Acórdão nº 02P3316 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Novembro de 2002 (caso NULL)
Magistrado Responsável | SIMAS SANTOS |
Data da Resolução | 14 de Novembro de 2002 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:I O Tribunal Colectivo do Montijo (proc. comum colectivo n.º 75/01.5GCMTJ - 2º Juízo), por acórdão de 12.7.2002, decidiu, além do mais: 1. julgar a acusação, com a alteração não substancial dos factos ocorrida em audiência, procedente, por provada, e consequentemente condenar o arguido FC, com os sinais dos autos, como autor material de: a) 1 crime de homicídio qualificado dos artºs 131º e 132º nºs 1 e 2 al. i), na pena de 20 anos de prisão; b) 1 crime de burla qualificada dos art.ºs 217º nº 1 e 218º nº 1, na pena de 2 anos de prisão; c) 1 crime de detenção e uso ilegal de arma de defesa dos artºs 1º e 6º da Lei 22/97, na pena de 1 ano de prisão; 2. Em cúmulo jurídico, condenar o arguido FC na pena única de vinte e um anos e seis meses de prisão; 3. Julgar o pedido cível parcialmente procedente, por apenas parcialmente provado, e consequentemente condenar o arguido/demandado a pagar: a) aos demandantes MGM, MCM e MM a quantia de € 12469,95, acrescida de juros de mora à taxa de 7% ao ano desde 05.12.00 e até integral pagamento; b) aos demandantes MGM, MCM e MM a quantia de € 25.000 (vinte e cinco mil euros), acrescida de juros de mora à taxa de 7% ao ano desde 13.05.2002 e até integral pagamento; c) à demandante MGM a quantia de € 21.147,24 (vinte e um mil cento e quarenta e sete euros e vinte e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa de 7% ao ano desde 13.05.2002 e até integral pagamento; d) à demandante MGM a quantia que se liquidar em execução de sentença, a título de lucros cessantes, pelo contributo da vitima para o sustento da viúva; e) à demandante MCM a quantia de € 10.000, acrescida de juros de mora à taxa de 7% ao ano desde 13.05.2002 e até integral pagamento; f) ao demandante MM a quantia de € 10.000, acrescida de juros de mora à taxa de 7% ao ano desde 13.05.2002 e até integral pagamento; absolvendo-o do restante peticionado; II Inconformado, o arguido recorreu para este Tribunal, e pede que seja decretada reduzida a medida da pena por crime de homicídio para um limite não superior a doze anos, e encontrado entre os 8 e os 12 anos; decretada a substituição das medidas de prisão efectiva para os crimes de burla e de detenção e uso ilegal de arma de defesa, por outras não privativas da liberdade.
Para tanto concluiu na sua motivação (transcrição): l. O acórdão recorrido qualificou erradamente o crime de homicídio, como crime de homicídio qualificado, p. e p. nos termos do artigo 132.º do Código Penal, avaliando mal a conduta global do arguido e as circunstâncias do crime, não considerando, como se impunha, todos os factores que, sendo favoráveis ao arguido, determinariam a aplicação de uma pena menos gravosa.
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O conceito de conduta especialmente censurável não encontra base factual, no âmbito dos factos dados como provados, que permita o enquadramento do crime praticado, no previsto no artigo 132.º n.º 2 al. i), o que consiste num manifesto erro de direito, porquanto a disposição legal aplicável é a do artigo 131.º do referido diploma.
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A aplicação de uma pena de 20 anos de prisão efectiva pela pratica do crime de Homicídio qualificado, violou expressamente, o disposto no artigo 71.º n.º 1 e 2, ao não ter em devida consideração os factos provados (Facto 52 ao Facto 57 do douto acórdão) A pena aplicável ao caso deverá ser encontrada entre os 8 anos e os 12 anos, considerando-se todos os elementos globalmente considerados, favoráveis ao arguido e já salientados na presente motivação (factos 52 ao 57 do douto acórdão), se considerarmos o facto de o arguido ser primário, a sua situação familiar e a possibilidade evidente de o mesmo poder voltar a integrar-se na sociedade, obtendo-se com sucesso a sua ressocialização.
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O douto acórdão viola expressamente o disposto no artigo 70º e 71º nºs 1 e 2 do Código Penal ao determinar a prisão efectiva para o crime de burla qualificada, qualificação que adiante se coloca em causa, tendo em conta que o fim de prevenção geral, tendo em conta o concurso de crimes, é assegurado no que se refere ao crime de burla se de posse ilegal de arma de defesa, pela medida aplicada ao crime de homicídio.
A fundamentação expressa no douto acórdão é contrária ao direito e ao espírito da lei, no caso a aplicação de uma pena não privativa da liberdade, apresenta-se adequada pelos fundamentos anteriormente expressos.
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Só uma análise meramente automática e matemática poderá determinar a qualificação do crime de burla como sendo de burla qualificada, tendo em conta o valor correspondente a 2.500.000$00, ainda assim nos termos do disposto no artigo 218º nº 1 do Código Penal, a aplicação de uma pena não privativa da Liberdade é ali prevista, o que deveria ter resultado se o acórdão aplicasse com justiça o disposto no artigo 70º do Código Penal.
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No que ao crime de detenção ilegal de arma de defesa, a aplicação de um ano de prisão efectiva, viola o disposto no artigo 70º e 71º nºs 1 e 2 do Código Penal, mesmo considerando-se a arma em questão uma arma proibida para efeitos do disposto na lei, a pena de prisão efectiva apresenta-se injusta e violadora do disposto nos artigos supra referidos.
