Acórdão nº 513/06.0TBMNC.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Outubro de 2010

Data21 Outubro 2010
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADO PROVIMENTO À REVISTA Sumário : 1. Deve ter-se por ilidida a presunção de culpa estabelecida para o comissário no nº3 do art. 503º do CC quando se apura que a colisão e veículos, geradora dos danos, assentou decisivamente no cometimento pelo lesado de violação grosseira às regras de prioridade de passagem, consubstanciada em não respeitar um sinal de «stop», invadindo a intersecção das vias e cortando subitamente a linha de marcha do veículo prioritário, a circular a distância muito próxima, determinando a realização por este de manobra de salvamento, que implicou a circulação pela hemifaixa esquerda, onde a colisão ocorreu, pela circunstância de o lesado insistir na consumação da manobra de mudança de direcção que lhe estava vedada.

  1. A matéria da causalidade pode ser apreciada ou como a sequência naturalística de factos que se interligam e se condicionam, a ponto de provocar outros, ou como a valoração normativa de tal sequência naturalística de factos, em ordem a saber se é possível fixar juridicamente - nos quadros da teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa, tal como é definida no art. 563º do CC, - a relação de causa-efeito entre o facto e o dano: no primeiro caso, estamos perante a causalidade naturalística, insindicável pelo Supremo, enquanto tribunal de revista; no segundo, estamos perante um problema de causalidade jurídica, sindicável no âmbito de um recurso de revista, já que se trata de valorar normativamente os factos assentes, no caso, quanto à concreta dinâmica dos veículos intervenientes no acidente.

  2. Situa-se no âmbito da causalidade naturalística, insindicável pelo STJ, a conclusão das instâncias, assente, desde logo, em relatório pericial elaborado pela autoridade que procedeu à análise do acidente, no sentido de que, perante a concreta dinâmica dos veículos aquando da colisão, o excesso de peso transportado num deles não teve qualquer relevância causal para a produção do evento danoso.

    Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA, BB, CC, por si e na qualidade de legal representante de DD, e EE propuseram acção condenatória, na forma ordinária, contra a Companhia de Seguros FF, S.A., peticionando a condenação desta a pagar-lhes a quantia global de €167.423,40 e respectivos juros de mora como compensação dos danos sofridos com a morte de seu marido e pai, respectivamente , em consequência de acidente de viação que imputam ao condutor da viatura pesada segurada na R. . Esta contestou, imputando a culpa na eclosão do acidente à própria vítima, impugnando a matéria de facto articulada na petição, sendo a acção julgada improcedente na primeira instância.

    Inconformados, os AA. apelaram, questionando, desde logo, a decisão proferida quanto à matéria de facto bem como o juízo formulado quanto à culpa na eclosão do sinistro.

    A seguradora recorrida ampliou o âmbito do recurso, visando fazer incluir na matéria fáctica um novo facto, consubstanciado na existência de um sinal de«stop»na via por onde circulava a vítima mortal do acidente , determinando a Relação o aditamento de tal facto ao acervo fáctico tido por apurado, julgando, no mais, o recurso improcedente.

  3. Novamente inconformados, interpuseram os AA. a presente revista, que encerram com as seguintes conclusões, que lhe definem o objecto: 1. Os Autores intentaram a acção por forma a verem assacada a responsabilidade do acidente ao condutor do veículo pesado AH, segurado da Ré, como único culpado pelo acidente, subsidiariamente, por presumir-se a sua culpa, nos termos do disposto no art. 503º do C. Civil.

  4. Decidiu o tribunal de 1^ instância, o que foi confirmado por acórdão da Relação de Guimarães de que se recorre, que o único e exclusivo culpado na produção do acidente foi o condutor do QC, ora recorrente.

  5. Os autores persistem no entendimento de que o acórdão proferido na apelação, ao confirmar a sentença proferida na 1^ instância, padece dos mesmos vícios que se apontavam a esta última decisão.

  6. Desde logo entendem os recorrentes ter sido violado o disposto no art. 5OJf,_n.0_3_ do Código Civil uma vez que o condutor do veículo pesado AH, conduzia o mesmo com autorização e total conhecimento do proprietário, recaindo, assim, sobre este a presunção legal de que a culpa efectiva do acidente foi sua.

  7. Invertendo-se o ónus probatório, cabia à Ré provar que a culpa efectiva do acidente não era do veículo pesado AH; o que não logrou provar e, assim, a presunção não foi afastada.

  8. Com efeito, tendo ficado provado que: 19 - " 0 embate ocorrido entre o QC e o AH ocorreu dentro da metade esquerda da faixa de rodagem, atento o sentido do veículo AH, a cerca de 2,80 metros da linha delimitadora da berma desse lado esquerdo. Em seguida, o AH arrastou o QC à sua frente ao longo de 25,90 metros, acabando por se imobilizar ao centro da metade esquerda da faixa de rodagem, tomando em atenção o seu sentido de marcha, em posição paralela e longitudinal ao eixo da via enquanto o QC ficou em posição perpendicular à via, com a frente virada para a berma esquerda atento o indicado sentido de marcha.

