Acórdão nº 0341486 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 04 de Junho de 2003 (caso NULL)
Magistrado Responsável | ANTÓNIO GAMA |
Data da Resolução | 04 de Junho de 2003 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação do Porto: O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, para além do mais que agora não releva, decidiu: Declarar o arguido João..., inimputável perigoso e aplicar-lhe a medida de segurança de internamento em estabelecimento psiquiátrico, por período não inferior a 3 (três) anos, contados desde 20/06/2002, e não superior a 10 (dez) anos e 8 (oito) meses. Para tal, considerou que o arguido com a sua conduta, preencheu, no que seria um concurso efectivo real, os elementos objectivos do tipo de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo art.º 6º da Lei 22/97, de 27/06, com a redacção que lhe foi dada pela Lei 98/01, de 25/08, um crime de homicídio simples na forma tentada, p. e p. pelos artºs 131º, 22º e 23º do CP, e um crime de dano, p. e p. pelo art.º 212º/1 do CP, mas actuou em estado de inimputabilidade.
Inconformado, com a decisão, o arguido, interpôs o presente recurso, rematando a pertinente motivação, com as seguintes conclusões, que se transcrevem: - Deve ser alterada a matéria de facto provada e não provada, por ter ocorrido incorrecto julgamento dos factos discutidos nos autos, designadamente dos elencados nas alíneas j) e l) da matéria de facto tida como provada.
- Deve ser considerado provado nos autos que durante todo o dia, recusou-se o arguido a fazer entrega da arma à autoridade policial, e que cerca das 18h45 desse mesmo dia, vislumbrando o arguido um grupo de jornalistas nas imediações da sua residência, a cerca de 40 metros de distância da mesma, abeirou-se de uma das janelas da varanda, gritou na sua direcção, e de seguida, empunhou a caçadeira na direcção do local onde aqueles antes se encontravam e onde já não se encontrava ninguém, por se terem refugiado para fora do campo de visão de arguido, sendo que um deles ficou atrás de uma árvore, a coberto de qualquer tipo de tiro, e este efectuou um disparo, sem intenção de atingir ninguém, como efectivamente não atingiu.
- Deve ser considerado não provado que o arguido tenha sublinhado sempre que caso alguém tentasse aproximar-se da casa, nomeadamente autoridade, não deixaria de fazer uso da arma, sendo-lhe indiferente os tiros que pudesse levar, pois sempre conseguiria matar, pelo menos um, e que cerca das 18h45 tenha apontado a caçadeira e disparado na direcção do grupo de jornalistas e que só não os tenha atingido porque estes se conseguiram refugiar atrás de umas árvores ali existentes.
- O arguido não praticou os factos que preencham os elementos objectivos do tipo de crime de homicídio simples, na forma tentada, pelo que deve o mesmo ser absolvido.
- Deve ser julgado extinto o procedimento criminal contra o arguido pelo crime de dano, p. e p. pelo art.º 212º n.º 1 do Código Penal, por ausência de queixa válida e ilegitimidade do Ministério Público para o procedimento criminal.
- Ao arguido deve ser aplicada medida de segurança de internamento em estabelecimento psiquiátrico, por período não inferior a 1 ano e não superior a 2 anos, contados desde 20.6.02.
- Foram violados os art.º 48º, 49º e 127º do Código Processo Penal, e os artºs 22º, 23º, 131º, 113º, 212º n.º 3 e 91º do Código Penal.
Pede a rectificação do julgamento da matéria de facto conforme referido nas conclusões 1ª, 2ª e 3ª, a absolvição do crime de homicídio simples na forma tentada, que se julgue extinto o procedimento criminal pelo crime de dano e se reduza a medida de internamento ao período mínimo de um ano e máximo de dois anos.
Admitido, o recurso o Ministério Público respondeu concluindo pela manutenção da decisão recorrida.
Já neste Tribunal o Ex.mo Procurador Geral Adjunto foi de parecer que o recurso não merece provimento.
Cumpriu-se o disposto no art.º 417º n.º 2 do CPPenal e após os vistos realizou-se audiência.
