Acórdão nº 02S2905 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Outubro de 2002 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelMÁRIO TORRES
Data da Resolução30 de Outubro de 2002
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, 1. Relatório: No presente processo emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrada A e seguradora a B, uma vez que na tentativa de conciliação apenas houve discordância quanto ao grau da incapacidade, foi requerido e efectuado exame por junta médica, tendo os peritos, por unanimidade, atribuído 25,5% de incapacidade permanente à sinistrada, esclarecendo ainda que as lesões por ela sofridas a incapacitam para o exercício da sua profissão habitual (cfr. fls. 55 e 58), na sequência do que, por sentença de 7 de Dezembro de 2000 do Tribunal do Trabalho de Santa Maria da Feira (fls. 59), foi considerado que "a sinistrada está numa situação de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, desde 8 de Julho de 1999, e que a desvalorização por ela sofrida, para outros tipos de trabalho, é de 25,5%" e a seguradora condenada a pagar à sinistrada "a pensão anual e vitalícia, actualizável, de 530904$00, devida desde 8 de Julho de 1999 e a pagar em duodécimos, no domicílio da sinistrada, acrescida da prestação complementar de lei (de valor igual ao montante do duodécimo), mais 800$00 a título de despesas com transportes obrigatórios, valores estes acrescidos de juros de mora à taxa legal (por ora 7% ao ano) desde as datas referidas". Para tanto, a aludida sentença desenvolveu a seguinte fundamentação: "A factualidade provada é a acordada pelas partes no auto de tentativa de conciliação perante o Ministério Público, cujo teor se dá por reproduzido, dela resultando, entre o mais, que: A sinistrada (nascida a 4 de Julho de 1959), é operária fabril, para o exercício da qual era indispensável o uso da mão direita, e trabalhava à data do acidente (ocorrido a 2 de Dezembro de 1998) sob a autoridade, direcção e fiscalização da segurada da ré - artigo 1.º da LCT (Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de Novembro de 1969), com a retribuição de 902040$00 anuais

O acidente é de trabalho e a entidade patronal da sinistrada tinha a eventual responsabilidade civil transferida para a companhia de seguros identificada acima, por contrato celebrado com ela

A autora tem, pois, direito a ser indemnizada dos danos emergentes do acidente que sofreu - Bases I, II e V da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965 - isto é, tem direito às prestações referidas nas Bases IX e XIV dessa Lei

A pensão deve ser calculada nos termos das Bases XVI, XXIII, XXIV e dos artigos 49.º, 50.º e 51.º do Decreto n.º 360/71, de 21 de Agosto

Para além disso, tem-se ainda em consideração que «deve ser fixada nos termos da alínea b) e não nos da alínea c) do n.° 1 da Base XVI, a pensão devida a um trabalhador que, em consequência de acidente de trabalho, sofreu uma desvalorização de 0,525, mas para a sua profissão ficou permanente e absolutamente incapacitado (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 2 de Dezembro de 1975, Acórdãos Doutrinais, n.º 169, pág. 121, citado por Cruz de Carvalho, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Petrony, 2.ª edição, 1983, pág. 97; no mesmo sentido, veja-se ainda Vítor Ribeiro, Acidentes de Trabalho, Rei dos Livros, Janeiro de 1984, págs. 317/318)

Pelo que a pensão deve ser fixada entre: 1/2 e 2/3 da retribuição base, isto é: 868752$00 (902040$00 - 735600$00 = X x 80% + 735600$)

Ou seja, entre 434376$00 e 579168$00

Tendo em conta a desvalorização para os outros tipos de trabalho e a idade da sinistrada, entendo que a pensão deve ser fixada em 2/3 daquele intervalo, ou seja: 530904$00." Contra esta sentença - após indeferimento (despacho de fls. 65) de pedido de rectificação de pretenso erro de cálculo (fls. 61 e 62) - apelou a seguradora para o Tribunal da Relação do Porto, sustentando, em suma, que para a determinação da capacidade funcional residual devia ser tida em conta o grau de incapacidade permanente parcial (no caso, 25,5%), pelo que a pensão devia ser fixada em 471298$00, resultado obtido pela adição a 1/2 da retribuição base (434376$00) de 25,5% da diferença entre 1/2 e 2/3 (579168$00) da retribuição base: 579168$00 - 434376$00 = 144792$00; 144792$00 x 25,5% = 36922$00; 434376$00 + 36922$00 = 471298$00 (cfr. alegações de fls. 66 a 68)

Por acórdão de 19 de Novembro de 2001 (fls. 85 a 88; entretanto publicado em Colectânea de Jurisprudência, ano XXVI, 2001, tomo V, pág. 246), com um voto de vencido, o Tribunal da Relação do Porto concedeu provimento ao recurso e alterou o montante da pensão de 530904$00 para 471298$00, com base na seguinte argumentação: "Nos termos da alínea b) do n.° 1 da Base XVI da Lei n.° 2127, se do acidente resultar incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, o sinistrado tem direito a uma «pensão vitalícia compreendida entre metade e dois terços da retribuição-base, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível»

