Acórdão nº 281/05-1 de Tribunal da Relação de Évora, 05 de Julho de 2005 (caso NULL)

Data05 Julho 2005

Acordam, em audiência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. No presente processo comum com intervenção do tribunal singular, vindo do Tribunal Judicial da Comarca de …, onde tinha o nº …, foi o arguido …, devidamente identificado nos autos, acusado pelo Digno Magistrado do Ministério Público e pela assistente … da prática, em autoria material e concurso real, de um crime de ameaça, previsto e punido pelo art. 153º, nºs 1 e 2, e de um crime de injúria, previsto e punido pelos arts. 181º, nºs 1 e 2 e 180º, nº 3, todos do Código Penal.

A assistente … deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 2000,00 (dois mil euros), a título de indemnização por danos morais, sendo € 750,00 relativos ao crime de injúria e € 1.250,00 relativos ao crime de ameaça.

No decurso da sessão da respectiva audiência de discussão e julgamento realizada no dia 15 de Outubro de 2004, porque do depoimento produzido pela testemunha … resultava a possibilidade de o arguido ter praticado, em concurso aparente com o crime de ameaça, um crime de coacção grave, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 154º, nº 1 e 155º, nº 1, a) do Código Penal, o Digno Magistrado do Ministério Público requereu, face à respectiva alteração substancial dos factos, que fosse dado cumprimento ao disposto no art. 359º do Código de Processo Penal e, caso a assistente e o arguido não se opusessem, fosse este julgado naquela audiência também pelos novos factos. E porque o arguido manifestou o seu desacordo quanto à continuação do julgamento pelos novos factos, logo a Mmª. Juiz, entendendo que os factos novos relatados pela referida testemunha eram susceptíveis de integrar a prática de um crime de coacção grave e constituíam uma alteração substancial dos factos descritos na acusação, mas não podiam ser tomados em conta para efeito de condenação no processo em curso, proferiu despacho a comunicar aquela alteração ao Ministério Público para os efeitos previstos na parte final do nº 1 do citado art. 359º.

Prosseguindo a audiência de discussão e julgamento, na sessão realizada no dia 22 de Outubro de 2004, após a inquirição de uma testemunha através do sistema de videoconferência, o Digno Magistrado do Ministério Público, depois de defender que deveria ser aberto inquérito relativamente a todos os factos e não somente aos factos novos e que da comunicação ao Ministério Público já determinada pela Mmª. Juiz a quo não deveria decorrer a extinção da instância mas apenas a sua suspensão, requereu que fosse ordenada a suspensão da instância e o envio dos autos ao Ministério Público para realização das competentes diligências de investigação, incluindo relativamente à factualidade susceptível de integrar a prática de um crime de injúria. Naquela mesma sessão, a Mmª. Juiz proferiu despacho, indeferindo o requerido e ordenando o prosseguimento dos autos.

Efectuado o julgamento, por sentença proferida em 3 de Novembro de 2004, foi decidido, além do mais e das respectivas condenações em custas: a) condenar o arguido, pela prática de um crime de injúria, previsto e punido pelos arts. 181º, nºs 1 e 2 e 180º, nº 3, ambos do Código Penal, na pena de 55 (cinquenta e cinco) dias de multa; b) condenar o arguido pela prática de um crime de ameaça, previsto e punido pelo art. 153º, nºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 155 (cento e cinquenta e cinco) dias de multa; c) condenar o arguido, em cúmulo jurídico daquelas penas parcelares, na pena conjunta de 160 (cento e sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 2,50 (dois euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz o montante global de € 400,00 (quatrocentos euros); d) julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante/assistente … e, em consequência, condenar o demandado/arguido a pagar à assistente, a quantia de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), no que concerne à matéria relativa ao crime de injúria e € 600,00 (seiscentos euros) à matéria relativa ao crime de ameaça, perfazendo o montante total de € 850,00 (oitocentos e cinquenta euros); e e) absolver o arguido do pagamento dos restantes valores peticionados.

