Acórdão nº 517/03-1 de Tribunal da Relação de Évora, 01 de Julho de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelMANUEL NABAIS
Data da Resolução01 de Julho de 2003
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I- Submetido a julgamento, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, na Vara Mista da Comarca de …, foi o arguido A: a) absolvido da prática de um crime de abuso de poder, na forma continuada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 382° e 30º, n.º 2, do Cód. Penal; b) condenado pela prática de um crime de corrupção passiva para a prática de acto ilícito, p. e p. pelo art.° 372º, n.º 1, do C. Penal, na pena de dois anos de prisão; c) condenado pela prática de um crime p. e p. pelo artº 275º, n.º 3, do C. Penal, na verão vigente à data dos factos e actualmente p. e p. pelo art. °275º, n.º 1 do C. Penal, na redacção dada pela Lei n.° 65/98, na pena de oito meses de prisão; Juridicamente unificadas tais penas, ficou o arguido condenado na pena única de dois anos e quatro meses de prisão.

Inconformados, interpuseram recurso o MP e o arguido, sintetizando este o seu inconformismo nas seguintes conclusões: 1ª - A conduta que é imputada ao arguido, que é militar da Guarda Nacional Republicana, é violadora do dever militar e foi levada a cabo em acto de serviço.

Por estas razões ela é susceptível de integrar o crime de corrupção passiva previsto e punido pelo artº 191° do Código de Justiça Militar.

E por se tratar, assim, de um crime essencialmente militar atento o disposto no artº 1º, n.º 2, compete ao tribunal militar e não aos tribunais comuns a competência para conhecer o crime de que o arguido vem acusado, cfr. artº 313° do C.J. Militar.

  1. - No decurso do julgamento o Mº Juiz Auxiliar, Dr. Pedro Cunha Lopes, tomou posse na Policia Judiciária como Director da Direcção Central de Combate ao Banditismo, acumulando, assim, esta função policial, que lhe tolhe a independência, com a que tinha como juiz no processo do arguido. .

    O exercício destas duas funções incompatíveis entre si, não só não estão previstas no artº 69° da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, como viola o disposto no artº 216º da Constituição da Republica Portuguesa.

  2. - Compulsando os elementos de prova constantes do processo verifica-se, com facilidade, que a polícia utilizou meios enganosos, usando para o efeito um agente provocador, que acabaram por determinar a prática, pelo arguido, dos alegados crimes constantes da acusação.

    O método utilizado pela polícia para mais tarde justificar a condenação do arguido é manifestamente ilegal atento ao disposto no artº 126°, 2. a) do C. P. Penal.

  3. - As conversas entre o arguido e a suposta vítima foram assumidamente truncadas pela polícia e a transcrição da que foi seleccionada foi levada a cabo sem o conhecimento, colaboração e anuência do arguido, como, aliás, vem implicitamente reconhecido no acórdão recorrido.

    Foi empregue, assim, no inquérito um meio com preponderância sobre os restantes indícios de prova que foi destruído antes de ser possível validá-lo através do contraditório no julgamento, a fase soberana processual.

    Facto que comprometeu inexoravelmente os direitos de defesa do arguido consignados na C.R.P., artº 32°, n.º 5.

  4. - O Acórdão recorrido ao ter dado como não provados os mesmos factos que foram alegados na acusação e na contestação, provocou uma contradição insanável entre eles, cfr. artº 410º, 2. a) do C. P. Penal.

  5. - O arguido como militar da G .N .R no activo não tem dificuldade em arranjar uma arma de fogo, seja revólver ou pistola, comprando ou requisitando-a à sua Unidade.

    A explicação que deu sobre a arma dos autos que foi encontrada no seu carro, que foi corroborada por uma testemunha, não foi aceite pelo tribunal recorrido.

    A conclusão tirada sobre a existência da referida arma deixa transparecer, residualmente, dúvidas sobre a real intenção do arguido ao transportá-la no seu carro.

    Houve, assim, violação do princípio in dubio pro reo que pode e deve ser tratado em sede de erro notório na apreciação da prova, artº 410º, n.º 2. c), do C. P. Penal, por o colendo tribunal recorrido, na dúvida, ter decidido contra o arguido.

  6. - A sentença recorrida não deu, e devia ter dado, destino à pistola dos autos, violando, assim, o disposto no artº 374°, n.º 2. c) do C. P. Penal.

  7. - O arguido requer sejam conhecidas e declaradas todas as ilegalidades atrás invocadas, com todas as legais consequências.

  8. - Caso assim não venha a ser doutamente entendido, o arguido pede que sejam atendidas as circunstâncias endógenas e exógenas que rodearam a prática dos factos que lhe são imputados, com vista à suspensão da pena que eventualmente lhe venha ser aplicada.