A questão colocada no recurso prende-se com a aplicação do disposto no normativo legal transcrito

A recorrente não suscita qualquer questão acerca da incapacidade que foi atribuída à sinistrada e reconhece que a pensão deve ser calculada nos termos daquela disposição legal

Também não levanta dúvidas acerca da retribuição-base que foi utilizada nos cálculos do M.mo Juiz (868752$00)

A divergência diz respeito, apenas, ao montante da pensão, por considerar que o M.mo Juiz não fez uma correcta aplicação da norma. Vejamos de que lado está a razão

O M.mo Juiz fixou a pensão em 530904$00 e fê-lo com a seguinte fundamentação: a pensão deve ser fixada entre 1/2 e 2/3 da retribuição-base (868752$00), ou seja, entre 434376$00 e 579168$00; «tendo em conta a desvalorização para os outros tipos de trabalho e a idade da sinistrada, entendo que a pensão deve ser fixada em 2/3 daquele intervalo, ou seja: 530904$00»

Por outras palavras. O M.mo Juiz fixou a pensão em metade da retribuição-base (434376$00), acrescida de 2/3 da diferença existente entre 2/3 e metade daquela retribuição, que é de 96528$00 ((868752$00 x 2/3) - (868 752$00 : 2) x 2/3)

A recorrente discorda do cálculo efectuado, por considerar que não foi levada em conta a capacidade funcional residual da sinistrada para o exercício de outra profissão compatível

Segundo a recorrente, a pensão deve ser fixada em 471298$00, que calculou nos seguintes termos: «- 1/2 da retribuição-base é 434376$00, - 2/3 da retribuição-base é 579168$00; - 579168$00 - 434376$00 = 144792$00 x 25,5% (IPP) = 36922$00; - 36922$00 + 434376$00 = 471298$00»

Salvo o devido respeito, a recorrente tem razão. Como resulta da letra da alínea b) do n.° 1 da Base XVI, o montante da pensão deve ser fixado entre 1/3 e 2/3 da retribuição-base, mas a lei não deixa ao prudente arbítrio do juiz a fixação desse montante. A própria norma fornece o critério a aplicar: «... conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão»

Ao contrário do que se afirmava no projecto de acórdão que não fez vencimento, a lei não permite o recurso a critérios de bom senso, nem o recurso à ponderação de outros factores, para além da capacidade funcional residual para o exercício de outra actividade compatível. A idade, as habilitações profissionais e escolares e a profissão do sinistrado, por exemplo, não podem ser considerados na determinação do montante da pensão

A lei não permite uma tal interpretação, por não ter um mínimo de correspondência verbal na letra da norma em causa (artigo 9.°, n.° 2, do Código Civil). Se o legislador tivesse querido deixar a fixação da pensão ao prudente arbítrio do julgador, tê-lo-ia dito expressamente, como costuma fazê-lo quando essa é a sua vontade. Se não o disse, é porque não quis que assim fosse, pois temos de presumir que ele soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.°, n.° 3, do Código Civil)

Isso não significa que aqueles e outros factores sejam absolutamente irrelevantes. Podem e devem ser levados em conta, mas em momento anterior ao da fixação do montante da pensão. A sua relevância opera em momento anterior, aquando da determinação da capacidade funcional residual do sinistrado para o exercício de outra profissão compatível. É nesse momento que importa atender àqueles factores, dado que, ao contrário do que tem sido seguido nos tribunais, a capacidade funcional residual não tem de ser avaliada apenas com base na incapacidade resultante das lesões sofridas no acidente

A letra da lei sugere isso mesmo. Basta confrontar a redacção da alínea b) com a redacção da alínea c) do n.° 1 da Base XVI. Na alínea b) diz-se que a pensão é calculada conforme a maior ou menor capacidade funcional residual. Não se diz que essa capacidade residual, ou dizendo melhor, não se diz que a incapacidade funcional para o exercício de outra profissão compatível seja resultante apenas do acidente. Ao contrário, na alínea c) (relativa às incapacidades permanentes parciais), diz-se que a pensão corresponde a dois terços da redução sofrida na capacidade geral de ganho, o que equivale a dizer que a pensão corresponde a dois terços da redução causada pelo acidente. Não parece ser outro o sentido do vocábulo sofrida

Estamos, por isso, de acordo com a necessidade da ponderação de outros factores, para além do grau de incapacidade que, segundo a TNI, corresponderia às sequelas resultantes do acidente. Esses factores podem existir, de facto, e importa levá-los em conta. A incapacidade geral de ganho do sinistrado pode ser superior à incapacidade resultante das lesões sofridas no acidente

Ele pode sofrer, por exemplo, de incapacidades congénitas ou causadas por doença e há que levar esses factores em consideração

E compreende-se que assim seja, uma vez que a incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual implica a reeducação profissional do sinistrado e as dificuldades dessa reeducação dependem da sua efectiva capacidade residual e não apenas da incapacidade permanente geral que lhe adveio do acidente

Todavia, como já dissemos, é no momento da fixação dessa capacidade...

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