Acórdão nº 04B956 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Setembro de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelLUCAS COELHO
Data da Resolução22 de Setembro de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:I1. "A" C.ª, Lda., sociedade de produção e venda de calçado com sede em S. João da Madeira, instaurou no tribunal desta comarca, em 6 de Junho de 2002, contra B, Lda., empresa de produção de componentes para a indústria de calçado, nomeadamente saltos, sediada em Oliveira de Azeméis, acção ordinária tendente a fazer valer a responsabilidade civil da ré por defeitos detectados num conjunto de saltos que a autora lhe comprou de fins de Janeiro até Março de 2001, incorporando-os em sandálias que foi exportando para uma cliente em Inglaterra, onde se verificou que os saltos estavam a partir quando usados pelos consumidores finais, com graves riscos para os utilizadores e a correspondente responsabilidade dos vendedores.

Para conseguir vingar no seio da concorrência insuportável do sector, a autora sempre apostou na irrepreensível qualidade dos seus produtos, facto do conhecimento da ré, que desde sempre foi advertida para o facto de a demandante não poder correr o risco de fornecer produtos defeituosos ou de menor qualidade.

Por isso que, recebida em 21 de Junho de 2001 a comunicação das anomalias verificadas, a autora tenha de imediato alertado a ré, entregando-lhe inclusive alguns pares de sapatos recebidos de Inglaterra para que ela própria pudesse analisar e comprovar o defeito. O teste de fadiga do salto já realizado naquele país falhou sempre, a um número de pancadas muito inferior ao da capacidade de resistência exigida pelas normas do comércio de calçado, e os testes efectuados no Centro Tecnológico do Calçado, de S. João da Madeira, foram todos também no sentido de os saltos fornecidos pela ré não estarem conformes às normas aplicáveis.

Perante a evidência, a ré assumiu a total responsabilidade pelos prejuízos causados, e a autora desenvolveu contactos com a cliente inglesa no sentido da concretização das formas de ressarcimento, ficando além do mais acertada uma certa forma de pagamento, que a autora para já efectuou, e que o calçado com defeito seria reenviado para Portugal, estando depositado numa empresa transitária de Matosinhos à disposição da ré desde 12 de Julho de 2001, sendo, porém, a autora que perante a total omissão daquela está a suportar os custos da armazenagem.

Numa palavra. A demandante sofreu diversas espécies de danos consequência do defeito dos saltos fornecidos pela ré, incluindo significativamente uma quebra acentuada nas exportações para a cliente britânica logo detectada no mês de Dezembro de 2001.

Pede, em resumo, a condenação da demandada: a solver-lhe a quantia de 229.512,01 € (46.013.026$80), a título de indemnização pelos prejuízos resultantes do fornecimento dos saltos defeituosos; os juros moratórios legais vencidos e liquidados até 20 de Junho de 2002 no montante de 7.649,01 € (1.533.488$80), sobre as quantias reembolsadas pela autora ao cliente inglês desde a data do reembolso; o custo da armazenagem do calçado devolvido ao preço cobrado pelo depositário, desde aquela data até ao levantamento; e os juros vincendos à taxa legal sobre todo o capital pedido até integral pagamento.

  1. Contestou a ré, arguindo a caducidade do direito invocado pela autora. Em dois planos.

    Primeiro, porque, celebrado entre ambas um contrato de compra e venda comercial, mercê do qual entregou à autora, entre 27 de Outubro de 2000 e 16 de Março de 2001, a mercadoria transaccionada, a autora reclamou contra a qualidade da mesma tão-somente após 21 de Junho de 2001 e, portanto, fora do prazo de 8 dias previsto no artigo 471.º do Código Comercial. Por outro lado, a presente acção está sujeita, conforme o artigo 917.º, ao prazo de caducidade de 6 meses a contar da denúncia do defeito, tendo por conseguinte caducado, uma vez que a denúncia dos defeitos teve lugar a 21 de Junho de 2001 e a acção só foi instaurada em 6 de Junho de 2002.

    A autora respondeu na réplica à excepção contrapondo não estar em causa um contrato de compra e venda, mas de fornecimento. E alegando ademais não ser aplicável o prazo do citado artigo 471.º quando seja necessário proceder a testes para descobrir o vício da coisa, como no caso sub iudicio.

    A excepção peremptória veio justamente a proceder no saneador, proferido em 8 de Novembro de 2002, que absolveu a ré do pedido.

    Pelo menos desde 29 de Junho de 2001, por meio de fax a fls. 10, que a autora denunciara à ré o defeito nos saltos. E, contudo, só em 6 de Junho de 2002, cerca de um ano após a denúncia do defeito, intentou a presente acção, ultrapassado já manifestamente o prazo de caducidade de 6 meses estipulado no artigo 917.º 3. Apelou a autora, sem sucesso, tendo o Ex.mo Relator na Relação do Porto proferido despacho nos termos do artigo 705.º do Código de Processo Civil, que confirmou a decisão apelada e a caducidade da acção conforme o artigo 917.º.

    Reclamou a apelante ao abrigo dos n.os 3 e 4 do artigo 700.º, alegando em resumo, além da omissão de pronúncia do despacho reclamado, uma diversa qualificação do contrato ajuizado, como empreitada, requerendo que sobre toda a matéria do recurso recaísse acórdão.

    A conferência confirmou, porém, o despacho liminar, e o reconhecimento da caducidade tipificada no artigo 917.º Explicitou ademais não se verificar a omissão de pronúncia, atendendo a que a qualificação compra e venda prejudica o conhecimento das questões postuladas pela qualificação empreitada, alegadamente não decididas.

    Do acórdão nesse sentido emitido, em 26 de Maio de 2003, a autora interpôs agravo, recebido como revista, o que originou impugnação da espécie, liminarmente decidida no segundo sentido.

  2. A respectiva alegação remata com as conclusões que seguem, das quais se encontram prejudicadas as respeitantes às vicissitudes processuais acabadas de relatar: 4.1. «Fundando-se a reclamação objecto de recurso na violação da lei do processo (errada aplicação do artigo 705.º) e na arguição de uma das nulidades do artigo 668.º [omissão de pronúncia; alínea d) do n.º 1] e tendo o acórdão que a decidiu mantido a decisão reclamada, o recurso próprio é o de agravo e não o de revista...

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