puníveis se praticadas com dolo - Vd. despacho de arquivamento da queixa crime, junta aos autos.

7. De todo o modo, e quanto ao 1° R., ora Recorrente, tais crimes de ofensas corporais estariam sempre prescritos porque os factos referem-se, quanto a este R., até 18/06/1991 e o 1° R. foi citado para esta acção em 20/06/1996, decorridos mais de 5 anos sobre os factos, pelo que, mesmo nos termos do art.° 498.°, n.° 3, do Código Civil, está prescrito o direito dos AA, sendo que, na altura dos factos, o Código Penal nem sequer punia pessoas colectivas como é o 1° R.

Sem prescindir, 8. A douta sentença recorrida aplicou critérios errados quanto à apreciação da culpa e da culpa de serviço, porquanto se não ateve aos critérios do DL n.° 48.051, de 21/11/67, - único normativo aplicável aos factos deste processo - mas antes aplicou os critérios da Lei n.° 67/2007.

9. Assim, quanto à culpa em vez de se ater ao critério de um bom pai de família do art.° 487° do Código Civil, por remissão do art.° 4° do DL n.° 48.051, aplicou os critérios de um funcionário zeloso e cumpridor do art.° 10.°, n.° 1, da Lei n.º 67/2007, de 31/12, que não tem qualquer aplicação aos factos destes autos - Vd. CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, pag. 161.

10.

A douta sentença recorrida aplicou o conceito de culpa de serviço com base no qual condenou os 1° e 2° R.R. - fls. 1162, pg. 53 da sentença - quando tal conceito nem sequer existe no contexto do DL 48.051 e apenas aparece, “ex novo” no art° 7° n° 3 da Lei n° 67/2007, pelo que não é aplicável aos factos dos presentes autos. - CARLOS CADILHA, Loc. Citado, pag. 132.

11.

A douta sentença recorrida entende que: “...

a degradação progressiva da situação clínica da A. B… evidencia que a conduta do 1° R. não foi a melhor, situação que encontra clara expressão no facto de não ter ordenado o seu imediato internamento para realização de exames complementares de diagnóstico e esclarecimento urgente da situação” 12.

E logo a seguir: “...

não podemos deixar de concluir no sentido de a conduta do 1° R. ser tida como ilícita, atenta a falta de prudência na análise da situação clínica da A. B…, matéria que está relacionada com o processo de degradação da situação clínica da B… que culminou com a operação ao coração.. .durante a qual a B… fez paragem cardíaca, situação que deu origem às lesões acima descritas” 13.

Desde logo, vem amplamente provado que a A. B… apenas se dirigiu ao CHVNG por aí estarem a trabalhar, vindos do HSJ os Drs. D… e E…, sendo que a instituição 1° R. apenas “desencharcou” a A. do edema pulmonar agudo de que sofreu, com êxito, tudo o mais foi feito a pedido da A. por aqueles 3° e 4° R.R. que, por acaso, trabalhavam, naquele momento no CHVNG.

14.

Por outro lado, não se vê que a não realização de exames complementares e subsequente internamento fossem causa de incúria ou degradação da situação clínica da a. B…, já que três dias antes de 17 de Junho de 1991, os 3° e 4° R.R. tinham feito um ecocardiograma com dopller àquela A., o qual mostrava já um aumento do gradiente da válvula aórtica.

15.

Só que, aqueles 3° e 4° R.R., cardiologistas, sabiam também que a A. B… apresentava uma gravidez de 29 semanas, com feto normal, e havia que ponderar, com o obstetra, qual o melhor caminho a seguir naquele momento.

16.

Ao fazer tal ponderação, os referidos médicos actuaram segundo as legis artis e fizeram-no com a prudência e competência de um bónus pater família.

17.

Logo que foi possível contactar o obstetra da A., Dr. I…, este e a Dr.ª E… ordenaram o internamento imediato da A. no Serviço de cardiologia.

18.

Só que, à sua revelia, a irmã da A., Prof. Doutora J…, “raptou” a A. e internou-a, por seu livre critério, no Serviço de Obstetrícia do HSJ, a fim de lhe fazerem uma cesariana.

19.

Deste modo, a conduta do 1.º R. e concomitantemente dos 3° e 4° R.R., não foi ilícita, nem revelou falta de prudência, bem pelo contrário.

20.

Nem tal conduta poderia ter qualquer virtualidade de provocar a paragem cardíaca de que a A. B… veio a sofrer durante a operação no HSJ, já que tal paragem cardíaca pode acontecer a quem quer e em qualquer momento, sem relação de causalidade adequada, naturalística ou jurídica, com a inexistência momentânea de exames complementares ou internamentos, como é óbvio 21.

Mas mesmo que se entendesse, por mero raciocínio académico e sem conceder, que fosse possível a existência de um nexo de causalidade adequada entre a condutas daqueles médicos e a paragem cardíaca, competia aos A.A. a prova do seu nexo de causalidade, o que não veio a acontecer.

22.

Na verdade, embora os A.A. tenham alegado tal nexo de causalidade, o que veio a integrar os quesitos 37°, 70º e 71° do Questionário, tal matéria veio a ser julgada não provada, pelo que se não provou que ”Se a B… tivesse sido sujeita a uma terapia adequada e tivesse sido operada ao coração em devido tempo, tal intervenção cirúrgica decorreria normalmente e ela matéria a gravidez” - resp. ao quesito. 71°, por exemplo.

23.

Acresce, por outro lado, que mesmo que por hipótese académica se provasse tal nexo, a verdade é que esse nexo teria sido interrompido, em relação ao 1° R., com a intervenção da irmã da a. B… que, à revelia do 1° R., levou a A. para o serviço de Obstetrícia do HSJ. - resp. ao q. 35° 24.

Uma vez que era clara e inequívoca a ausência de nexo de causalidade entre os factos imputados aos 1°, 3° e 4° R.R. e a paragem cardíaca e subsequentes danos, a douta sentença recorrida, tendo plena consciência disso, vem invocar uma pretensa inversão do ónus da prova que não tem qualquer apoio no DL n.º 48.051, pelo que não pode ser aplicado nos presentes autos.

25.

Por fim, para condenar o 1° R. e absolver os 3° e 4° R.R., a douta sentença recorrida, numa espécie de condenação em culpa objectiva, faz apelo a uma pretensa culpa de serviço dos 1° e 2° R.R., conceito esse que não existe no DL n.° 48.051 e que apenas tem existência legal, como preceito “ex novo”, e portanto inaplicável aos factos dos presentes autos, no art.° 7°, n.° 3 da Lei n.° 67/2007, de 31 de Dezembro - Vide CARLOS CADILHA, Obra citada, pag. 132.

26.

A douta sentença recorrida violou o disposto no Decreto-Lei n° 48.051, de 21/11/97, os art.°s, 483° e 498° n.° 1 e 3 do Código Civil e 150° do Código Penal, tendo feito errada interpretação da Lei n.° 67/2007, de 31/12/2007.

Por seu turno, o Hospital de S. João formulou as seguintes conclusões: 1. Da factualidade dada como provada não pode concluir-se que houve comportamento negligente da parte dos Serviços e dos profissionais do Hospital, ora recorrente.

2. A afirmação que se faz na sentença, ora recorrida, de que não fora adoptada uma atitude de prudência que as circunstâncias impunham por parte do pessoal médico do ora recorrente, não...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT