Acórdão nº 015/17 de Tribunal dos Conflitos, 19 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução19 de Outubro de 2017
EmissorTribunal dos Conflitos

CONFLITO nº 15/17-70.

Acordam no Tribunal dos Conflitos: I Em 7 de abril de 2016, a COMPANHIA DE SEGUROS B………., SA, remeteu ao Procurador da República no Tribunal da Comarca de Beja - Instância Central - Secção do Trabalho, uma participação relativa a um acidente ocorrido em 22 de janeiro de 2015, de que foi vítima A………., invocando o disposto no artigo 90.º, n.º 3, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro - Lei dos Acidentes de Trabalho.

O sinistrado, nas circunstâncias em que ocorreu o acidente, encontrava-se ao serviço do Município de Moura, nos termos de um "contrato emprego-inserção" para desempregados beneficiários de Rendimento Social de Inserção e desempenhava as funções de pedreiro, na recuperação de áreas urbanas degradadas.

Em 29 de setembro de 2016, por despacho do Juiz titular do processo naquela Secção do Trabalho na Instância Central da Comarca de Beja, sob promoção do Ministério Público, foi declarada a incompetência material daquele Tribunal Judicial para conhecer do acidente em causa, declarando-se como competente para o efeito o Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja.

Remetido o Processo a este Tribunal da Jurisdição Administrativa, foi ali proferido despacho, datado de 22 de novembro de 2016, em que se declarou a incompetência material do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja para conhecer do referido acidente.

Transitada em julgado esta decisão, por despacho de 21 de fevereiro de 2017, foi determinada a remessa do processo a este Tribunal dos Conflitos, para resolução do conflito de jurisdição.

Este despacho é do seguinte teor: «Considerando que, nestes autos, existe um conflito negativo de jurisdição, uma vez que tanto o Tribunal de Trabalho de Beja como este Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja declinaram o poder de conhecer da presente causa, por incompetência em razão da matéria (artigos 109.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil (CPC)); E considerando que, existindo um conflito de jurisdição, deve ser pedida a sua resolução ao Tribunal dos Conflitos, por ser este o competente para o resolver (artigo 110.º, n.º 1, do CPC); Suscita-se, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 111.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a resolução do presente conflito de jurisdição junto do Exmo. Presidente do Tribunal dos Conflitos. Notifique-se as partes e remeta-se o processo ao Tribunal dos Conflitos.» Neste Tribunal, o processo foi apresentando ao Ministério Público, vindo o Exm.º Procurador Geral adjunto a proferir parecer que integrou a seguinte síntese conclusiva: «Impõe-se assim concluir que o beneficiário sinistrado não celebrou com a entidade promotora qualquer contrato de trabalho gerador de uma relação jurídica de trabalho subordinado, seja de natureza privada, seja de natureza administrativa: a sua situação, à data do acidente, era de desempregado, com direito a uma bolsa de ocupação mensal, de montante igual ao valor do IAS, pela execução de trabalho socialmente necessário.

Em consequência, o acidente dos autos, não tendo ocorrido no quadro da vigência de um contrato individual de trabalho ou de um contrato de trabalho em funções públicas, não reveste as características de acidente de trabalho nem de acidente em serviço para cujo conhecimento seriam, nestes casos, competentes, respetivamente, o Tribunal de Trabalho ou o Tribunal Administrativo e Fiscal, - cf. artº 126º/1, c) da LOSJ e artºs 1º/1, 4º/1, o) e 4, b) do ETAF, designadamente.

Pelo exposto, deverão, em nosso parecer, arquivar-se os autos.» Foi remetida eletronicamente cópia do presente acórdão aos Exmºs Juízes Adjuntos.

Cumpre decidir.

II 1 - O despacho proferido pela Secção do Trabalho de Instância Central da Comarca de Beja, em que se declarou a incompetência material daquele tribunal para conhecer do presente acidente, fundamentou-se, essencialmente, no seguinte: «A Digna Magistrada do Ministério Público, veio, na senda do alegado pela seguradora, alegar que a situação aqui em apreço não está abrangida pela exceção constante do n.º 4 do art. 4.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas que permite a aplicação do regime jurídico laboral, em matéria de acidentes de trabalho, inserindo-se a resolução da pretensão do sinistrado na competência da jurisdição administrativa, nos termos do estatuído no art. 2º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20.11.

Encontramo-nos, deste modo, perante uma exceção processual dilatória, e, verificando-se um vício de caráter processual, cuja procedência originará a remessa do processo para outro tribunal (cf. artigo 577.º nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil) a mesma pode, e deve, ser conhecida oficiosamente pelo julgador, logo que, o facto impeditivo conste nos autos.

