Acórdão nº 04B3001 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Outubro de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelNEVES RIBEIRO
Data da Resolução19 de Outubro de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:1. No Tribunal judicial da Comarca de Castro Daire Lamego, A e B, residentes na rua do ..., n°..., Fareja, Castro Daire, vieram propor acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra C - Instituto para a construção rodoviária, com sede na Praça da Portagem - 2800 Almada.

  1. Alegam que são donos de determinado prédio e que o Réu está a implantar uma via rodoviária, apelidada de Variante de Castro Daire.

    Sucede que esta última via está a ser efectuada junto ao prédio do Autor e a execução da mesma, por via de escavações, explosões e remoção de terras e pedras, causou danos àquele imóvel.

  2. Pedem a procedência da acção e, em consequência, sejam reconhecidos como donos e legítimos proprietários do imóvel objecto da presente acção judicial; o Réu condenado a pagar todos os montantes invocados na petição inicial a título de danos patrimoniais que ascendem à quantia de € 16.500,00; e o réu condenado no pagamento dos correspondentes juros de mora desde a data da citação, até efectivo e integral pagamento.

  3. Citado, veio o Réu arguir a incompetência material do tribunal da comarca para conhecer desta acção.

    Requereu ainda a intervenção principal do empreiteiro - o Consórcio "D - Sociedade de Construção Civil, SA", o que foi deferido.

  4. O Autor, na resposta, voltou a defender a competência material do tribunal da comarca.

    [Depois, ocorreram outros incidentes processuais que para aqui não têm interesse nenhum, e levam à recorrente questão interrogativa sobre a serventia útil do modelo de processo civil do século XIX aspectos do Processo Civil de 1876, que transitaram para o Código de Processo Civil de 1939, na vigência do século XXI]. (1) 6. O Senhor Juiz da Comarca, conhecendo da invocada excepção de incompetência do Tribunal em razão da matéria, decidiu pela incompetência do seu tribunal 7. A Relação do Porto, com um voto de vencido, julgou competente o Tribunal comum para conhecer da matéria em conflito (Fls. 314).

    Recorre a Sociedade interveniente indicada (a empreiteira da obra), defendendo a competência do Tribunal Administrativo, por, em resumo, estarmos perante uma relação de direito público e, como tal, um acto de gestão pública que obriga a indemnizar os lesados, havendo prejuízo, causado pelas escavações, explosões e remoção de terras e pedras que atingiram o prédio danificado. (Fls. 620 a 627, e particularmente, pontos: 22, 33, 34, 36 - fls.624/626).

  5. Dito isto, fácil é de ver que, o objecto do presente agravo é circunscrito ao tema seguinte: saber se a responsabilidade extra - contratual que os AA. assacam ao C (e ao empreiteiro/agravante) se enquadra no âmbito da prática de actos de gestão pública ou, ao invés, se estamos em presença de responsabilidade civil extra - contratual que se enquadra no âmbito da prática de actos de gestão privada. Tudo, à luz dos factos alegados pelos AA. na petição inicial.

    Também é este o enquadramento que é feito no ponto 7) do recurso (fls.121).

  6. Assim, por razão de ordem, parece estar indicado que se adiantem, desde já, os factos relevantes da petição apresentada ao Tribunal da Comarca da Castro de Aire, para se determinar qual o tribunal competente para conhecer da causa que eles consubstanciam.

    Ora, o que os autores alegam, como fundamento do pedido de indemnização, é que a C procedeu à realização das obras de abertura e construção de uma estrada, chamada variante de Castro de Aire, após a expropriação por utilidade pública, dos terrenos indispensáveis. Sucedeu que, com tais obras, os autores acabaram por sofrer vários prejuízos, que quantificam, na sua casa, contígua (ou próxima) aos prédios expropriados onde as obras decorreram.

    Mais alegam que os prejuízos ocorreram por causa da construção da estrada com utilização de máquinas de grande porte, remoção e movimentação de pedras e terras e utilização de dinamite para explosão do solo.

    Actuação que provocou danos na sua casa, como fissuras nas paredes, nos tectos, portas, janelas, deslocação de assentamentos e alicerces, materiais cerâmicos, estuques, gessos, pinturas, etc.

  7. Voltando atrás, diremos que o problema consiste em saber se estamos perante uma acto de gestão pública (Decreto-lei n.º 48.051, de 21 de Novembro de 1967 e artigo 22º da Constituição da República), levada a cabo por uma pessoa jurídica (um Instituto Público) integrada na Administração Pública do Estado/ Administração, que o Governo superintende, artigo 199º, alínea d), da Constituição da República; ou se estamos em presença de um simples acto de gestão privada, no quadro legal previsto, entre outros, pelo artigo 501º do Código Civil.

    10.1. Vamos seguir de perto o que dissemos nos acórdãos que foram proferidos nos agravos, n.º 1484/03, de 27 de Maio, e n.º 3845/03, de 11 de Novembro de 2003, assinados pelos mesmos Juízes, aqui também subscritores.

    10.2. A competência judiciária em razão da matéria (a par da hierárquica e da internacional) é de ordem pública. É só pode decorrer da lei.

    Fixa-se em função da natureza da matéria a judicar, sendo critério relevante da sua atribuição, a escolha do tribunal que mais vocacionado estiver para dela conhecer.

    Reclama a eficiência de organização judiciária com vista à melhor prestação da qualidade da justiça. Por isso, releva de interesse público fundamental, dando lugar à sanção da incompetência absoluta do tribunal que dela conheça, em violação das regras que a determinam (artigo 101.º do Código de Processo Civil).

    E determinam-na, procurando adaptar o órgão à função, assegurando a idoneidade funcional do juiz, através de uma relação de pertinência o mais apropriada possível, entre ele e a matéria da causa de que deve conhecer.

    O critério de atribuição de competência material ao juiz projecta a vocacionalidade, aptidão, adequação ou agilização do tribunal à causa. Todos são vocábulos de conteúdo homólogo, traduzindo, na essência, a habilitação funcional do tribunal para a matéria que constitui objecto que em cada causa estiver.

    Idoneidade do juiz, como se começou por referir, e também assim lhe chamou o Professor Alberto do Reis (2).

    Num Estado de Direito, é fundamental a bondade da lei organizativa judiciária, no acerto e determinação dos factores objectivos de conexão ou elos materiais de ligação correspondentes, para que o Estado cumpra, ao mais alto nível possível, a qualidade da prestação judiciária pública.

    E quanto mais apurado for o critério atributivo de competência material (só para falar desta), melhor sortirá a garantia da qualidade com que a Justiça é administrada ao cidadão a quem se destina.

    10.3. A organização judiciária...

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