Acórdão nº 3006/15.1T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Setembro de 2020
Magistrado Responsável | JORGE ARCANJO |
Data da Resolução | 14 de Setembro de 2020 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I - RELATÓRIO 1.1.- A Autora – C..., C.R.L. - instaurou (17/09/2015) ação declarativa, com forma de processo comum, contra os Réus 1.
M...
, divorciado, residente na Rua ...
2.
P...
, solteiro, residente na ...
-
Banco C..., S.A., com sede na ...
Alegou, em resumo Em 4/3/2008 a Autora emprestou à sociedade S..., Lda o montante de €25.000,00, através de contrato de mútuo, no qual interveio como fiador o Réu M... e a esposa O..., sendo que permanece em dívida a quantia de €8.382,52.
Em 27/4/2012 a Autora emprestou à S..., Lda o montante de €22.500,00, através de contrato de mútuo, garantido por livrança avalizada pelo Réu M... e a esposa O..., importando a dívida em €26.389,12.
Em 7/11/2008 a Autora prestou uma garantia bancária à primeira solicitação em benefício da V..., L.da no valor de €40.000,00, sendo responsável a S..., L.da e avalista o Réu M... e a esposa O...
O valor total dos créditos ascende a €76.749,33.
Por escritura pública de 24/9/2010, o Réu M... declarou vender ao Réu P..., que declarou comprar, pelo preço de €85.000,00, o prédio misto sito em ..., inscrito na matriz sob o art. ..., através de empréstimo contraído junto do Banco C... garantido por hipoteca registada em 14/3/2002.
Por escritura pública de 24/9/2010, o Réu M... declarou vender ao Réu P..., que declarou comprar, pelo preço de €10.000,00, 4/9 indivisos do prédio rústico sito em ...
Os Réus não quiseram vender e comprar, cujo objetivo foi o de em comunhão de esforços colocar o património do 1º Réu a salvo da Autora, impedindo a satisfação do seu crédito.
Pediu a) A condenação dos Réus a reconhecer que a Autora é credora do Réu M... pelas quantias a que se referem os artigos 2º a 33º da petição inicial, destacadamente: - pela causa de pedir invocada em “A” (contrato de mútuo com fiança nº ...), da quantia de 8.382,52€ acrescida de juros moratórios vincendos a partir de 04/02/2015 à taxa de 14,787% sobre o capital de 5.763,38€; - pela causa de pedir invocada em “B” (contrato de mútuo com aval nº ...), da quantia de 26.389,12€ acrescida de juros moratórios vincendos a partir de 04/02/2015 à taxa de 6,0% sobre o capital de 22.721,34€; - pela causa de pedir invocada em “C” (garantia bancária com aval nº ...), da quantia de 41.977,69€ acrescida de juros moratórios vincendos à taxa de 6% a partir de 04/02/2015 sobre o capital de 37.098,93€.
b) Seja julgada procedente a impugnação pauliana e reconhecido o direito da Autora à restituição dos prédios misto e rústico (4/9 indivisos) melhor descritos nos artigos 50º e 56º da petição na medida do seu interesse (realização integral dos créditos), declarando-se ineficazes em relação à Autora os seguintes negócios – compra e venda com mútuo e hipoteca e compra e venda, ambas de 24/09/2010, concernentes aos sobreditos prédios: - relativamente ao prédio misto descrição predial nº ..., compra e venda registalmente inscrita pela Ap. nº 6962 de 2010/09/24 e hipoteca sequente inscrita pela Ap. nº 6965 de 2010/09/24; - relativamente ao prédio rústico (4/9 indivisos) descrição predial nº ..., compra e venda registalmente inscrita pela Ap. nº 13616 de 2010/09/30; c) A condenação do Réu P... a reconhecer que a Autora tem o direito de executar os prédios alienados, na proporção em que o foram, no património deste até integral satisfação dos créditos a que se refere a alínea a) do pedido, praticando, se disso for caso, os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei; d) Deverá o Réu P... ser declarado responsável pelo valor do prédio misto alienado/onerado ao Banco C...., S.A., por hipoteca de valor máximo assegurado de 114.400,00€ e, em consequência, condenado a pagar à Autora o valor do crédito desta sobre o Réu M..., que à custa de outros bens ou direitos não consiga realizar, até ao limite do respectivo valor à data da alienação, de 85.000,00 € ou outro que venha a ser provado; e) ser, subsidiariamente, declarada a nulidade dos seguintes negócios jurídicos: - compra e venda com mútuo e hipoteca do prédio misto descrição predial nº ..., documentada em escritura