A exceção no caso vertente, é considerada uma exceção em sentido impróprio, uma vez que, a sua relevância processual não depende da vontade da parte a quem aproveita mas, opera ipso jure.

Os autos fornecem, desde já, todos os elementos necessários à decisão desta exceção, pelo que, cumpre decidi-Ia, uma vez que é de conhecimento oficioso em qualquer estado do processo nos termos dos artigos 96º e 97., ambos do Código de Processo Civil.

(...) Atento o pedido formulado pelo Autor/sinistrado, importa definir, antes de mais, qual o verdadeiro objeto da presente ação, isto é, qual o efeito jurídico pretendido pelo autor com a participação - pedido - pois dessa determinação depende a decisão a tomar quanto à competência versus incompetência, em razão da matéria, deste tribunal.

Atentos os elementos constantes dos autos, verificamos que o Autor é funcionário da Câmara Municipal de Almodôvar e sofreu um acidente de trabalho no exercício das suas funções, sendo beneficiário da Caixa Geral de Aposentações.

In casu, há que apreciar, antes de mais, a caracterização da relação material controvertida. Para tanto, importa considerar a qualidade dos sujeitos processuais, e a natureza da sua intervenção no caso dos autos.

A caracterização da relação jurídico-administrativa reside no ato sujeito a apreciação, ou seja "uma relação da vida social disciplinada pelo direito administrativo e dirigida à satisfação do interesse público ou das necessidades coletivas e que resulta da atividade da administração desenvolvida sob a égide do direito público" (cf. Manuel de Andrade. - in "Teoria Geral", vol. 1, pág. 2, e Freitas do Amaral, in "Curso de Direito Administrativo",1 vol.. págs. 132 e 134), sendo que a linha de demarcação da competência dos tribunais administrativos reside na existência dessa mesma relação jurídica.

Ainda de acordo com Freitas de Amaral, in "Direito Administrativo", III vol., pág. 423 e segs, (poligrafado), a relação jurídica administrativa é aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a Administração. Este tipo de relação jurídica, pressupõe assim a intervenção da Administração Pública investida do seu poder de autoridade "jus imperium", impondo aos particulares restrições que não têm na atividade privada. É para dirimir os conflitos de interesses surgidos no âmbito destas relações e com vista à garantia do interesse público que se atribui competência específica aos tribunais administrativos. É por aqui que se deve caminhar quando se pretende saber o que é ou não da competência dos tribunais administrativos.

No caso vertente, temos por um lado, o Autor, sinistrado enquanto sujeito de uma relação de trabalho em funções públicas, e por outro, a entidade empregadora uma pessoa coletiva de direito público de natureza empresarial.

Por seu turno, a Lei n.º 62/2016 de 26 de agosto, estabelece, no seu artigo 37.º, que “(…) 1 - Na ordem interna, a competência reparte-se pelos tribunais judicias segundo a matéria, a hierarquia, o valor e o território.(…) complementando o artigo 40.º do mesmo diploma legal que "(...) 1 - São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.(...)"; tal como também se encontra estabelecido no artigo 64.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho.

Daí que se diga com frequência que os tribunais judiciais são tribunais de competência genérica e residual, julgando as causas que não estão especialmente atribuídas por lei a outras entidades.

Aos tribunais administrativos e fiscais reserva a Constituição da República Portuguesa o conhecimento das questões que tenham por objeto dirimir litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais - cf. artigo 212.º, n.º 3.

No Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro, determina-se que os tribunais integrados na jurisdição administrativa e fiscal exercem a justiça em nome do povo nos litígios emergentes das relações administrativas e fiscais, cf. artigo 1.º, n.º 1.

(...) E assim é de concluir que sendo a relação jurídica controvertida na ação uma relação jurídico-administrativa, é competente em razão da matéria a jurisdição administrativa.» (…) Nos termos do disposto no artigo 99º, nº 1, do Código de Processo Civil, a verificação da incompetência absoluta implica a absolvição do réu da instância.

Ora, considerando o supra expendido, e a questão concreta dos presentes autos, o tribunal competente para apreciar a eventual existência de um acidente de serviço ocorrido com um funcionário público subscritor da Caixa Geral de Aposentações (como acontece no caso em apreço nos autos), é, do nosso ponto de vista, o Tribunal Administrativo, nos termos supra mencionados, e previstos pelo n.º1 do artigo 4.º do ETAF, considerando ademais que o caso em apreço nos autos não se mostra excluído da jurisdição dos tribunais administrativos, considerando os n.ºs 2 e 3 do artigo 4.º conjugado com os artigos 1º, 2.º e 48.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, neste sentido se pronunciou o Tribunal de Conflitos por...

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