Acórdão nº 4436/16.7T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelPAULO REIS
Data da Resolução17 de Outubro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: Caixa ..., CRL, intentou ação declarativa com processo comum contra G. M. e A. C.; e M. A., todos devidamente identificados nos autos, pedindo a declaração de nulidade do contrato de dação em pagamento retratado no artigo 20.º da petição inicial e o cancelamento do registo de aquisição a favor da ré M. A. com base nesse negócio; ou caso assim não se entenda, a procedência da impugnação pauliana do negócio de dação em pagamento, reconhecendo-se o direito da autora à restituição do quinhão hereditário e de ½ da fracção autónoma identificados nos autos, na medida do interesse da autora, podendo esta executá-lo no património da ré M. A..

Alegou para o efeito, e em síntese, que o contrato de dação em pagamento formalizado entre os réus configura negócio simulado, ou caso assim não se entenda, foi celebrado com vontade e consciência de prejudicar a autora, credora dos 1.ºs réus.

A ré A. C. apresentou contestação, impugnando parcialmente a factualidade invocada pela autora.

Também a ré M. A. contestou. Por exceção, invocou a invalidade da fiança pelo facto de a autora não ter constituído a hipoteca conforme estava contratualizado no contrato de empréstimo que constitui documento n.º 4 da petição inicial, impedindo os fiadores de ficarem sub-rogados no crédito e que quer os mutuários, quer os primeiros réus, são proprietários de bens em valor suficiente para garantir o pagamento integral à autora. No mais, impugnou genericamente toda a factualidade invocada pela autora, pugnando pela improcedência da ação.

Entretanto, a autora veio desistir do pedido deduzido a título principal, tendo tal desistência sido homologada pela competente sentença.

Findos os articulados, foi realizada a audiência prévia, tendo sido elaborado o despacho saneador, fixado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova, ao abrigo do disposto no artigo 596.º, do Código de Processo Civil (CPC).

Foram admitidos os meios de prova e realizada a prova pericial, após o que os autos prosseguiram com a realização da audiência final.

Foi então proferida sentença julgando a ação procedente, nos seguintes termos: «Pelo exposto, julga-se procedente o pedido subsidiário e, em consequência, declara-se ineficaz quanto à autora o negócio de dação em pagamento, titulado pela escritura celebrada em 24.11.2014, podendo assim a autora executar o seu crédito identificado no ponto 10 do elenco dos factos provados, sobre o quinhão hereditário e ½ da fracção autónoma objecto da referida escritura.

Custas a cargo dos réus – cfr. art.º 527º, nºs 1 e 2, do NCPC.

Registe e notifique».

Inconformada com a sentença proferida dela apelou a ré M. A., pugnando no sentido da revogação da sentença, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1. O Tribunal “a quo” não deveria, salvo do devido respeito, ter dado como provado que “23. Os réus actuaram bem sabendo que, ao efectuarem o negócio referido em 9. e 10., a autora ficaria impossibilitada de obter o pagamento dos seus créditos, à custa do património dos 1ºs réus”.

  1. Dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, ficou provado, que à data da celebração da escritura de dação em pagamento, que a ré M. A. não era conhecedora que: a. os primeiros réus eram fiadores de G. M. e E. M.; b. G. M. e E. M. tinham empréstimos bancários com a autora; c. esses empréstimos não estavam a ser cumpridos e d. o avultado e conhecido património imobiliário de G. M. e E. M. não era suficiente para fazer face ao pagamento das suas responsabilidades junto da autora.

  2. Ficou também demonstrado que os réus G. M. e A. C., à data da celebração da escritura de dação em cumprimento, acreditavam que o património de G. M. e E. M. era suficiente para pagar as responsabilidades junto da autora.

  3. Não ficou provado a má-fé da Ré M. A..

  4. Pelo que não se encontram preenchidos os pressupostos necessários para a verificação da impugnação paulina, pois tratando-se de um negócio oneroso, não se verificou que a Ré M. A. tenha agido de má-fé, ou seja, que tinha consciência do prejuízo que o ato causava à autora, conforme o exige o artigo 612.º do Código Civil 6. A douta sentença recorrida violou, por má interpretação, o disposto no artigo 5.º do CPC, tem feito um errada aplicação do disposto no art.º 612.º do Código Civil, devendo ser revogada».

    A autora apresentou resposta, sustentando a improcedência da apelação e a consequente manutenção do decidido.

    O recurso foi admitido para subir de imediato, nos próprios autos, e com efeito devolutivo.

    II.

    Delimitação do objeto do recurso Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) - o objeto do presente recurso circunscreve-se às seguintes questões: A) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto; B) Reapreciação da decisão de mérito, na parte em que julgou verificados os requisitos da impugnação pauliana, designadamente quanto ao preenchimento do requisito da má-fé bilateral, como decorrência do que vier a ser decidido sobre a pretendida alteração da matéria de facto.