de 24/09/2010 do Cartório Notarial do Lic. ... tendo como vendedor M... e como comprador P..., registalmente inscritas pela Ap. nº 6962 de 2010/09/24 e Ap. nº 6965 de 2010/09/24; - compra e venda do prédio rústico (4/9 indivisos) descrição predial nº ..., documentada em escritura de 24/09/2010 do Cartório Notarial do Lic. ... tendo como vendedor M... e como comprador P..., registalmente inscrita pela Ap. nº 13616 de 2010/09/30; com todas as consequências legais que decorrem, designadamente regresso dos bens melhor identificados nos artigos 50º e 56º desta peça à esfera jurídica e propriedade do Réu M..., mais se ordenando o cancelamento das inscrições registais correspondentes às aquisições simuladas e demais destas dependentes, designadamente e no que tange ao prédio misto descrição predial nº ..., a hipoteca constituída a favor do B.C., S.A. pela Ap. 6965 de 2010/09/24; Contestaram os Réus, defendendo-se por impugnação, em síntese: O 1ºréu impugnou o crédito, alegando que os contratos são válidos e foram celebrados sem intenção ou conhecimento de qualquer prejuízo para a Autora, que bem sabia das suas dificuldades financeiras e do seu património.
O 2º réu alegou desconhecer os invocados créditos pugnando pela validade dos contratos.
O 3º réu alegou desconhecer os factos invocados pela Autora, sendo alheio a qualquer conluio entre os restantes réus.
1.2. Realizada audiência de julgamento, foi proferida (10/10/2019) sentença que decidiu julgar a ação improcedente a absolver os Réus dos pedidos.
1.3. Inconformada, a Autora recorreu de apelação com as seguintes conclusões: ...
Os 1º e 2º Réus contra-alegaram no sentido da improcedência do recurso.
II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1.- Delimitação do objecto do recurso A impugnação de facto (pontos 15.A, 15.B e 15.C, 21, 22, 23, 24, 25, 26 e 27 dos factos provados; pontos 2.1. 2.2., 2.3. e 2.4 dos factos não provados descritos na sentença); A pretensão da Autora e os pressupostos da pauliana; O pedido subsidiário da nulidade dos negócios por simulação.
2.2.- A impugnação de facto O Tribunal da Relação pode reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar a decisão da 1ª instância nas situações previstas no art.662 nº1 CPC ( als a), b) e c) do nº1 do anterior art.712 do CPC).
Muito embora a revisão do Código de Processo Civil, operada pelo DL 329 A/95 de 12/2, haja instituído de forma mais efectiva a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto, o poder de cognição do Tribunal da Relação sobre a matéria de facto não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto.
Para além da possibilidade de conhecimento estar confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados, com os pressupostos adrede estatuídos no art.640 CPC, a verdade é que o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar ( até pela própria natureza das coisas ) a livre apreciarão da prova do julgador, fundada também na base da imediação e da oralidade, pois na formação da convicção do julgador não intervém apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados.
Contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo. O que se torna necessário é que no seu livre exercício da convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes (convicção motivada) para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção do facto como provado ou não provado, possibilitando, assim, um controle sobre a racionalidade da própria decisão (concepção racionalista da prova) de modo a aferir se a convicção é prudente, como postula o art. 607º, nº 5 CPC.
Neste contexto, o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância, embora exija uma avaliação da prova ( e não apenas uma mera sindicância do raciocínio lógico) deve, no entanto, restringir se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal ou depoimento de parte é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e na avaliação da respectiva credibilidade tem que reconhecer se que o tribunal a quo, pelas razões já enunciadas, está em melhor posição. Por isso, se tem entendido não bastar qualquer divergência de apreciação e valoração da prova, impondo-se a ocorrência de erro de julgamento, sendo o nosso sistema de...
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