Acórdão nº 03B3105 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Junho de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelLUCAS COELHO
Data da Resolução24 de Junho de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A" e esposa, B, residentes no Funchal, intentaram no Tribunal dessa cidade, em 27 de Setembro de 1995, contra C, também aí residente, acção ordinária tendente a obter a condenação deste a pagar-lhes a quantia de 39.984.000$00 por enriquecimento sem causa, acrescida de juros moratórios à taxa legal desde a citação. Alegam neste sentido, em síntese, que o réu edificou um bloco de apartamentos para venda denominado «Varandas do Funchal», mediante projecto cuja aprovação municipal requereu e obteve, indicando indevidamente na área de implantação do empreendimento 400m2 a mais correspondentes à superfície do prédio contíguo dos autores, o que lhe proporcionou um acréscimo de 476m2 de construção licenciada no valor líquido indicado, e o equivalente enriquecimento à custa dos autores. Contestada a acção e prosseguindo os trâmites legais - a instância esteve ainda suspensa com fundamento na pendência de causa prejudicial na jurisdição administrativa -, foi proferida sentença final, em 15 de Abril de 2002, que a julgou improcedente pelo facto de o enriquecimento do réu não corresponder a um empobrecimento ou dano dos autores. Apelaram estes, instruindo a alegação com o Parecer de ilustre jurisconsulto (1), e a Relação de Lisboa veio a conceder parcial provimento ao recurso, condenando o réu a pagar-lhes, por enriquecimento sem causa, a importância que se liquidar em execução. Do acórdão neste sentido proferido, em 18 de Março de 2003, interpõe o réu a presente revista, cujo objecto, considerando a respectiva alegação e suas conclusões, à luz da fundamentação da decisão em recurso, consiste estritamente na questão de direito de saber se a restituição do enriquecimento tem como pressuposto um correspondente empobrecimento ou dano do titular da pretensão. II- 1. A Relação considerou assente a matéria de facto já dada como provada na 1ª instância, para a qual, não impugnada e devendo aqui manter-se inalterada, desde já se remete na sua globalidade, ao abrigo do nº. 6 do artigo 713º do Código de Processo Civil. Os factos, todavia, que nuclearmente interessam à problemática colocada a nossa apreciação são em resumo os seguintes. A construção do questionado bloco de apartamentos do réu, denominado Varandas do Funchal, iniciou-se no ano de 1994, em terreno contíguo ao prédio, com a área de 400m2, pertencente aos autores, identificado nas alíneas A) e B) da especificação (respostas aos quesitos 1º (2) e 2º). Todavia, no processo de licenciamento do empreendimento o réu apresentara uma área de terreno para a sua implantação, na qual incluiu aqueles 400m2 do prédio dos demandantes (quesito 6º) (3), induzindo a Câmara Municipal em erro (quesito 8º) e beneficiando assim, pela inclusão desta área que não lhe pertencia, de um acréscimo de área de construção de 476m2 (quesito 9º). Ora, na zona o custo da construção é de 100.000$00/m2, e o valor de venda das casas novas, à data da propositura da acção, de 220.000$00/m2 (quesitos 10º e 11º), de modo que, ao englobar a área do prédio dos autores no projecto, o réu obteve um ganho líquido de 39.984.000$00 (quesito 12º). 2. Com base na factualidade descrita o Tribunal do Funchal julgou a acção improcedente, como se referiu no início, considerando que, a despeito de existir enriquecimento do réu sem causa justificativa, não se verifica outro dos requisitos da obrigação de restituir com esse fundamento, qual seja o empobrecimento de outrem e o nexo de causalidade entre o enriquecimento e o empobrecimento (4). Na verdade, nem o réu construíra sobre o prédio dos demandantes, que se mantém intacto e ileso, nem por outro modo foram os mesmos prejudicados devido ao ilegítimo aumento de construção, permanecendo o seu património inalterado, e reconhecendo eles próprios não terem ficado empobrecidos. O enriquecimento do réu resultara antes do erro camarário, nada, por conseguinte, havendo a restituir aos autores. 3. A Relação de Lisboa perfilhou, no entanto, um diverso entendimento, ponderando que há enriquecimento injusto dando lugar a restituição, não apenas quando ao enriquecimento corresponda o empobrecimento de outrem, mas também quando a vantagem em que o enriquecimento se traduz consiste na «utilização de coisa alheia ou no exercício de direito alheio», sem que se verifique muito embora uma correlativa diminuição patrimonial na esfera do respectivo titular. Assim sucede justamente no caso sub iudicio - observa o acórdão em recurso louvando-se no Parecer de Menezes Cordeiro junto pelos autores apelantes -, uma vez que «a faculdade de construir correspondente à área dos autores estava-lhes reservada por lei». E, ao usar essa área em proveito próprio sem justificação, ainda que os autores não tenham propriamente empobrecido, enriqueceu o réu à custa destes estando por isso obrigado à restituição. Contudo, acrescenta a Relação de Lisboa, a «medida da restituição» não se afere pelo lucro que o réu conseguiu, mas em função do denominado doutrinariamente «valor objectivo dos bens», ou seja, no caso concreto, o valor do «proveito ou benefício que normalmente» os autores obteriam, por seu lado, como proprietários do prédio cuja área aproveitou ao réu. E, sendo neste conspecto inviável determinar já esse valor, daí que a 2ª instância relegasse a medida da restituição para liquidação em execução, nos termos do nº. 2 do artigo 661º do Código de Processo Civil, tomando-se em conta o disposto nos artigos 479º e 480º do Código Civil, e o valor da moeda à data do enriquecimento, com juros de mora à taxa legal a partir da citação. 4. Inconformado com a decisão, dela recorre o réu mediante a presente revista, rematando a alegação em extensas conclusões, que, dispensando-nos de as reproduzir, se reconduzem, numa palavra, à defesa em diferentes níveis de argumentação da tese subjacente à sentença da 1ª instância. Segundo esta, a restituição por enriquecimento sem causa postula a exigência de que o enriquecimento de um dos sujeitos tenha determinado causalmente o correspectivo empobrecimento do outro, e o requisito não se verifica no presente caso posto que o...

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