    Corridos os vistos, cumpre decidir.

    1. Fundamentação 1.

    Os factos 1.1.

    Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra, relevando ainda os seguintes factos considerados provados pela 1.ª instância na sentença recorrida: 1.1.1.

    Por escritura pública denominada “Mútuo com Hipoteca e Fiança” celebrada e outorgada em 3-12-2010, G. M. e mulher E. M. confessaram-se solidariamente devedores ao banco autor da quantia de € 605.000,00 que do mesmo banco receberam a título de empréstimo, conforme certidão de fls. 13v a 21v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

    1.1.2.

    Os mutuários obrigaram-se a reembolsar o banco mutuante do capital e respetivos juros remuneratórios através de 60 prestações mensais e sucessivas, de juros e capital, com vencimento, a primeira delas, em 3-01-2011 e as demais em igual dia dos meses subsequentes, conforme certidão de fls. 13v a 21v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

    1.1.3.

    Para garantia do pagamento ou restituição de tal quantia mutuada e seus juros, remuneratórios e moratórios, os mutuários, acima referidos, declararam então e nesse ato notarial que constituíam hipoteca, a favor do banco autor e sobre o imóvel nessa escritura identificado, conforme certidão de fls. 13v a 21v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

    1.1.4.

    Os réus G. M. e A. C. outorgaram a escritura referida em 1.1.1 e nela declararam que se constituíam fiadores e principais pagadores de todas as obrigações assumidas pelos mutuários, conforme certidão de fls. 13v a 21v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

    1.1.5.

    Os mutuários G. M. e mulher E. M. e os réus G. M. e A. C. não pagaram a prestação do empréstimo que se venceu em 3-02-2014, nem as subsequentes.

    1.1.6.

    Na sequência, a autora interpelou os 1.ºs réus informando-os do incumprimento, do valor em dívida à data e de que, caso o mesmo se mantivesse, iria recorrer a tribunal, conforme documentos de fls. 448v a 460v.

    1.1.7.

    Em 2-02-2015, a autora instaurou contra os referidos mutuários e os 1ºs réus uma execução que corre termos sob o nº 539/15.8T8VCT, com base no aludido contrato de empréstimo, pelo valor de € 585.851,29, conforme certidão de fls. 434 a 436 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

    1.1.8.

    Em 16-06-2011, a autora concedeu à sociedade J. C., Filho & Cª, Lda um empréstimo no montante de € 300.000,00, o qual deveria ser liquidado em 120 prestações mensais, iguais e sucessivas, com início em 16-07-2011 e no qual os réus G. M. e A. C. outorgaram como garantes/avalistas, conforme documento de fls. 23 a 24 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

    1.1.9.

    Em 2-02-2015, a autora instaurou contra a mutuária e os 1ºs réus uma execução que corre termos sob o n.º 540/15.4T8VCT, com base no aludido contrato de empréstimo.

    1.1.10.

    Após venda de bens imóveis pertencentes aos mutuários, o empréstimo aludido em 1.1.8 foi totalmente liquidado, em 27-07-2018 e o empréstimo referido em 1.1.1 foi parcialmente liquidado, pelo que, em 5-09-2018, encontrava-se em dívida a quantia de € 455.593,58 conforme documentos de fls. 392 a 408 dos presentes autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

    1.1.11.

    Por escritura pública de dação em pagamento, outorgada em 24-11-2014, os réus G. M. e A. C. declararam ser devedores à 2.ª ré M. A. da quantia de € 38.000,00, resultante de empréstimos que esta lhes fez, por diversas vezes e de cada uma delas em parcelas inferiores a cinco mil euros e que os devedores integraram na sua esfera jurídica sem quaisquer garantias nem estipulação de juros, conforme certidão de fls. 25 a 27 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

    1.1.12.

    Mais declararam os referidos réus que, para extinção das citadas responsabilidades, em cumprimento da obrigação de restituir, lhe cediam: o quinhão hereditário pertencente à ré A. C. na herança ainda ilíquida e indivisa aberta por óbito de seu pai, A. F., falecido em ..-02-2001, correspondente a 3/16 dos bens que compõem a herança ao qual atribuíram o valor de € 8.570,00; sendo que fazem parte desta o imóvel inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de ... sob o artigo ... e participações nas sociedades comerciais por quotas “X – Têxtil de Malhas, Lda” e “Y – Sociedade Têxtil, Lda; bem como a metade indivisa da fração autónoma designada pela letra “B”, descrita no registo predial sob o n.º 173 e inscrito na matriz sob o artigo ...-B, com o valor patrimonial de € 29.430,00, conforme certidão de fls. 25 a 27 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

    1.1.13.

    Conscientes das suas responsabilidades para com a autora, os 1.ºs réus tomaram a iniciativa de...

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