Acórdão nº 04B049 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Outubro de 2004 (caso NULL)
Magistrado Responsável | LUCAS COELHO |
Data da Resolução | 19 de Outubro de 2004 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I"A", Lda., com sede em Viana do Castelo, instaurou no Tribunal de Amarante, em 14 de Agosto de 1989 (1), contra 1.ª "B", Lda., 2.ª Sociedade C, Lda. e 3.ª D, Sociedade Técnica de Madeiras, S.A., todas sediadas em Amarante, acção ordinária tendente a título principal à impugnação pauliana das vendas de três imóveis pela 1.ª ré, um à 2.ª ré, dois à 3.ª e, subsidiariamente, à declaração de nulidade das vendas por simulação.
Contestada a acção por cada uma das três rés, a 1.ª deduziu reconvenção no sentido de ser declarado que as vendas foram legítimas e legalmente celebradas, reconvindo igualmente a 2.ª ré no sentido da condenação da autora, se a acção proceder, a ver reconhecido o seu direito de ser paga das benfeitorias, no valor de 15 500 contos, realizadas no imóvel que lhe foi vendido.
Merece outrossim registo que a 1.ª e 2.ª rés excepcionaram a ineptidão da petição por cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis, arguições julgadas improcedentes no saneador com fundamento na relação de subsidiariedade entre os mesmos (fls. 305 e seg.; artigo 469.º do Código de Processo Civil;).
Da decisão agravou a 1.ª ré (fls. 310), recurso admitido com subida diferida (fls. 314), todavia julgado deserto por falta de alegação (fls. 321, verso).
O processo teve a instância suspensa mais de seis anos: num primeiro momento para registo da presente acção (despacho a fls. 235) e seguidamente a aguardar o desfecho de causa dita prejudicial (despacho a fls. 247/248), instaurada pela autora no Tribunal de Viana do Castelo com vista à condenação da 1.ª ré no pagamento do crédito que ora serve de base à pauliana.
Prosseguindo a tramitação, veio a ser proferida sentença final, em 15 de Julho de 2002, que julgou procedente a impugnação pauliana com prejuízo do conhecimento do pedido subsidiário, e improcedentes as reconvenções.
Interpuseram apelações a 1.ª e 2.ª rés, por um lado, e a 3.ª ré, por outro, a que ambas também negou provimento a Relação do Porto, confirmando a sentença.
Do acórdão neste sentido proferido, em 3 de Julho de 2003, recorrem de revista a 3.ª ré e, por sua parte, a 1.ª e 2.ª rés.
O objecto destes recursos, em larga medida coincidente, pode dizer-se grosso modo definido, à parte certas particularidades, pelas seguintes questões, muito em sintonia com as esboçadas na alegação da 3.ª ré: a) os quesitos 33.º e 34.º contêm matéria conclusiva de direito, e não de facto, devendo as respectivas respostas considerar-se não escritas (artigo 646.º, n.º 4, do Código de Processo Civil); b) contradição entre as alíneas E) e G) da especificação, e as respostas aos quesitos 4.º, 5.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º,12.º, 33.º e 34.º, que devem ser alteradas no sentido do conteúdo dos documentos autênticos, com força probatória plena, vertido nas referidas alíneas; c) improcedência da acção por não verificação de requisitos legais da impugnação pauliana.
II1. A Relação considerou assente a matéria de facto dada como provada na 1.ª instância, para que se remete, nos termos do n.º 6 do artigo 713.º do Código de Processo Civil.
A benefício em todo o caso da inteligência do relato, desde já se enuncia a factualidade essencial, sem prejuízo de outras alusões pertinentes: 1.1. A autora «no exercício da sua actividade comercial de fabrico e venda de tijolo, forneceu à 1.a ré, a pedido desta e para esta utilizar na sua indústria de construção civil, diversas remessas de tijolo, entre 19/1/87 e 2/1/88» [alínea A) da especificação], apresentando a conta corrente respectiva «um saldo favorável à autora no montante de 1 151 508$50» [alínea B)]; 1.2. «Tal quantia deveria ter sido paga até 30/7/87» [alínea C)], vindo a 1.ª ré a ser condenada a solvê-la à autora, acrescida de juros de mora à taxa legal, «por sentença de 7 de Agosto de 1997, do Tribunal Judicial de Viana do Castelo» [alínea D)]; 1.3. «Por escritura lavrada no dia 8 de Fevereiro de 1988, no Cartório Notarial de Marco de Canaveses», «a 1.ª ré vendeu à 2.a ré um prédio rústico de pinhal e pastagem denominado ‘Cerrado da Firma'», com os sinais dos autos [alínea E)], e à 3.ª ré, mediante «escritura lavrada no dia 9 de Junho de 1988, no Cartório Notarial de Penafiel», «pelo preço global de 73.000.000$00, os seguintes imóveis», melhor identificados no processo: - «prédio urbano composto por um pavilhão (...) e logradouro (...)»; - «prédio rústico, denominado ‘Sorte de Agro Chão' (...)» [alínea G)]; 1.4. «A autora teve agora conhecimento de que, há já algum tempo atrás, 1ª ré vinha vivendo em enormes dificuldades económicas e financeiras, assoberbada com múltiplas e vultuosas dívidas» - «nomeadamente, a vários dos seus fornecedores e ainda, inclusivamente, ao próprio Estado» -, «que não podia satisfazer, e ainda dos seus respectivos prazos» (respostas aos quesitos 1.º e 2.º); 1.5. «A l.ª e 2.a rés forjaram a venda referida em E) com o único objectivo de retirarem esse prédio do património da l.ª ré» (quesito 3.º), «de forma a obstarem a uma futura penhora promovida por qualquer dos seus credores» (quesito 4.º); 1.6. «Também 2ª ré e os seus sócios-gerentes tinham conhecimento da existência de créditos sobre 1ª ré não satisfeitos» (quesito 5.º), «e tinham consciência que causavam prejuízo aos credores» (quesito 6.º); 1.7. 3.ª ré tinha conhecimento da situação económica e financeira da 1.a ré» (quesito 10.º); 1.8. 1ª ré não possui quaisquer bens imóveis e móveis no seu património» (quesito 11.º); 1.9. «Os negócios aludidos nas alíneas E) e G) da especificação, resultaram de acordo entre a 2ª e 3ª rés, com intuito de enganar os credores da 1.a ré» (quesito 33.º); 1.10. «A 1.a ré não quis vender tais prédios, nem a 2.ª e 3.ª rés os quiseram comprar» (quesito 34.º).
