Acórdão nº 1214/06.5TTPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Fevereiro de 2011

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 28 de Julho de 2006, no Tribunal do Trabalho do Porto, 2.º Juízo (extinto), AA instaurou acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra BB, S. A., pedindo que se declare a ilicitude do seu despedimento, «seja pela prescrição do procedimento disciplinar, seja pela inexistência de justa causa», e a condenação da ré a pagar-lhe: (i) € 17.386,10, respeitantes a créditos salariais, acrescidos de juros de mora vencidos, «contados à taxa legal desde 21/3/05 até integral pagamento»; (ii) as retribuições que deixou de auferir desde os trinta dias anteriores à data da propositura desta acção e até ao trânsito em julgado da sentença; (iii) a indemnização correspondente a 45 dias de remuneração base por cada ano de antiguidade ou fracção (em função da sua opção expressa em sede de audiência de julgamento, em 14 de Janeiro de 2009); (iv) as despesas decorrentes da liquidação do empréstimo à habitação que detinha junto da ré, a liquidar em execução de sentença; (v) uma indemnização por danos não patrimoniais, no montante de € 25.000.

Alegou, em síntese, que foi admitido ao serviço da ré em Agosto de 1999 e despedido sem justa causa, em Agosto de 2005, não tendo praticado qualquer acção ou omissão que pudesse comprometer a manutenção da relação de trabalho existente, sendo que, por via desse despedimento, sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais que devem ser ressarcidos.

A ré contestou, sustentando a licitude do despedimento efectuado e que o comportamento do arguido, apurado no procedimento disciplinar e que descreveu no articulado, inviabilizou definitivamente a relação laboral, por alegada violação dos deveres de zelo e diligência que determinou prejuízo sério para a demandada, tendo, ainda, deduzido pedido reconvencional, em que pediu a condenação do autor a pagar--lhe a quantia de € 566.319,06, por prejuízos alegadamente causados por este.

O autor respondeu, defendendo a improcedência do pedido reconvencional.

Proferiu-se despacho saneador, no qual se verificou a regularidade da instância, se fixou a matéria de facto assente e se elaborou a base instrutória.

Realizado o julgamento, exarou-se sentença que julgou a acção parcialmente procedente e na qual se decidiu: (i) absolver a ré dos pedidos relativos ao pagamento de indemnização em substituição da reintegração, das retribuições devidas desde os trinta dias anteriores à data da propositura desta acção e até ao trânsito em julgado da sentença, das despesas atinentes à liquidação do empréstimo à habitação que detinha junto da ré e da indemnização por danos não patrimoniais; (ii) julgar improcedente o pedido reconvencional deduzido pela ré; (iii) condenar a ré a pagar ao autor a quantia de € 17.386,10, a título de créditos salariais devidos e não pagos, acrescida dos juros legais de mora, desde a data da citação e até integral pagamento.

  1. Inconformados, o autor e a ré apelaram para o Tribunal da Relação do Porto, que negou provimento aos recursos, confirmando a sentença recorrida.