    20 - Ficaram gravados no asfalto os seguintes vestígios: marcas de pneus provocadas pelo arrastamento do QC desde o ponto de embate até ao local onde se imobilizou; brechas no asfalto provocadas peia fricção do QC no pavimento após o embate do AH situadas dentro da metade esquerda da faixa de rodagem, atento o sentido do AH; vidros, plásticos e líquidos.

    21 - 0 QC tem uma envergadura de 1,50 metros e peso de 800 Kg.

    22 - O AH tem uma envergadura ou largura de 2,50 metros e é um veículo pesado de mercadorias com peso bruto permitido de 26.000 Kg e tara de 13.000 Kg.

    23 - Na ocasião do acidente, GG era empregado da "HH, Limitada, com as funções de motorista, e tripulava o AH com autorização e conhecimento da sociedade proprietária, no desenvolvimento da sua actividade remunerada por conta desta, dentro do seu horário de trabalho e em cumprimento de ordens que lhe foram transmitidas." Não pode, de forma alguma, concluir-se que o veículo pesado não teve culpa na produção do acidente.

  9. 0 acórdão da Relação (à semelhança da sentença de lã instancia), defende que a atitude do segurado da Ré foi consonante com a de um homem sagaz. Os recorrentes entendem que, jamais, esta conclusão pode ser retirada da factualidade que ficou provada. Pelo contrário, o facto de o condutor do pesado AH ter invadido a faixa de rodagem„dp„ veículo conduzido por ela_vitima_ mortal (o que constitui violação de regra do Código da Estrada), em vez de se desviar pela parte traseira desse mesmo veículo ligeiro, ou seja, a parte da faixa que ia ficando desocupada, contribuiu, decisivamente, para o acidente.

  10. A atitude correcta e de esperar de um "bom pai de família" seria, antes do mais, ter condições para imobilizar o veículo realizando travagem eficaz, o que não foi possível devido ao excesso de carga transportada, de mais 42% do que o permitido; em segundo lugar, bastaria que travasse e que, ao mesmo tempo, prosseguisse na sua hemi-faixa direita, conduzindo sem sair da sua faixa de rodagem. Dessa forma o sinistro não teria ocorrido. Em vez disso, o condutor do pesado invadiu a faixa de rodagem contrária ao seu sentido de marcha.

  11. Será sempre de acautelar todo o perigo que se apresente como possível, como foi o caso. Ora, o QC perante essa situação de perigo conseguiu prosseguir a sua marcha atempadamente evitando, assim, o embate com o veículo pesado, dentro da faixa direita de rodagem deste último.

  12. 0 veículo pesado, ao contrário do que seria de esperar, decidiu desviar-se para a dianteira do veículo, invadindo a faixa de rodagem esquerda, e foi por isso que o embate ocorreu.

  13. Violando as regras básicas de circulação rodoviária inscritas nos arts. 13e e 24a do Código da Estrada [em vigor à data do acidente - Decreto-lei n.s 114/94 de 2 de Maio).

  14. Desse modo, não tendo sido produzida prova que afastasse a culpa que sobre si impendia, o condutor do veículo pesado resulta sendo o único e exclusivo culpado do acidente.

  15. 0 acórdão da Relação sustenta a tese de que o excesso dejrarga_com que circulava o pesado não é relevante uma vez que "as autoridades policiais costumam dar uma tolerância, por se entender que, em muitos locais de carga, não existem adequados meios de pesagem"; e, mais adiante que "não se pode escamotear que esse excesso de carga pode ter tido alguma influência, por mínima que seja, no alongamento do espaço de travagem".

  16. Os recorrentes não podem partilhar tal entendimento, causa mesmo profunda inquietação a justificação adoptada no acórdão da Relação, ao desconsiderar, da forma como o faz, o facto gravíssimo de o veículo pesado circular com um excesso de carga de mais 5.500 Kg.

  17. Arrepia que o acórdão considere que, de certa forma, é normal que o pesado circulasse com mais 5.500 kg do que lhe era permitido, porque não há adequados instrumentos de pesagem nos locais de carga. Continua a arrepiar que se admita que, afinal, esse excesso de peso pode ter tido influência na extensão e eficácia da travagem. Tudo sem, daí, retirar as devidas consequências e conclusões.

  18. Não estamos a falar de um excesso de peso de 5,5 kg, nem de 55Kg, nem de 550 kg, estamos, sim, em presença de um excesso de 5.500 kg, que é, nem mais, nem menos, do que mais 42% do total da carga permitida [carga máxima permitida 13.000 kg e transportava 18.500 kg].

  19. Isto não pode, de forma alguma aceitar-se. Claramente, se não é lícito um veículo pesado exceder a carga permitida é porque se considera, e não pode ser de outra forma, que esse excesso de carga influencia de forma directa e determinantemente no funcionamento do veículo, tanto no tempo de travagem bem como no equilíbrio do mesmo.

  20. Sem que possam sobrar dúvidas, ao não adequar a velocidade à carga que transportava o pesado violou o art. 132 do Código da Estrada [em vigor à data do acidente - Decreto-lei n.s 114/94 de 2 de Maio).

  21. ...

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