Inconformado quer com o despacho proferido na sessão de 22 de Outubro de 2004 que lhe indeferiu a requerida suspensão da instância quer com uma tal sentença condenatória, o Digno Magistrado do Ministério Público interpôs recurso daquele e desta, que subiram conjuntamente, rematando a motivação do recurso interlocutório oportunamente apresentada com as seguintes conclusões: 1ª- Nos presentes autos o arguido … encontrava-se acusado da prática, em concurso real, de um crime de injúria, previsto e punido pelos arts. 181°, nºs 1 e 2, e 180°, nº 3, do Código Penal, e de um crime de ameaça, previsto e punido pelo art. 153°, nºs 1 e 2, do Código Penal; 2ª- A acusação deduzida pelo Ministério Público contra o arguido … foi recebida pelo Mmº. Juiz pelos factos e qualificação jurídica aí constantes; 3ª- Face ao teor das declarações prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento pela testemunha …, entendeu o Ministério Público ter havido uma alteração substancial dos factos nos termos das disposições conjugadas dos arts. 1º, nº 1, alínea f), e 359°, nº 1, do Código de Processo Penal (C.P.P.), por decorrer das suas declarações que o arguido poderia ter incorrido na prática de um crime de coacção grave, previsto e punido pelo art. 155°, nº 1, alínea a), do Código Penal, pelo que requereu que fosse dado cumprimento ao disposto no art. 359° do C.P.P. e que, caso a assistente e o arguido não se opusessem, este último fosse também julgado pelos novos factos; 4ª- A assistente não se opôs ao requerido, mas opôs-se-lhe o arguido. E sobre o aludido requerimento recaiu douto despacho judicial que reconheceu ter ocorrido efectivamente uma alteração substancial dos factos no sentido apontado pelo Ministério Público, mas que, a propósito do efeito de tal alteração nos presentes autos, se limitou, no essencial, a afirmar que os mesmos não poderiam "ser tidos em conta por este Tribunal"; 5ª- No dia 22 de Outubro de 2004, o Ministério Público requereu que, face à alteração substancial dos factos verificada, fosse decretada a suspensão da instância e que fosse novamente aberto inquérito relativamente a todos os factos e não somente aos novos, invocando o doutamente decidido no Acórdão de 28 de Janeiro de 1993 do Supremo Tribunal de Justiça; 6ª- Este requerimento foi objecto de indeferimento por parte da Mmª. Juiz a quo que, no essencial, considerou inadmissível o reenvio dos presentes autos para inquérito relativamente a todos os factos e determinou que os mesmos prosseguissem os seus termos; 7ª- É este o despacho ora posto em crise; 8ª- Entende o Ministério Público que o mesmo viola o disposto no art. 97°, nº 4, do C.P.P., já que consubstancia um acto decisório que não se encontra suficientemente fundamentado, tanto de facto como de direito; 9ª- Tal omissão consubstancia uma irregularidade que ora se argúi e que, por afectar o valor do acto praticado (e ora recorrido), pode ser conhecida em sede de recurso e ordenada, em consequência, a sua reparação, nos termos do art. 123°, nº 2, do C.P.P.; 10ª- Por outro lado, o despacho em apreço faz uma incorrecta interpretação e aplicação do Direito, nomeadamente do preceituado no art. 359°, nº 1, do C.P.P., fazendo crer que o mesmo é aplicável indistintamente a quaisquer situações de alteração substancial de factos, o que não é exacto; 11ª- Este preceito, no sentido em que foi interpretado pela Mmª. Juiz a quo, tem aplicação apenas nas situações em que os factos novos apurados no decurso da audiência de julgamento sejam autonomizáveis, o que não é o caso dos autos, pois entre o crime de ameaça previsto no art. 153º, nºs 1 e 2, do Código Penal e o de coacção grave do art. 155º, nº 1, alínea a), do mesmo diploma legal existe uma relação de concurso aparente; 12ª- Tendo, supostamente, os factos sido praticados pelo arguido nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar e sendo, nos dois alegados crimes, ofendida a mesma pessoa, não poderá, pois, aquele vir a ser condenado pela prática de um crime de ameaça e de um crime de coacção; 13ª- Quando muito, poderia o arguido ser julgado nos presentes autos pela prática de um crime de injúria, o que, embora defensável, também não parece a melhor solução, por prejudicar a valoração do comportamento global do arguido; 14ª- Os factos constantes da acusação do Ministério Público e os que surgiram na sequência da produção de prova em audiência de julgamento deverão ser apreciados em conjunto, sob pena de mais tarde o trânsito em julgado da sentença proferida nos presente autos poder impedir que o arguido venha a ser julgado pelo eventual crime de coacção grave por si alegadamente praticado; 15ª- Não podendo sê-lo nos presentes autos por o arguido a isso se ter oposto, deverão tais factos ser então apreciados em conjunto depois de realizada a competente investigação relativamente a todos; 16ª- Para tanto, deveria a Mmª. Juiz a quo, atendendo à ocorrência de um motivo que o justificava, ter ordenado a suspensão da presente instância, por aplicação subsidiária das normas do Código de Processo Civil (cfr. arts. 276°, nº 1, alínea c), e 279°, nº 1, in fine, do Código de Processo Civil e 4° do Código de Processo Penal); 17ª- "Tal suspensão da instância (tendo por objecto a totalidade dos factos na reabertura do inquérito) harmoniza-se até com os princípios processuais a considerar, respeitando-se assim a descoberta da verdade, as garantias e direitos da defesa, o acusatório, a vinculação temática, e, portanto, o próprio fim da justiça do caso que norteia todo o processo pena1 (...)"; 18ª- Não se instaurará nenhum novo processo, continuando a ser o mesmo, só que regressando, por via da constatação de novos factos, à fase de investigação havendo como que uma «reabertura do inquérito» em face de...

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