Factos provados: a) No dia 19/06/2002, perto da meia noite, na sua residência, situada na estrada do..., em Bragança, o arguido, que não é titular de qualquer licença de uso e porte de arma, muniu-se de uma caçadeira, marca "Robust - Brevet SGDC", com o n.º de série 721176, de calibre 12, canos paralelos, registada em nome de João Batista Anes, seu falecido pai, e que se encontrava guardada em cima do guarda-fatos do quarto da sua mãe, e efectuou um disparo, para o ar, a fim de avaliar a sensibilidade do gatilho da mesma; b) Já pelas 11.00 horas do dia seguinte, 20/06/2002, o arguido voltou a munir-se da referida arma, carregando-a com dois cartuchos, e passou então a vedar o acesso a casa, a quem quer que fosse, com excepção da respectiva progenitora, com quem vivia; c) Ao fazê-lo, assegurou sempre que utilizaria tal arma, caso alguém o pretendesse fazer contra a sua vontade, sublinhando que tudo assim se manteria enquanto a mãe, ou o irmão, não lhe efectuassem a entrega de 10.000 € (dez mil Euros), montante esse a que se considerava com direito, por sucessão, na sequência do falecimento do respectivo progenitor; d) Ainda durante a manhã, conseguiu a mãe do arguido fazer com que a sua casa se deslocasse a médica que o seguia no CAT de Bragança, Dr.ª Filomena Carmona, a qual o encontrou a ver televisão, com o volume do som muito alto e com a caçadeira ao seu lado; e) O arguido, logo que a avistou, olhou-a agressivamente e disse-lhe que se fosse embora, pois, senão, a punha na rua, porque os do CAT eram todos uns assassinos, queriam matá-lo, e, até a própria mãe lhe queria colocar qualquer coisa na comida, para lhe fazer mal, e retirou-se, de seguida para o seu quarto; f) Perante isto, a Sr.ª Dr.ª Filomena Carmona, deixou dois comprimidos, da medicação que considerava adequada, à mãe do Arg., para que esta tentasse convencê-lo a tomá-la, e retirou-se; g) Já pelas 16.30 horas, vendo o arguido que a exigência da entrega do dinheiro lhe não era satisfeita, de modo a assustar a mãe e a pressionar a fazê-lo, ou um seu irmão mais velho, que reside em Viseu, efectuou um disparo na sala, contra um televisor, destruindo-o completamente; h) De seguida, acrescentou à mãe e à entidade policial, que continuaria a provocar estragos nos bens da família, bem como a impedir a entrada de terceiros na casa, enquanto não lhe fosse entregue o dinheiro; i) Durante todo o dia o Arg. manteve uma atitude agressiva perante qualquer pessoa que se aproximasse da sua casa, embora nunca tenha impedido a sua mãe de entrar e sair da mesma; j) Durante todo o dia, recusou-se o Arg. a fazer a entrega da arma à autoridade policial, sublinhando sempre que, caso alguém tentasse aproximar-se da casa, nomeadamente tal autoridade, não deixaria de fazer uso da mesma, sendo-lhe indiferente os tiros que pudesse levar, pois sempre conseguiria matar, pelo menos, um.
k) Nomeadamente, mostrou desagrado perante a presença de jornalistas e operadores de câmara; l) Cerca das 18.45 horas desse mesmo dia, vislumbrando o Arg. um grupo de jornalistas nas imediações da sua residência, a cerca de 40 metros de distância da mesma, abeirou-se de uma das janelas da varanda, gritou na sua direcção "Tenho que me chatear?" e, de seguida, empunhou a caçadeira, apontou-a na direcção daqueles, que nesse momento se refugiaram para fora do campo de visão do Arg., sendo que um deles ficou atrás de uma árvore na linha de tiro do Arg., e efectuou um disparo, não tendo atingido qualquer deles; m) Nos disparos que efectuou, o Arg. usou cartuchos carregados com chumbo n.º 5; n) Cerca das 20.20 horas, apercebendo-se novamente da presença de um operador de câmara, perto da parte frontal da casa, correu na sua direcção, munido da caçadeira, e tentou-lhe desferir várias golpes nas costas, com a respectiva "coronha", só não o tendo conseguido, em virtude de este ter colocado a câmara de filmar, como objecto de interposição; o) Com as pancadas que desferiu, o Arg. acabou por partir o iluminador da câmara e o respectivo monitor de vídeo, causando prejuízos em valor que não foi possível determinar com precisão; p) Aos 13 anos o Arg. iniciou o consumo de "haxixe" e "marijuana", e aos 17 iniciou o consumo de "heroína" e "cocaína", revelando crises de agressividade em situações de privação das mesmas e nos momentos de desintoxicação da cocaína; q) Em finais de Junho de 2002 o Arg. regressou de Espanha, tendo então passado a revelar actividade psicótica paranóide, afirmando que o perseguiam, que lhe tinham posto qualquer coisa na droga, que a mãe lhe punha qualquer coisa na comida, tudo por existir uma conspiração contra ele; r) No entanto, embora tal comportamento não tenha atingido actividade alucinatória, passou a evidenciar ausência de juízo crítico para a actividade delirante enunciada; s) O Arg. tem antecedentes de alterações comportamentais, agravadas sobretudo a partir da adolescência, altura em que iniciou o consumo de drogas, nomeadamente "cocaína". Tais alterações comportamentais inscrevem-se num quadro psicopatológico em...
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