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Com base nos factos descritos, a sentença julgou verificados os requisitos da simulação absoluta dos negócios aludidos supra, 1.3. (artigo 240.º do Código Civil; cfr. os pontos de facto 1.5., 1.9. e 1.10), considerando, porém, que a autora apenas tinha formulado o pedido de declaração de nulidade das vendas a título subsidiário.
E no tocante, por conseguinte, ao pedido principal, que prioritariamente lhe cumpria apreciar, o Tribunal de Amarante deu como provados os factos integradores dos pressupostos da impugnação pauliana indicados nos artigos 610.º a 612.º, a saber: a existência de actos de natureza não pessoal, mas patrimonial, envolvendo a diminuição da garantia patrimonial do crédito, tal como refere o corpo do artigo 610.º (as compras e vendas impugnadas); resultar desses actos, justamente, a impossibilidade para o credor de obter a satisfação integral do seu crédito, ou o agravamento dessa impossibilidade [alínea b) do mesmo artigo], posto que a autora provou o seu crédito sobre a 1.ª ré (artigo 611.º, primeira parte), não tendo em contraponto sido lograda por banda das rés a prova de que a 1.ª ré possuía bens penhoráveis de igual ou maior valor (artigo 611.º, segunda parte); a anterioridade do crédito da autora relativamente às vendas [alínea b) do artigo 610.º]; a existência de má fé, tratando-se de actos onerosos (artigo 612.º), uma vez que, observa a sentença, as compras e vendas foram inclusive «realizadas dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do credor».
Na verificação desses requisitos, e ponderando que a impugnação pauliana «tem como efeitos nas relações entre o credor e o adquirente o direito à restituição dos bens, na medida do seu interesse» (artigo 616.º), a sentença julgou a acção procedente quanto à pauliana, ordenando, em suma, «a restituição dos prédios, identificados nos artigos 16.º e 30.º da petição inicial, ao património da 1.ª ré, para aí serem executados na medida do interesse da autora e até onde for necessário para satisfação do seu crédito».
Ficou por consequência prejudicado o pedido subsidiário, improcedendo em lógico corolário a reconvenção da 1.ª ré, e, por falta de prova, também a da 2.ª 3. Tal exactamente a decisão impugnada pelas rés perante o tribunal de apelação.
3.1., Depararam-se, todavia, aí à Relação do Porto desde logo impugnações da factualidade dada por assente na 1.ª instância - as quais, profusas e repetitivas, salvo o devido respeito, não primavam ademais pela disciplina lógico-argumentativa, agravando sobremaneira a apreciação das apelações, e das revistas, que substancialmente as reproduzem -, impugnações que se reflectem, em resumo, nos seguintes planos da decisão de facto, aliás nem sequer reclamada no próprio acto (fls. 737 e segs.) Primeiro, no tocante à fundamentação (conclusões 20.ª e 28.ª/32.ª da alegação de apelação da 3.ª ré; cfr. também as conclusões XIV e XVI bis da alegação da 1.ª e 2.ª rés), pretendendo-se, ao abrigo do n.º 5 do artigo 712.º do Código de Processo Civil que a 1.ª instância fundamentasse as respostas aos quesitos 33.º e 34.º Os Ex.mos Desembargadores rejeitaram, porém, a pretensão, considerando que a prova documental e testemunhal adrede referenciada pelo colectivo satisfazia com suficiência as exigências do n.º 2 do artigo 653.º do Código de Processo Civil.
Em segundo lugar, visavam as apelantes a alteração ou neutralização das respostas a determinados quesitos.
Neste conspecto, a 1.ª e a 2.ª rés, atendendo à força probatória de documentos juntos aos autos, aliás não individualizados, visavam que fossem considerados não provados os quesitos 4.º, 5.º, 7.º a 10.º, 33.º e 34.º, suscitando em termos dificilmente inteligíveis a contraposição entre o tempo (presente) dos quesitos e das respostas e a «data dos factos», ou a «data dos negócios», com influência, parece, na anterioridade ou posterioridade do crédito da autora relativamente às vendas, e no momento em que existiam bens no património da 1.ª ré [cfr., v. g., as conclusões III, V, VI, X, XI, XIII, XV («Está inequivocamente provado que, à data dos factos, a 1.ª ré tinha muito património mobiliário e inúmeros créditos sobre terceiros»), XVI bis, XX].
O acórdão recorrido recusou, porém, a satisfação do desiderato...
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