Acórdão nº 01S888 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Novembro de 2001 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelMÁRIO TORRES
Data da Resolução14 de Novembro de 2001
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, 1. Relatório 1.1. "A" e B intentaram, em 26 de Maio de 1999, no Tribunal do Trabalho de Évora, acção declarativa, com processo sumário, contra a Freguesia da Horta das Figueiras, pedindo a declaração da ilicitude do despedimento de que teriam sido alvo e a condenação da ré no pagamento, a cada um dos autores, da quantia de 176 700$00, a título de salários não pagos desde a data do despedimento até ao termo certo aposto aos respectivos contratos, acrescida dos juros respectivos até integral pagamento, à taxa legal, e dos subsídios de transporte e alimentação devidos

Aduziram, para tanto, em suma, que: (i) celebraram com a ré os "acordos de actividade ocupacional" de fls. 6-9 e 10-13, com início em 13 de Março de 1998 e termo previsto para 30 de Setembro do mesmo ano; (ii) esses acordos foram celebrados no âmbito da Portaria n.º 192/96, de 30 de Maio, que incentiva a criação de actividades ocupacionais de trabalhadores desempregados em situação de comprovada carência económica; (iii) nos termos desses acordos, os autores obrigaram-se a trabalhar sob a autoridade e direcção da ré, com sujeição a horário de trabalho, mediante pagamento de salário correspondente ao valor máximo do salário mínimo nacional, acrescido de subsídios de transportes e alimentação; (iv) em 30 de Junho de 1998, data em que se encontravam de baixa médica, os autores foram surpreendidos com cartas da ré, que punham fim ao contrato realizado entre ambos; (v) esta rescisão do contrato é ilegal e viola cláusulas dos acordos celebrados, pois não se verifica nenhuma das situações previstas na cláusula 6.ª, ao que acresce que aos autores não foi enviada qualquer nota de culpa nem instaurado processo disciplinar; (vi) assim, o despedi-mento dos autores é ilícito, tendo eles direito ao pagamento dos salários que lhes deixaram de ser pagos desde a data da rescisão até ao termo previsto para o contrato, isto é, os salários correspondentes aos meses de Julho, Agosto e Setembro de 1998, no total de 176 700$00 para cada um

A ré contestou (fls. 32 e 33), alegando que: (i) os Acordos de Actividade Ocupacional foram celebrados na sequência de candidatura da ré ao Projecto Ocupacional do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), sendo este Instituto que procede ao pagamento mensal das pessoas integradas no Projecto, em montante por ele fixado e em cuja determinação a ré não teve qualquer intervenção, cabendo-lhe tão-só o pagamento de seguro e de subsídio de refeição; (ii) a cessação dos Acordos surgiu na sequência de várias chamadas de atenção verbais, por parte da ré, sobre o mau ambiente que os autores criavam junto dos restantes trabalhadores e sobre a sua pouca produtividade, e, no caso do primeiro autor, que se encontrava de baixa, ainda pela necessidade de pessoal para desenvolver trabalhos urgentes na conservações de escolas

1.2. Realizada audiência de julgamento, foi ditada para a acta, em 24 de Janeiro de 2000, a sentença de fls. 59 a 64, que, após fixar a matéria de facto considerada provada e considerar competente o tribunal do trabalho para conhecer da acção, julgou esta procedente, condenando a ré no pedido

1.2.1. A matéria de facto considerada provada foi a seguinte: 1) No dia 13 de Março de 1998 os autores celebraram com a ré os contratos de fls. 6 a 13, que se deram por reproduzidos; 2) Os autores auferiam a retribuição mensal correspondente ao salário mínimo nacional, acrescido do subsídio de alimentação e transporte; 3) Os autores estavam sujeitos a horário de trabalho e à justificação das respectivas faltas; 4) No dia 30 de Junho de 1998, a ré rescindiu os contratos nos termos da carta de fls. 14, que se deu por reproduzida; 5) Não foi instaurado processo disciplinar nem a rescisão foi precedida de qualquer outra formalidade

1.2.2. Relativamente à questão da competência do tribunal em razão da matéria, a sentença ponderou o seguinte: "A questão que imediatamente se coloca face aos contratos de fls. 6 e seguintes é a da competência deste Tribunal em razão da matéria. Para decidir tal questão, há que, antes de mais, averiguar se estamos perante um contrato de trabalho, sendo certo que este Tribunal é o competente para tal verificação. A realização dos contratos em causa face à Portaria n.º 192/96, de 30 de Maio, ao abrigo da qual os mesmos foram celebrados, acarreta dúvidas fundamenta-das e de difícil resolução

Desde logo, como decorre da referida Portaria, trata-se de um pro-grama ocupacional que não visa ocupar postos de trabalho

Por outro lado, visam os mesmos ocupar trabalhadores subsidiados, ou seja, beneficiários do subsídio de desemprego, e ainda os trabalhadores em situação de desemprego e comprovada carência económica