    É contra esta decisão do Tribunal da Relação do Porto que o autor agora se insurge, mediante recurso de revista, em que formula as seguintes conclusões: «1ª A instância disciplinar laboral obedece ao princípio da celeridade, o qual tem como primeira e principal projecção processual o prazo de 60 dias para o exercício do procedimento disciplinar estabelecido no art. 372.º, n.º 1, do CT, aprovado pela Lei n.º 99/03, de 27 de Agosto (sendo desse diploma todos os artigos citados sem que outra origem não for mencionada); 2ª Juridicamente qualificado, o referido prazo de 60 dias é um prazo de caducidade, consoante entendimento da doutrina e da jurisprudência maioritária (cfr. demonstração de 5-supra); 3ª Da letra expressa e unívoca do art. 411.º, n.º 4, do CT, resulta que só a comunicação da nota de culpa ao trabalhador interrompe a contagem dos prazos estabelecidos no art. 372.º do mesmo diploma: o termo a quo do prazo de caducidade é, por conseguinte, a data do conhecimento da infracção pelo empregador ou superior hierárquico e o termo ad quem é a data da recepção da nota de culpa pelo trabalhador; 4ª A instauração do processo prévio de inquérito apenas interrompe o prazo de caducidade da acção disciplinar fixado no art. 372.º, n.º 1, [do] CT se se verificarem, cumulativamente, as seguintes condições: i) Ser o procedimento necessário para fundamentar a nota de culpa, designadamente nos casos em que o empregador desconhece o agente da infracção; ii) Ser o procedimento conduzido de forma diligente, não mediando mais de 30 dias entre a suspeita da existência de comportamentos irregulares e o início do inquérito nem entre a sua conclusão e a notificação da nota de culpa — cfr. art. 412.º do CT; 5ª Compete ao empregador alegar e provar os factos susceptíveis de determinar a interrupção do prazo de caducidade do procedimento disciplinar — cfr., por todos, Ac. STJ de 15.02.05, Proc. 0453593, dgsi. Net; 6ª No caso dos autos, a instauração do processo de inquérito não pode cobrar eficácia interruptiva do prazo de caducidade pela decisiva razão de que decorreram mais de 30 dias entre a sua conclusão (12.04.05) — cfr. pontos 37, 38 e 41 dos factos dados como provados na 1.ª instância; 7ª Sem embargo, subsumindo o direito aplicável aos factos assentes nos autos (cfr. pontos 34, 35, 37 e 38 da factualidade dada como provada na 1.ª instância e aditamento à matéria de facto, sob o n.º 23-A, 35-A, 35-B, 35-C, 35-D, 35-E e 35-F, decidido no Acórdão recorrido) é apodíctico que, se não em 04.0[4].05, pelo menos em 12.04.05 (data da conclusão do inquérito), a Ré teve conhecimento da infracção imputada ao A.; 8ª Tal asserção é imposta, desde logo, pela letra e ratio do art. 412.º do CT (trecho final): resulta com cristalina evidência desse normativo que, no caso de o processo de inquérito ter o condão de interromper o prazo de caducidade estabelecido no art. 372.º, n.º 1, do CT, esse prazo começa a correr a partir da conclusão daquele procedimento — cfr. Ac. Rel. Lisboa de 22.03.82, CJ, ano 7, t. 2, 255; 9ª Ora, estando assente nos autos que o inquérito foi concluído em 12.04.05, quando, em 20.06.05, o A. recebeu a nota de culpa, já tinha transcorrido o prazo de 60 dias para o exercício da acção disciplinar previsto no art. 372.º, n.º 1, [do] CT; 10ª Por outro lado, ao conduzir o processo de inquérito, o Departamento de Auditoria e Controlo Interno da Ré (DAI) (serviço que, como o próprio nome indica, tem a função de realizar diligências tendentes a apurar a prática de irregularidades com relevância disciplinar ou outra), fê-lo com base numa delegação, ao menos implícita, do poder disciplinar; entendimento diverso levaria, em linha recta, à conclusão absurda de que o DAI teria agido à revelia do Conselho de Administração da Ré; 11ª A delegação do poder disciplinar pode ser feita genericamente, ou caso a caso e de modo informal, não tem de constar do processo disciplinar nem carece de ser comunicada ao trabalhador arguido — cfr. jurisprudência citada em 10-supra; 12ª Pelo que, em 12.04.05, data em que foi concluído o inquérito por aquele departamento da Ré, se tem de considerar como verificado o conhecimento da infracção disciplinar assacada ao A. — cfr. Ac. STJ de 03.03.89, Bol. 385-484; 13ª Acresce que, conforme resulta da matéria de facto assente nos autos, tanto o superior hierárquico do A. (CC), como [o] director Jurídico e o Conselho de Administração da Ré tinham conhecimento antes da conclusão do inquérito do extracto de conta (e das comunicações feitas, a esse propósito, pelo cliente) que esteve na origem das diligências instrutórias realizadas pelo DAI — cfr. pontos 34, 35 e 36 dados como provados na 1ª instância e factos aditados sob os n.os 23-A, 35-A, 35-B, 35-C, 35-D, 35--E e 35-F, no Acórdão recorrido; 14ª Acresce que, concluído o inquérito, o Conselho de Administração ficou imediatamente habilitado a conhecer da infracção; se tal conhecimento tivesse ocorrido num momento posterior, cabia à Ré fazer a alegação e prova de tal facto, ónus que manifestamente não cumpriu; 15ª Se assim não for, nada impedirá o empregador de, sob o expediente de distinção artificial entre conclusão do inquérito e o seu conhecimento pelo órgão com competência disciplinar, prolongar indevida e indefinidamente o prazo de procedimento disciplinar; 16ª Em derradeira alternativa, atenta a impossibilidade ou, no mínimo, extrema dificuldade de o A. fazer prova da data de apresentação do relatório de inquérito ao Conselho de Administração, o ónus probandi passa a recair sobre a Ré (art. 343.º, n.º 1, 344.º e 345.º do CC) — cfr. autores e decisões citadas em 12-supra; 17ª Tendo caducado, por todos e cada um dos motivos invocados, o direito de acção disciplinar, o despedimento do A. deve ser considerado ilícito, nos termos dos art.s 430.º, n.º 1, e 429.º, al.

    c), do Código do Trabalho; 18ª A determinação em concreto do preenchimento do conceito indeterminado “justa causa” resolve-se sempre e em primeira linha, numa ponderação crítica da ilicitude e culpa da conduta do trabalhador: se a acção ou omissão em causa não puder ser qualificada como uma falta grave e culposa não se pode falar de justa causa, independentemente das consequências daí resultantes; 19ª Consequentemente, não é possível avançar para um juízo de prognose sobre a viabilidade da manutenção do vínculo laboral sem antes valorar a conduta do trabalhador nas dimensões relativas à gravidade, ilicitude e culpa da sua conduta; 20ª O Acórdão recorrido incorre nesse vício metodológico: impressionado com as quantias agitadas nos autos, parte do fim para o princípio, centrando a sua análise no tópico “confiança” e perdendo de vista que a lei refere a justa causa apenas em sentido subjectivo, ligando-o necessariamente a um incumprimento grave e culposo dos deveres laborais pelo trabalhador — art. 396.º, n.º 1, [do] CT...

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