Acórdão nº 226/02.2GGLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Novembro de 2010

Data25 Novembro 2010
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: REJEITADO O RECURSO Sumário : I - Sendo a decisão recorrida um acórdão absolutório do Tribunal da Relação, tirado em recurso de decisão da 1ª instância que condenara o arguido em pena de prisão suspensa na sua execução, não está abrangida pelos casos de irrecorribilidade configurados no art.º 400.º do CPP07, nem em qualquer outra norma legal, pelo que, à primeira vista, tudo aponta para a aplicação da regra geral definida no art.º 399.º, isto é, para a recorribilidade.

II - Parece-nos evidente que não se devem esgrimir argumentos de ordem lógico-sistemática para contrariar essa ideia da recorribilidade, até porque a regra é a da recorribilidade e, portanto, as exclusões devem ser tratadas de forma restritiva quanto aos casos de não recorribilidade.

III - Aos tribunais não cabe discutir o critério legislativo, ou a falta dele, no que respeita às questões que podem ou não chegar ao Supremo Tribunal de Justiça pela via do recurso, umas mais graves que não lhe podem ser colocadas, outras de menor dimensão e que são sujeitas à sua reapreciação. Tal critério, bom ou mau, é definido no âmbito da competência da política legislativa, reservada à Assembleia da República. Para além de que a regra geral é a da recorribilidade. Não é, pois, por esse motivo, de ordem lógico-sistemática, que se pode recusar a recorribilidade da decisão proferida nestes autos pela Relação.

IV - A simples leitura dos art.ºs 399.º e 400.º do CPP permite que existam em simultâneo estas duas situações: - não é recorrível para o STJ o acórdão da Relação, proferido em recurso, que condenou o arguido numa pena não privativa da liberdade por determinado crime e que, assim, revogou a absolvição da 1ª instância (art.º 400.º, n.º 1, al.

e, do CPP); - é recorrível para o STJ o acórdão da Relação, proferido em recurso, que absolveu o arguido por determinado crime e que, assim, revogou a condenação do mesmo na 1ª instância numa pena não privativa da liberdade (art.ºs 399.º e 400.º, este “a contrario”).

V - Trata-se, porém, da mesma situação, embora em posições invertidas, pois uma é simetricamente o inverso da outra. Apesar da manifesta semelhança, há um tratamento legislativo diferente ao nível da interposição dos recursos.

VI - A primeira situação não é passível de um juízo de inconstitucionalidade. Na verdade, o art.º 32.º, n.º 1, da Constituição dispõe que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso. Mas, o Tribunal Constitucional tem reafirmado em diversos acórdãos e ao longo dos anos que «A Constituição não impõe ao legislador a obrigação de consagrar o direito de recorrer de todo e qualquer acto do juiz, admitindo-se embora, no processo penal, o direito a um duplo grau de jurisdição como decorrência da exigência constitucional do principio da defesa, mas já não o direito a um triplo grau de jurisdição» (v.g. Acs. do TC n.ºs 163/90 de 23-05-1990, 331/02 de 10-07-2002, 377/03 de 15-07-2003, 375/05 de 07-07-2005, 64/06 de 24-01-2006, 530/07 de 29-10-2007).

VII - Assim, o facto do arguido no caso da al. e) do n.º 1 do art.º 400.º do CPP07 não dispor de um terceiro grau de recurso não viola a Constituição, pois o núcleo essencial dos seus direitos de defesa já ficou ressalvado com o duplo grau de jurisdição, para mais num caso em que a decisão final nem sequer o privou nem lhe restringiu o direito à liberdade.

VIII - Contudo, o que já não é tolerável do ponto de vista dos direitos de defesa é que no caso simetricamente oposto a esse, em que ao arguido continua vedado o direito a novo recurso, agora por falta de interesse em agir (pois foi absolvido na segunda instância da acusação, após condenação na 1ª instância em pena não privativa da liberdade), a acusação, isto é, o Ministério Público ou Assistente, possa recorrer.

IX - Nas “duas imagens invertidas”, o arguido não teria direito a interpor recurso em qualquer delas, mas permitir-se-ia ao M.º P.º e ao Assistente, numa delas, um direito que àquele não assiste (o terceiro grau de jurisdição).

X - Criar-se-ia uma desigualdade de armas, desfavorecendo o arguido e beneficiando a acusação.

XI - O tratamento diferente que a lei processual dá aos dois casos de recorribilidade anteriormente indicados, simetricamente opostos e, portanto, indissociáveis, já que não se pode encarar um sem vislumbrar o outro, como num espelho que inverte a imagem da mesma “figura”, coloca o arguido nesta situação absurda: naquele em que é condenado, não lhe é permitido recorrer para obter a sua absolvição, no outro em que é absolvido, a acusação pode recorrer para obter a sua condenação! XII - Esta diferença de tratamento, em casos que deveriam ser tratados como iguais, é irrazoável e arbitrária, para mais com ofensa do núcleo fundamental do direito de defesa.

