Acórdão nº 355/09.1JAAVR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Janeiro de 2011

Magistrado ResponsávelRODRIGUES DA COSTA
Data da Resolução06 de Janeiro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: ANULADA PARCIALMENTE A DECISÃO RECORRIDA Sumário : 1. O STJ não conhece de matéria de facto na sua dimensão de apreciação e valoração da prova produzida em audiência de julgamento e, no referente aos vícios do art. 410.º, n.º 2 do CPP, conhece deles “ex officio,” se não tiver base suficiente para a decisão de direito, em recurso interposto da decisão da Relação, que já deles conheceu, e não porque possam ser reeditados pelo recorrente no recurso para o STJ.

  1. O STJ também não conhece de questões relacionadas com um crime de detenção de arma proibida a que foi aplicada pena de 2 anos de prisão, depois baixada para 13 meses de prisão no recurso interposto para a Relação, por se considerar haver dupla conforme ou confirmação in melius, obstando à possibilidade de recurso para o STJ, nos termos do art. 400.º, n.º 1, alínea f) do CPP. 3. Em matéria de fundamentação da decisão, a posição hierárquica do tribunal da relação tem reflexos que se traduzem em o artigo 374.º, n.º 2 do CPP, no que respeita ao exame crítico dos meios de prova, não poder ser directamente transposto para a fase dos recursos.

  2. Fundamentalmente, ao tribunal de recurso cabe verificar se a decisão recorrida fundamentou a sua opção em matéria de decisão de facto de forma consistente, lógica e racional e de acordo com as regras da experiência comum, isto é, se tal opção decisória se mostra convincente do ponto de vista da lógica interna da explicitação da sua motivação, referindo criticamente os meios de prova decisivos para a formação da respectiva convicção, e se mostra consentânea com as máximas, os princípios e os ensinamentos da vida, segundo a experiência normal das coisas.

  3. Numa situação em que o recorrente impugna globalmente o sentido da decisão de facto, o tribunal de recurso não tem que reanalisar todos e cada um dos meios de prova, ainda que o recorrente os refira, sumariando o conteúdo e o sentido (segundo a sua óptica) das várias provas produzidas, nomeadamente, as de carácter testemunhal, bastando ao tribunal de recurso verificar se o tribunal recorrido fundamentou a sua opção decisória de acordo com os padrões exigidos.

  4. Só há divergência do juízo pericial, para efeitos do art. 163.º do CPP, quando o tribunal contraria de modo expresso a opinião dos peritos e não quando a versão plasmada nos factos provados pareça não ser suportada por ela, caso em que o que poderia haver seria um dos vícios do art. 410.º, n.º 2 do CPP.

  5. Colhendo-se da matéria de facto o carácter violento da vítima, atitudes violentas e ameaças de que o arguido foi objecto por várias ocasiões, algumas das quais deram origem a um processo crime, a preocupação do mesmo arguido com o que viesse a acontecer, medo e receio provocados pelo comportamento da vítima, mas não resultando dessa factualidade que o arguido tivesse entrado em desespero e que nessa situação e por causa dela tivesse actuado como actuou, matando a vítima, não se pode concluir pela existência dos pressupostos do crime de homicídio privilegiado, nomeadamente por desespero do agente.

    Decisão Texto Integral: I.

    RELATÓRIO 1.

    No Tribunal da Comarca do Baixo Vouga, Albergaria-a-Velha, foi julgado o arguido AA, identificado nos autos, e condenado pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio, previsto e punido pelo art. 131.º do Código Penal (CP) e 86.º, n.º 3 do Regime Jurídico das Armas e suas Munições (RJAM), aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23/02, com as alterações da Lei n.º 17/2009, de 6/5, na pena de 13 anos de prisão, e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.ºs 1, alínea c) e 2 com referência aos arts. 3.º, n.º 4, alínea a) e 6.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) do RJAM, na pena de 2 anos de prisão.

    Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 13 anos e 6 meses de prisão.

  6. Inconformado, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, quer em relação à matéria de facto, quer de direito, tendo obtido parcial provimento e visto reduzidas as penas parcelares para 11 anos de prisão, pelo crime de homicídio, e 13 meses de prisão, para o crime de detenção de arma proibida, e o cúmulo jurídico destas penas, para 11 anos e 4 meses de prisão.

  7. Mesmo assim, o arguido não se conformou com esta decisão, tendo recorrido para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo assim a sua motivação: Considerando que: 1ª_ O acórdão da Relação de Coimbra não se pronunciou quanto às questões colocadas pelo Recorrente na conclusão 15ª, ponto 2) e 3) e 17ª (motivação de fls. 764 e ss dos Autos) o que implica a nulidade do Acórdão, nos termos do art. 379° nº 1alínea c) do Código de Processo Penal, o que se invoca para todos os efeitos legais.

