Acórdão nº 108020/19.9YIPRT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 01 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO MATOS
Data da Resolução01 de Julho de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I – RELATÓRIO 1.1.

Decisão impugnada 1.1.1. Águas ..., S.A.

(aqui Recorrente), com sede na Rua …, …, em ..., propôs um procedimento de injunção, contra R. F.

(aqui Recorrido), residente na Avenida …, em Delães, pedindo que: · o Requerido fosse notificado para lhe pagar a quantia de € 317,00 (sendo € 157,31 a título de capital, € 5,92 a título de juros de mora vencidos - calculados à taxa de € 8,00% ao ano, contados desde 08 de Março de 2019 até 14 de Novembro de 2019, data de instauração do procedimento de injunção -, e € 85,00 a título de despesas administrativas tidas com a instauração dos autos), acrescida e juros de mora vincendos, calculados à taxa de 8,00% ao ano, contados desde 15 de Novembro de 2019 até integral pagamento.

Alegou para o efeito, e em síntese, que, tendo celebrado, em 11 de Fevereiro de 2014, com o Requerido (R. F.), o contrato de fornecimento de água e saneamento n.º ………36, lhe forneceu efectivamente tais bem e serviço.

Mais alegou que o mesmo não lhe pagou o respectivo preço, encontrando-se por isso em dívida cinco facturas, vencidas de 08 de Março de 2019 a 19 de Julho de 2019, cujos montantes parcelares discriminou.

1.1.2.

Pessoalmente notificado, o Requerido (R. F.) deduziu oposição, pedindo que se reconhecesse o infundado da pretensão da Requerente (Águas ..., S.A.).

Alegou para o efeito, em síntese, encontrarem-se prescritos todos os créditos alegados por ela, uma vez que já teriam decorrido seis meses sobre cada um dos fornecimentos de água feitos.

1.1.3.

Convertidos os autos em acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, veio a Autora (Águas ..., S.A.) responder à excepção de prescrição deduzida, pedindo que a mesma fosse considerada improcedente relativamente à última factura por si reclamada.

Alegou para o efeito, em síntese, que não obstante ter efectivamente ocorrido a prescrição dos demais créditos invocadas, outro tanto não sucederia quanto à factura emitida em 28 de Junho de 2019 (pertinente ao período de facturação de 12 de Maio a 26 de Junho de 2019), vencida a 19 de Julho de 2019, já que os autos de injunção teriam sido intentados antes de terem decorrido seis meses sobre a prestação do serviço.

1.1.4.

Foi proferido despacho, convidando as partes a pronunciarem-se sobre a eventual incompetência absoluta do Tribunal a quo, em razão da matéria, para o conhecimento da causa, por aquela poder pertencer aos tribunais tributários, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) - CONTRADITÓRIO - Antevendo-se a hipótese do presente Tribunal ser absolutamente incompetente, em razão da matéria, para conhecimento da causa, nos termos dos artigos 1.º, n.ºs 1, 4.º, al. o), do ETAF, visto competir aos tribunais tributários o conhecimento de ação em que uma empresa concessionária do serviço público municipal de abastecimento de água pretende cobrar uns consumos de água e tarifas de disponibilidade por estarem em causa tarifas, taxas ou encargos resultantes de exigências impostas autoritariamente em contrapartida do serviço público prestado, relação jurídica que é regulada por normas de direito público tributário, concede-se às partes o prazo de 10 (dez) dias para, querendo, se pronunciarem acerca da questão (…)».

1.1.5.

Apenas a Autora se pronunciou, pedindo que se considerasse o Tribunal a quo materialmente competente para conhecer do pedido, nele prosseguindo os autos os seus trâmites normais.

Alegou para o efeito, em síntese, que tendo ela própria natureza de empresa privada (com capital 100% privado), e não obstante ser concessionária de um serviço público, a competência material para conhecer da obrigação pecuniária decorrente de contratos que celebrasse com utentes (para prestação de serviços públicos essenciais) seria do Tribunal comum.

Ter-se-ia, assim, que distinguir o contrato de concessão de exploração e gestão de serviços públicos municipais de água e saneamento, celebrado por ela própria e o Município de ..., e o contrato que esteve na origem da facturação, celebrado entre ela própria e o Réu (contrato de consumo, na modalidade de prestação de serviços, de natureza privada).

1.1.6.

Foi proferido despacho, julgando verificada a excepção dilatória de incompetência material do Tribunal a quo, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) Pelo exposto, julgo verificada a exceção dilatória de incompetência material e, declarando o presente tribunal incompetente, em razão da matéria, para a apreciação da presente ação, absolvo o réu da instância.

