Acórdão nº 485/10 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Dezembro de 2010

Magistrado ResponsávelCons. Carlos Fernandes Cadilha
Data da Resolução09 de Dezembro de 2010
EmissorTribunal Constitucional (Port

Acórdão N.º 485/2010

Processo n.º 366/10

  1. Secção

Relator: Carlos Fernandes Cadilha

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Por sentença de 20 de Abril de 2010, decidiu o Tribunal Judicial da Mealhada, no processo n.º 87/09.0GAMLD, absolver o arguido A. da prática, como autor material, do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, n.º 1, do Código Penal.

    O Tribunal considerou, na respectiva fundamentação, que os actuais artigos 153º, n.º 8, e 156º, n.º 2, do Código da Estrada (CE), cuja redacção foi introduzida, respectivamente, pelos Decretos-Lei nºs. 44/2005, de 23 de Fevereiro, e 265-A/2001, de 28 de Setembro, padecem de inconstitucionalidade orgânica, porque, sem a necessária autorização legislativa (artigo 165º, n.º 1, alínea c), da Constituição da República Portuguesa), retiraram inovatoriamente ao condutor a possibilidade de, sem incorrer no crime de desobediência, recusar a colheita de sangue para determinação da taxa de alcoolemia, pelo que, assentando a prova desta, imputada ao arguido, em relatório pericial elaborado na sequência da recolha de sangue sem o seu consentimento, como (antes) legalmente exigido – o que foi considerado meio ilegal de prova – se impunha a absolvição do arguido.

    Dessa decisão recorreu o Ministério Público para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70º, n.º 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), para apreciação da «inconstitucionalidade dos artigos 153º, n.º 8, e 156º, n.º 2, do Código da Estrada, cuja aplicabilidade foi recusada, com fundamento em inconstitucionalidade orgânica».

    Admitido o recurso, pelo Tribunal recorrido, prosseguiram os autos para alegações, tendo o Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional, depois de restringir o objecto do recurso à norma do n.º 2 do artigo 156º do CE, na redacção introduzida pelo citado Decreto-Lei n.º 265-A/2001, de 28 de Setembro, concluído pela sua não inconstitucionalidade orgânica, porquanto, no seu entender, apesar de versar, sem prévia autorização legislativa, matéria inscrita no âmbito da reserva relativa da competência da Assembleia da República, não criou um regime jurídico materialmente diverso daquele que o órgão com competência para tal havia antes instituído, pelo que, na linha do que tem o Tribunal Constitucional reiteradamente sustentado, em situações idênticas, é, no caso, irrelevante a intromissão formal, operada pelo citado decreto-lei, em domínio de reserva relativa de competência parlamentar.

    O recorrido, por seu lado, não contra-alegou.

    Cumpre, pois, apreciar e decidir.

    II – Fundamentação

    Delimitação do objecto do recurso

  2. A decisão recorrida concluiu pela inconstitucionalidade orgânica das normas dos artigos 153º, n.º 8, e 156º, n.º 2, do Código da Estrada, por considerar que essas disposições, tendo sido emitidas sem prévia autorização legislativa, vieram retirar ao condutor de veículo automóvel interveniente em acidente de viação a possibilidade, anteriormente prevista, de recusar a colheita de sangue para determinação da taxa de alcoolemia.

    Nesse sentido, o tribunal recorrido considerou que a sujeição a recolha de sangue sem que o arguido fosse informado quanto à finalidade do procedimento, e sem que lhe fosse dada a oportunidade de consentir ou recusar a sua efectuação, constitui meio ilegal de prova, e, em consequência, por impossibilidade de apurar o estado de influenciado pelo álcool, decidiu absolver o arguido do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º, n.º 1, do Código Penal, de que vinha acusado.

    Estando, no entanto, em causa apenas um procedimento destinado a detectar a condução sob influência do álcool por parte de um condutor interveniente em acidente de viação, a norma que é directamente aplicável ao caso, e que o tribunal efectivamente aplicou como ratio decidendi, é a do artigo 156º, n.º 2, do CE, que se refere aos exames a efectuar em caso de acidente, e não a do artigo 153º, n.º 8, que antes alude aos procedimentos normais de fiscalização rodoviária.

    Deste modo, apenas se conhecerá da inconstitucionalidade da norma do artigo 156º, n.º 2, do CE, por ser a única que tem efectivo reflexo no julgamento do caso concreto.

    Utilidade do recurso

  3. Suscita ainda o recorrente, nas suas alegações, a questão prévia da utilidade do recurso, considerando, no essencial, que a decisão recorrida, para além de assentar na recusa de aplicação da norma do n.º 2 do artigo 156º do CE, por inconstitucionalidade orgânica, se fundamentou também na (in)validade da prova da TAS imputada ao arguido, por não ter sido este informado do fim a que se destinava a recolha de sangue, estando ele em condições de recusar ou consentir na sua realização, o que implicava violação das normas dos artigos 32º, n.º 8, da CRP, e 126º, n.º 1, do CPP, pelo que, mesmo que o Tribunal Constitucional viesse a julgar procedente o recurso, manter-se-ia inalterado, com estoutro fundamento, o decidido.

    Sucede que, como recorrente também acaba por admitir, a questão nuclear do consentimento do examinando para a realização do exame de sangue, para o efeito de determinação do grau de alcoolemia, condicionará necessariamente a própria apreciação da questão da validade da correspondente prova, que é aparentemente autónoma, pois que, caso o Tribunal venha a concluir pela não inconstitucionalidade da norma, fixando interpretação no sentido de que esta não permite a recusa, perderá relevância «a exigência de informação prévia do fim a que se destina a recolha de sangue», para efeitos da validação da prova.

    Nada obsta, por conseguinte, ao prosseguimento do recurso para conhecimento do seu objecto.

    Mérito do recurso

  4. O Tribunal Constitucional, na apreciação de questões de inconstitucionalidade orgânica, tem reiteradamente sustentado, em jurisprudência consolidada, que o que releva, para efeitos da sua verificação, não é o facto de o Governo legislar sobre matéria da reserva relativa de competência legislativa da...

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