Acórdão nº 03B3845 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Dezembro de 2003 (caso NULL)
Magistrado Responsável | NEVES RIBEIRO |
Data da Resolução | 11 de Dezembro de 2003 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: I Colocação da questão a resolver1. No Tribunal Judicial da Comarca de Braga, A e B intentaram acção, sob a forma de processo ordinário, contra a Empresa Municipal de Águas, Efluentes e Resíduos de Braga, com intervenção do Instituto de Estradas de Portugal (IEP). Os réus arguiram a excepção da incompetência material do tribunal comum para conhecer do objecto da acção, sustentando que o tribunal competente é o Tribunal Administrativo de Círculo do Porto. Alega a Empresa Municipal, que se rege pelos seus estatutos e pela Lei das Empresas Municipais, Intermunicipais e Regionais (Lei n° 58/98, de 18 de Julho), tendo como objectivo principal, nos termos dos seus Estatutos "a captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, a recolha, tratamento e deposição de resíduos sólidos urbanos e limpeza e higiene pública", e ainda, no seu caso específico: «a prossecução de interesses públicos, nomeadamente zelar pelas condições de segurança do abastecimento de água para consumo público, sua reparação e manutenção, e providenciar para eliminar ou prevenir situações de risco». Igualmente, o interveniente, o IEP, defende a incompetência em razão da matéria, do tribunal da comarca, sendo competente o Tribunal Administrativo de Círculo do Porto, dado que é demandado pela responsabilização resultante de factos que integram a actividade de gestão pública que ele, IEP, prossegue. 2.No despacho saneador, o tribunal requerido decidiu que o tribunal competente para conhecer da presente acção é o tribunal comum - a Vara Mista de Braga. Inconformado com a decisão, dela agravou o Réu, IEP. A Relação de Guimarães confirmou a decisão recorrida (fls. 67). 3. Daí o presente agravo. Na substância útil para aqui, o agravante defende, através das suas várias conclusões, que os factos que estão na origem da obrigação de indemnizar accionada, integram deveres funcionais e estatutários dele, agravante, e pertencem ao domínio das suas atribuições de direito público, como autoridade nacional de conservação de estradas e, assim, retirados do conhecimento da jurisdição comum. II Fundamentos de resolução da Questão1. A questão assim colocada, reverte-se em saber, qual o tribunal competente, em razão da matéria, para conhecer da obrigação de indemnizar, com fonte em responsabilidade extracontratual, por que (a par de outro) também é responsabilizado, na acção, o agravante. Vejamos os fundamentos da resolução, ou, de outra maneira dita, como se resolve a questão, assim exposta. 2. A competência judiciária em razão da matéria (ao lado da competência hierárquica e da competência internacional) é de ordem pública. E só pode decorrer da lei, sendo indelegável, a não ser que a própria lei permita a delegação. Fixa-se em função da natureza da matéria a judicar, sendo critério relevante da sua atribuição, a escolha do tribunal que mais vocacionado estiver para dela conhecer. (1) Reclama a eficiência de organização judiciária com vista à melhor prestação da qualidade da justiça. Por isso, releva de interesse público fundamental, dando lugar à sanção da incompetência absoluta do tribunal que dela conheça, em violação das regras que a determinam (artigo 101.º do Código de Processo Civil). E determinam-na, procurando adaptar o órgão à função, assegurando a idoneidade funcional do juiz, através de uma relação de pertinência o mais apropriada possível, entre ele e a matéria da causa de que deve conhecer. O critério de atribuição de competência material ao juiz projecta a vocacionalidade, aptidão, adequação ou agilização do tribunal à causa. Todos são vocábulos de conteúdo homólogo, traduzindo, na essência, a habilitação funcional do tribunal para a matéria que constitui objecto do conhecimento que em cada causa estiver. Idoneidade do juiz, como se começou por referir, e também assim lhe chamou o Professor Alberto do Reis (2). Num Estado de Direito, é fundamental a bondade da lei organizativa judiciária, no acerto e determinação dos factores objectivos de conexão ou elos materiais de ligação correspondentes, para que o Estado cumpra, ao mais alto nível possível, a qualidade da prestação judiciária pública. E quanto mais apurado for o critério atributivo de competência material (só para falar desta), melhor sortirá a garantia da qualidade com que a Justiça é administrada ao cidadão a quem se destina. 3. A Organização Judiciária Portuguesa integra, fundamentalmente, três Ordens - a que a Constituição chama categorias de tribunais (artigo 209º). Em jeito de organograma, poderemos traçar o quadro seguinte: A Ordem Constitucional; A Ordem Judicial Comum e a Ordem Administrativa (que envolve a fiscal). Fixemos então a nossa reflexão sobre as duas últimas Ordens judiciárias, verificando como elas ganham visibilidade na Constituição do modo que assim se enuncia: O artigo 212º, n.º1, diz, relativamente à jurisdição comum: «Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas as outras ordens judiciais». E o artigo 214º, n.º3, diz, quanto à ordem administrativa: «Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais». A regra geral é a da jurisdição comum e sempre subsidiária. Não se estranha...
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