Conclui-se daqui que estamos perante contratos celebrados com o aval do Estado e inseridos no âmbito de uma política eminentemente social, ainda que sem perder de vista o fim laboral e de formação profissional. Visa-se, por um lado, manter as pessoas ocupadas de forma a restituir-lhes a dignidade e o sentimento de utilidade social e não apenas de meros recebedores de um subsídio sem nada prestarem em troca, ao mesmo tempo que esta inactividade é causa de degradação profissional, e, por outro, colher dessa actividade um resultado útil à sociedade

E daí que o Estado, ao mesmo tempo que através do IEFP paga as prestações mensais, obriga por outro lado a que o trabalho tenha um fim de utilidade pública e social e só possa ser prestado em entidades públicas ou de solidariedade social

Por outro lado, a sociedade paga as prestações, beneficiando em contrapartida do resultado da actividade desenvolvida

Assim, no plano meramente ético, parece ser de afastar a caracterização dos contratos como de trabalho, até porque, no fundo, se visa possibilitar a celebração de contratos de trabalho com outras entidades, como resulta do preâmbulo da portaria, do facto de não poderem ser ocupados postos de trabalho e ainda, entre outros, do direito do trabalhador a um dia por semana para efectuar diligências à procura de emprego (artigo 8.º, n.º 9). Mas se isto é certo no plano ético e de política social, a conclusão poderá ser bem diversa se atentarmos nos contratos concretamente celebrados

Nos termos dos contratos, os autores obrigam-se a desenvolver, por conta da ré, a sua actividade, cumprindo um horário de trabalho, sendo obrigados a justificar as suas faltas, as quais poderiam conduzir à própria rescisão do contrato e estavam sujeitos às ordens, direcção e fiscalização da ré, que mensalmente lhes pagava como contrapartida da actividade desenvolvida, ainda que não com verbas próprias, mas recebidas do IEFP. O artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 49 408 define contrato de trabalho como aquele pelo qual uma pessoa se obriga mediante retribuição a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa sob a autoridade e direcção desta

Vista esta definição e as características e normas dos contratos celebrados, a conclusão que necessariamente se impõe é de que, independentemente dos fins e objectivos governamentais visados com tais programas, efectivamente se celebraram e são verdadeiros contratos de trabalho, não sendo esta conclusão de forma alguma arredada pelo facto de não ser a entidade recebedora da actividade a pagar a contraprestação com dinheiros seus, mas vindos do IEFP

Assim, e porque em minha opinião os contratos celebrados entre autores e ré devem ser qualificados como de trabalho, teremos que concluir que este Tribunal é o competente." 1.2.3. Finalmente, apreciando o mérito da causa, a sentença da 1.ª instância fundamentou a sua procedência do seguinte jeito: "Como já acima se referiu, os contratos que os autores celebraram com a ré são contratos de trabalho e a termo certo, como deles mesmo resulta e ao abrigo da Portaria n.º 192/96, de 30 de Maio. Em consequência do referido, tais contratos apenas poderiam cessar nos termos dos artigos 46.º e 52.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro

Está provado que não foi instaurado aos autores qualquer processo disciplinar e que os contratos foram rescindidos antes do seu termo, em 30 de Junho de 1998, através da carta de fls. 14, que aqui se dá por reproduzida. Dado que não foi instaurado processo disciplinar e a cessação ocorreu antes do seu termo, têm os autores a haver, nos termos do citado artigo 52.º, n.º 2, alínea a), o valor correspondente às retribuições que deixaram de auferir até ao termo dos contratos, uma vez que tal comunicação de 30 de Junho de 1998 sempre logrou operar a rescisão dos contratos

Atendendo ao pedido formulado, têm os autores a haver da ré as retribuições correspondentes aos meses de Julho, Agosto e Setembro, no montante de 176 700$00 cada um e num total de 353 400$00." 1.3. Contra esta sentença interpôs a Junta de Freguesia da Horta das Figueiras recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora, sustentando a incompetência dos tribunais do trabalho para conhecer da causa, por os Acordos de Actividades Ocupacionais celebrados entre autores e ré não constituírem contratos de trabalho, acrescentando que "a Lei Orgânica dos Tribunais, no seu artigo 64.º, não inclui na competência cível dos Tribunais de Trabalho as questões relacionadas com os Acordos de Actividades Ocupacionais, pelo que, para as mesmas serão, em princípio, competentes os Tribunais Judiciais nos termos do artigo 14.º" (alegações de fls. 66 a 68). O Tribunal da Relação de Évora, por acórdão de 12 de Dezembro de 2000 (fls. 83 a 87), concedeu provimento ao recurso, revogou a decisão recorrida e absolveu a ré da instância, por entender que procedia a excepção da incompetência material do tribunal do trabalho para conhecer da causa, uma vez que os Acordos de Actividade Ocupacional não integram contratos de trabalho

1.3.1. Para tanto, o Tribunal da Relação de Évora, por considerar relevante para a decisão do recurso, aditou à matéria de facto apurada os seguintes factos...

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