*Custas pela autora (artigo 527.º, nºs 1 e 2, do CPC), fixando-se à ação o valor de 248,23 € (art.º 297.º, n.º 1 e 306.º, n.º 2, do CPC).

*Registe e notifique, advertindo-se as partes para o artigo 99.º, nº 2, do CPC.

(…)» *1.2. Recurso 1.2.1. Fundamentos Inconformada com esta decisão, a Autora (Águas ..., S.A.) interpôs recurso de apelação, pedindo que fosse revogada a decisão recorrida, e se considerasse o Tribunal a quo materialmente competente para julgar os autos.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):

  1. O presente recurso versa questões de direito, na medida em que as normas que servem de fundamento jurídico à douta Sentença Judicial, proferida pelo digníssimo Tribunal “a quo”, deveriam ter sido interpretadas e aplicadas de forma distinta – designadamente aferir a competência material dos tribunais.

  2. A Autora celebrou em 31 de outubro de 2001, com a Câmara Municipal de ..., um Contrato de Concessão de Exploração e Gestão dos Serviços Públicos Municipais de Água e Saneamento de ....

  3. De acordo com o referido Contrato de Concessão e com as disposições legais previstas no Decreto-Lei n.º 379/93, de 5 de novembro, a Autora obrigou-se a explorar e gerir os sistemas municipais de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, de recolha, tratamento e rejeição de efluentes.

  4. Pelo que estamos perante a prestação de um serviço público essencial, prestado em regime de concessão por uma empresa privada, de capitais 100% privados.

  5. Decorre do disposto nos art.º e 85.º, 93.º e 94.º do Regulamento de Distribuição de Água e Drenagem de Águas Residuais no Município de ..., n.º 792/2016 de 10 de agosto, os serviços prestados estão sujeitos aos pagamentos que constam do Tarifário/Preçário, o qual constitui o anexo I ao referido Regulamento, sendo de aplicação geral e obrigatória no Município de ....

  6. O disposto na Lei das Finanças Locais, aprovada pela Lei n.º 42/98, de 6 de agosto, atualmente revogada pela Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro, os Municípios têm a faculdade de exigir aos seus utentes o pagamento de preços pelos serviços que presta.

  7. Estabelecendo o art.º 13.º, n.º 2, do referido Decreto-Lei n.º 379/93, de 5 de novembro, que a Concessionária, precedendo aprovação pelo Concedente, “tem direito a fixar, liquidar e cobrar uma taxa aos utentes, bem como a estabelecer o regime de utilização e está autorizada a recorrer ao regime legal de expropriação…” H) A Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro (Lei da Água) também impõe, no art.º 82.º, que no regime das tarifas a aplicar esteja assegurada a recuperação do investimento inicial e de eventuais novos investimentos de expansão, modernização e substituição, visando ainda uma adequada remuneração dos capitais próprios da Concessionária, nos termos do respetivo Contrato de Concessão, e o cumprimento dos critérios definidos na Lei e nas orientações do Instituto Regulador.

  8. O contrato celebrado entre a concessionária e o cliente consiste num contrato de prestação de serviços e concretamente de consumo, conforme se afere da Lei n.º 24/96, de 31 de julho (que postula a defesa dos consumidores).

  9. Ora a cobrança coerciva dos “preços” dos serviços prestados pela Concessionária aos clientes que o solicitarem (não se tratando de preços decorrentes de obrigações legalmente impostas, tal como sucede nas tarifas decorrentes das obrigatoriedades de ligação dos prédios abrangidos pelas redes públicas de água e saneamento!), que se consubstanciam em tarifas fixas (tarifas de disponibilidade) e variáveis, é da incumbência junto dos Tribunais Comuns, conforme tem sido prática e atualmente consagrado no nosso ordenamento jurídico, de acordo com o disposto no Art.º 4.º, n.º 4, al.

e) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, introduzida pela Lei n.º 114/2019 de 12 de setembro, em que se encontra expressamente excluída da competência dos tribunais de jurisdição administrativa e fiscal.

Vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de outubro de 2020 (proc.

N.º 40700/19).

*1.2.2. Contra-alegações Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.

*II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR 2.1. Objecto do recurso - EM GERAL O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).

*2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar Mercê do exposto, uma única questão encontra-se submetida à apreciação deste Tribunal ad quem: · Questão Única - É o Tribunal a quo materialmente incompetente para conhecer da matéria dos autos (cobrança da contrapartida pecuniária do fornecimento de água e de taxas de disponibilidade) ou, pelo contrário, assiste-lhe essa competência (devendo, por isso, apreciar o respectivo mérito) ? *III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Com interesse para a apreciação da questão enunciada, encontram-se assentes (mercê do conteúdo dos próprios autos) os factos já discriminados em «I -...

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