    Por sua vez, o MP encerrou a respectiva motivação com as seguintes conclusões: 1ª- O arguido foi condenado pela prática de um crime de corrupção do artº. 372°, n° 1 do Código Penal e pela prática de um crime do art. 275°, n° 3 do Código Penal, na pena única de 2 anos e 4 meses de prisão, tendo sido absolvido da prática de um crime de abuso de poder do art. 382° do Código Penal; 2ª- O arguido foi absolvido da prática do crime de abuso de poder já que se considerou que os factos provados não integravam tal ilícito; 3ª- Neste aspecto, de acordo com a douta decisão, deu-se como provado que o arguido tinha em seu poder cheques "auto" provenientes de várias empresas de construção civil e de transporte; 4ª- No entanto, no douto acórdão considerou-se que não se provou que a posse desses cheques se destinasse à não autuação dessas empresas por parte do arguido, enquanto cabo da GNR-BT, razão pela qual o crime referido foi afastado; 5.ª- Porém, o douto acórdão não ponderou nos elementos típicos do crime de abuso de poder, na configuração de cada um deles e não analisou se estes estavam ou não preenchidos face aos factos provados; 6ª- Para preenchimento do tipo legal do crime de abuso de poder do art. 382° do Código Penal, a lei exige a verificação dos seguintes elementos: 1º- abuso de poderes ou violação de deveres pelo funcionário, em ambos os casos, inerentes à sua função; 2°- intenção de obter para si ou para terceiro benefício ilegítimo ou de causar prejuízo a outra pessoa; 3°- existência de dolo do agente; 7ª- Face aos factos provados estão preenchidos todos os elementos deste crime, independentemente de não se ter provado que o arguido com tal actuação visava a não autuação das empresas legitimamente detentoras desses cheques; 8ª- Na verdade, em primeiro lugar foi violado o dever de isenção a que o arguido estava submetido, enquanto funcionário do Estado e cabo da GNR-BT, consistente no não recebimento de vantagens decorrentes das funções públicas que desempenhava; 9ª- Por outro lado, ocorreu prejuízo para as empresas detentoras de tais cheques, já que estes foram utilizados fora da sua finalidade e sem comprovada contrapartida; 10ª- Finalmente, não é necessário para a consumação do crime que o agente pratique qualquer acção ou omissão concreta, pois para tal basta que o agente pratique acto ou facto abusivo das suas funções, sendo irrelevante a efectiva verificação de dano ou vantagem para o agente ou para terceiro; 11ª- Pelo exposto, entende-se que os factos provados integram o crime de abuso de poderes do art. 382° do Código Penal, nada mais exigindo a lei que obste à sua verificação; 12ª- O arguido deverá ser condenado na pena de prisão de 1 ano, pela prática deste aludido crime, de acordo com os critérios estabelecidos no douto acórdão para a fixação das penas relativas aos outros crimes, procedendo-se ao pertinente cúmulo jurídico; 13ª- Para além da pena de prisão deverá ainda ser aplicada a pena acessória de proibição do exercício de funções prevista no art. 66°, n° 1 do Código Penal, face ao teor do douto acórdão; 14ª- Com efeito, estão preenchidos todos os requisitos legais para a aplicação desta pena acessória, a saber: a) o crime foi cometido pelo arguido no exercício da sua actividade de agente de autoridade, enquanto cabo da GNR-BT; b) o crime de corrupção passiva praticado é punido com a pena abstracta de 1 a 8 anos de prisão; e c) na douta decisão considerou-se, face aos factos praticados, que houve um grau de violação muito intenso dos deveres funcionais; 15ª- Assim sendo, atenta a graduação da pena principal para o crime de corrupção, entende-se que a pena acessória de proibição do exercício de função não poderá ser inferior a 2 anos; 16ª- O douto acórdão recorrido violou o disposto nos artºs 382° e 66°, n° 1, al. a) do Código Penal, ambos por não terem sido aplicados ao caso dos autos; 17ª- O douto acórdão recorrido interpretou o disposto no art. 382° do Código Penal, no sentido de não estar verificado tal crime em face dos factos provados, quando tal norma deveria ter sido interpretada no sentido de estarem preenchidos todos os elementos do mesmo crime face ao que se provou no douto acórdão; 18ª- O douto acórdão recorrido interpretou o disposto no art. 66°, n° 1, al. a) do Código Penal no sentido de não aplicação da pena acessória aí consagrada ao caso dos autos, quando tal norma deveria ter sido interpretada no sentido da sua aplicação ao caso dos autos já que a arguida cometeu o crime de corrupção do art. 372°, n° 1 do Código Penal, no exercício das suas funções como cabo da GNR-BT e com grave violação dos seus deveres funcionais.

    Termos em que deverá ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, alterado o douto acórdão recorrido, condenando-se o arguido pela prática do crime de abuso de poderes do artº 382°, n° 1 do Código Penal na pena de 1 ano de prisão e na pena acessória de proibição do exercício da função de cabo da GNR pelo período de 2 anos nos termos do art. 66°, n° 1. al. a) do Código Penal.

    MP e Arguido contramotivaram, pugnando o MP pela improcedência do recurso interposto pelo Arguido, e este pelo não provimento do recurso interposto pelo MP.

    O Exº Procurador-Geral-Adjunto nesta Relação emitiu douto parecer no sentido de que "a manutenção do Mº Juiz Pedro Cunha Lopes no Tribunal colectivo que procedeu ao julgamento, numa altura em que tinha sido já nomeado dirigente da P.J. [...] acarreta [...] a sua...

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