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O douto acórdão baseia-se em considerações sem suporte técnico ou científico para determinar a medida das penas, quando refere que o arguido tem "Personalidade mal formada", baseando-se para esta análise na negação do arguido de parte dos factos, penalizando o arguido por um acto que resulta do seu direito de defesa, violando assim as normas penais anteriormente referidas (artigos 70º e 71º) do Código Penal, bem como o direito à sua defesa.
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Ao arguido não deverá ser aplicada uma pena superior a 12 anos devendo a mesma ser encontrada entre os 8 e os 12 anos, bem como aos crimes de Burla e de detenção ilegal de arma de defesa não deverão ser aplicadas penas privativas da liberdade, pois não contribuem para os fins de prevenção 10º No que ao pedido cível diz respeito o montante da indemnização no caso em apreço apresenta-se violento, tendo em conta que o arguido não possui condições financeiras no presente e no futuro para pagar.
O acórdão não teve em consideração a situação financeira do arguido e do seu agregado familiar que dele depende na totalidade, nem teve em atenção o facto de os lesados serem pessoas que possuem uma situação financeira estável.
do Código Civil, e consequentemente os artigos 562º, 566º, 564º do Código Civil por má aplicação do direito.
Deverá o montante da indemnizações determinadas no pedido cível ser equitativamente reduzido para valores humanamente comportáveis.
2.2. Respondeu à motivação o Ministério Público junto do Tribunal a quo, que sustentou a decisão recorrida e concluiu pelo improvimento do recurso.
III Neste Supremo Tribunal de Justiça o Ministério Público promoveu o julgamento, no visto a que alude o art. 416.º do CPP.
Colhidos vistos simultâneos, teve lugar a audiência. Em alegações orais, o Ministério Público - referiu que este Supremo Tribunal de Justiça, por via de regra, não considera a especial censurabilidade no domínio da matéria de facto, como o deveria acontecer, só o fazendo em sede de matéria de direito, mas que considera que será suficiente a referência tácita que acaba por resultar desse procedimento; - defendeu que no caso se verifica especial censurabilidade, para a qual poderiam ser convocadas várias alíneas do n.º 2 do art. 132.º do C. Penal, sendo certo que se reuniram todas as diversas circunstâncias previstas na alínea escolhida em que foram produzidas alegações orais, pelo que cumpre conhecer e decidir; - considerou adequada a pena concreta infligida ao crime de homicídio; - embora tenha o entendimento em geral de que a pena de multa é a adequada nos crimes de burla, aceitou que no caso concreto, considerado globalmente, se justifica a pena de prisão; - no que se refere à punição pela detenção e uso da arma aceitou a solução, embora tenha colocado a questão de saber se a alteração da qualificação não exigiria o uso da notificação a que se refere o n.º 1 do art. 358.º do CPP.
A acusação particular acompanhou a alegação do Ministério Público e a defesa manteve a posição assumida em sede de motivação.
IV E conhecendo.
4.1. O Ministério Público, em audiência, suscitou a questão da alteração não substancial dos factos e do cumprimento das respectivas regras e o recorrente suscita, na sua motivação, as seguintes questões: - qualificação jurídica da sua conduta; - medida concreta das penas parcelares: - valor das indemnizações cíveis.
Apreciemos tais questões, começando por reter a factualidade de que partiu o acórdão recorrido.
4.2. E foi ela a seguinte: Factos provados (da acusação, do pedido cível, das contestações e da discussão da causa): 1. O arguido conhecia a vitima HBM há cerca de 20 anos e com o qual mantinha uma relação de negócios; 2. Com efeito, HBM procedia à reparação e manutenção dos seus veículos, na oficina do arguido, em Vale Figueira, Alcochete e estabeleceu-se uma relação de confiança entre ambos; 3. Em Junho de 2000 o arguido contraiu um empréstimo com LC, um seu cliente, no valor de 800.000$00, para fazer face a dividas que tinha; 4. Em Novembro de 2000, o LC voltou a emprestar-lhe 1.200.000$00, com a condição do arguido lhe pagar até 5 de Dezembro de 2000; 5. O arguido garantiu que pagaria a dívida em tal data; 6. Face às dificuldades financeiras que atravessava, o arguido, nesta altura, formulou e pôs em prática um plano de forma a obter dinheiro de HBM; 7. Assim, preencheu, com dados por si inventados, uma declaração de compra e venda de veículo e um termo de responsabilidade, relativamente ao veiculo marca Mercedes Benz de matrícula HM, no qual constava como vendedor JAFV; 8. Exibiu tais documentos a HBM para o convencer a participar de um negócio, que consistia na compra daquele Mercedes, e posterior venda por um preço superior ao da aquisição, em que o lucro seria dividido entre ambos; 9. Convencido das vantagens de tal negócio, a vitima entregou ao...
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Acórdão nº 205/14.7PLLRS.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 18 de Junho de 2015
...referido na nota seguinte). [27] Vejam-se, nesse sentido, os seguintes acórdãos: - do STJ de 14/11/2002, relatado por Simas Santos, no proc. 02P3316, i www.dgsi.pt, de cujo sumário citamos: “1 - Do n.º 1 do art. 132.º do C. Penal, que contem uma cláusula geral, resulta que o homicídio é qua......
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...n.º 1568/01-5). – cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/11/2002, disponível para consulta na base de dados da DGSI, proc. n.º 02P3316. Em face dos factos provados, percebe-se de forma inequívoca que o arguido A... é um indivíduo calculista. Não actuou de forma impulsiva ou irref......
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...de maior relevância atinente ao princípio in dubio pro reo, salienta-se o Acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça, de 14-11-2002 (Proc. 02P3316 / Cons. Simas Santos, em [22] Atento o que acima se considerou, não podem levar-se em conta os factos que o arguido pretexta provados. [23] Nas «Jo......
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