    1. O Arguido não pode concordar com o Acórdão recorrido, pois o mesmo não atendeu a toda a prova produzida, nomeadamente ás declarações do Arguido; ao depoimento dos Inspectores da Polícia Judiciária, BB e CC; à informação de Serviço da Polícia Judiciária, ao relatório de inspecção judiciária feito pela Polícia Judiciária, ao Auto de Reconstituição, á informação de serviço, ás fotos da vítima e ao relatório de autópsia.

    2. O Acórdão recorrido limita-se a considerar convincentes os depoimentos das testemunhas DD e DD. Todavia os mesmos contradizem-se entre si; a versão dos mesmos contraria as regras de experiência - se efectivamente a testemunha J... estivesse como afirma, debruçado com os braços e corpo na janela que estava aberta do lado do condutor/vítima, mais para o lado direito, isso implicaria das duas uma: que o DD tinha de ter sido atingido (por forma a não contrariar o relatório pericial que confirma que as balas entraram da esquerda para a direita e de trás para a frente) ou os tiros teriam de ter entrado na cabeça do C... da frente para trás (contrariando o relatório da autópsia); contraria a prova pericial e ainda os vestígios existentes e encontrados no local.

      4a_ o Acórdão recorrido violou o art. 163° do Código de Processo Penal, dado que diverge do juízo científico contido no relatório de autópsia (relatório pericial) segundo o qual "as direcções dos tiros com entradas respectivamente na região frontal (à esquerda), zigomática e parietal esquerdas, foram da esquerda para a direita, de trás para a frente e de cima para baixo, com excepção do primeiro que foi de baixo para cima", para fazer vingar a versão das testemunhas DD e DD, sem no entanto, justificar cientificamente ou tecnicamente a divergência para com o resultado da perícia nomeadamente a direcção dos tiros, limitando-se a dar uma fundamentação vaga e sem cariz científico.

    3. _ Nenhuma testemunha referiu que a cabeça do C..., enquanto era atingida por tiros, fazia qualquer "movimento descontrolado". De facto o C... teve a cabeça encostada ao banco onde estava sentado (condutor) e apenas a mesma tombou para a frente (para o volante) após os tiros. Para além disso, do relatório de autópsia não se retira tal conclusão, mas antes os locais das entradas das balas na cabeça de C.... E este é um juízo científico de dois peritos médicos, com conhecimentos especiais, que se presume subtraído à livre apreciação do julgador e que se traduz numa excepção ao princípio da livre apreciação da prova, reconhecido no art. 127° do Código de Processo Penal, a menos que o juiz apresente uma fundamentação de cariz científica, que seja capaz de sustentar uma convicção divergente do juízo contido na perícia e afastar o valor probatório legalmente reconhecido à prova pericial, fazendo assim uso da prerrogativa conferida pelo art. 163° n°. 2 de Código de Processo Penal.

      6a_ O Acórdão recorrido, ao proceder nestes termos, está inquinado, por violar, as regras de proibição ou valoração de prova e as exigências de fundamentação constantes nos artigos 163° e 374° ambos do Código de Processo Penal, incorrendo por isso, no vício de falta de fundamentação ou motivação, sendo causa de nulidade do Acórdão, nos termos do art. 374° n°. 1 e 2 e art. 379° do Código de Processo Penal, o que se invoca para todos os efeitos legais. Atendendo ao texto do acórdão proferido pela Relação e às regras de experiência comum, existe um erro notório na apreciação da prova e uma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - art. 410° n° 2 alíneas a) e c) do Código de Processo Penal.

    4. _ O Acórdão recorrido considerou que a conduta do Arguido não preenche o Crime de Homicídio Privilegiado, previsto e punido pelo art.133" do Código Penal, com base no elemento privilegiador emoção violenta. Todavia não ponderou um outro elemento privílegiador - o desespero, sendo que embora próximos, distinguem-se. Entendemos por isso, que no nosso caso, o elemento privilegiador a ter em atenção é o desespero, dado que o Arguido vinha sofrendo ameaças do C... prolongadas no tempo (pontos 19) a 35) da matéria dada como provada), as quais conduziram ao desespero do Arguido, o que também se vetificou no dia dos factos. Assim, deverá ser imputada ao Arguido a prática de um Crime de Homicídio Privilegiado, dado que o mesmo actuou dominado por desespero, o qual diminui sensivelmente a sua culpa.

    5. _ O Crime de Detenção de Arma Proibida é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias. Todavia o Acórdão recorrido optou pela aplicação ao Arguido de pena de prisão que fixou em 13 meses. Contudo não concordamos pelos seguintes motivos: no processo de operação de determinação da escolha da pena, o acórdão não fez, embora a lei a isso exija, qualquer opção justificativa fundamentada pela pena de prisão em detrimento da pena de multa e, quando ao crime é aplicável alternativamente pena de multa ou prisão, a Constituição da República Portuguesa e a lei ordinária impõem que o julgador dê preferência à pena de multa, sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

    6. _. No nosso caso, quanto à prevenção geral negativa entendemos que o julgador ao optar pela pena de prisão (no Crime de...

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