XIII - Há ofensa, nesta interpretação das normas de processo penal, dos art.ºs 13.º e 32.º, n.º 1, da Constituição, por violação material dos direitos à igualdade e de defesa (através do recurso) no processo penal.

XIV - Note-se que estamos aqui a reportar-nos a um caso específico, em que a condenação na 1ª instância foi numa pena não privativa de liberdade e que, posteriormente, reapreciada pela Relação em sede de recurso, foi determinada a absolvição do arguido. Pois, se a condenação na 1ª instância fosse em pena privativa de liberdade, nenhuma objecção se poria ao recurso para o STJ por parte da acusação contra o acórdão absolutório da Relação, pois que na situação simetricamente oposta (absolvição na 1ª instância e condenação na Relação em pena privativa da liberdade) o arguido poderia interpor recurso para o STJ (cfr. al.

e, a contrario, do n.º 1 do art.º 400.º do CPP).

XV - Concluímos, assim, que é materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 13º e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a interpretação dos artigos 399.º e 400.º do Código de Processo Penal na versão que lhe foi dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, no sentido de que é admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, interposto pelo Ministério Público ou pelo Assistente, do acórdão do Tribunal da Relação, proferido em recurso, que absolveu o arguido por determinado crime e que, assim, revogou a condenação do mesmo na 1ª instância numa pena não privativa da liberdade.

Decisão Texto Integral: I.

No presente processo, em 15 de Outubro de 2010, o relator proferiu a seguinte decisão sumária: DECISÃO SUMÁRIA 1.

A foi julgado no âmbito do processo comum n.º 226/02.2GGLSB do 2ª Juízo Criminal de Sintra e, por sentença proferida em 14 de Janeiro de 2008, foi condenado, pela prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art. 137.º n.º 1 do Código Penal, na pena de seis meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano.

“B”, demandada civil, foi, por sua vez, condenada a pagar: - às assistentes C, D e E quantia de € 82.991,64, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento, bem como a quantia de € 37.500,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da prolação da sentença até efectivo e integral pagamento; - ao demandante F a quantia de € 3.000,00 e de € 125 por mês desde a data do acidente de viação até efectiva entrega do valor do veículo, perfazendo o montante em dívida € 8.125, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal desde a data da citação até efectivo pagamento.

- ao “G” a quantia de € 15.917,00 acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento.

Inconformados recorreram tanto a demandada civil, como os demandantes e assistentes (estas em recurso subordinado ao interposto pela demandada), bem como o arguido para o Tribunal da Relação de Lisboa.

O Tribunal da Relação de Lisboa, por despacho da Relatora, não admitiu o recurso subordinado e posteriormente, por acórdão de 15 de Abril de 2010, concedeu provimento aos recursos interpostos pelo arguido e pela demandada civil, revogou a sentença recorrida e substituiu-a por outra que absolveu o arguido do crime que lhe era imputado e que absolveu também a seguradora demandada civil de todos os pedidos cíveis deduzidos.

  1. Inconformadas, recorrem agora as Assistentes C, D e E para o Supremo Tribunal de Justiça e concluem por longas e extensas conclusões (em desrespeito pela norma legal respectiva, que indica que nas conclusões o recorrente “resume” as razões do pedido), cujos tópicos são os seguintes: 1- Violação do Objectivo ou finalidades do Processo Penal.

    2- Violação do Principio da livre apreciação da prova.

    3- Violação do Princípio do in dubio pro reo.

    4- Violação do Principio da oralidade e da imediação.

    5- Devendo, igualmente, revogar-se a decisão de desentranhamento do Parecer/Perícia pelas abundantes razões que se aduziram nesse sentido, considerando-o parte integrante do processo e da sua motivação.

    6- Tanto mais que foram violados todos os dispositivos legais invocados no Ac. aqui em questão, por erro e desvio da sua interpretação e falta de fundamentação/motivação como abundantemente se demonstrou ao longo de toda esta alegação.

    7- Devendo, consequentemente, revogar-se todo o Acórdão aqui posto em crise e, a final, condenar-se o arguido pela prática do crime de que vinha acusado, mas agravado, devido até à ausência de auxílio à vitima, que estava ao seu alcance, como se provou por, às 10 horas seguintes, já estar a festejar uma boda no casamento de amigos sem qualquer tipo de constrangimento do sucedido.

    8- Imputando-se-lhe a responsabilidade total pelo acidente, visto que o embate se deu já no IC 19, por trás, e a prioridade é um conceito que tem de ser entendido com razoabilidade.

    9- E, a R., B, condenada a pagar às Assistentes as verbas peticionadas, por serem as adequadas.

    10- Admitindo-se, remotamente, se alguma remota dúvida subsistir, então que se ordene a baixa do processo para que se proceda a julgamento que a remova.

  2. O arguido veio responder ao recurso, pugnando pelo seu não provimento.

  3. ...

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