Acórdão nº 285/14.5TVPRT.P2 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-04-07

Ano2022
Número Acordão285/14.5TVPRT.P2
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. nº 285/14.5TVPRT.P2

Sumário:
……………………………………………
……………………………………………
……………………………………………

I. Relatório
M..., S.A., sociedade comercial com sede no Edifício ..., Rua ..., ..., ... Porto, pessoa colectiva nº ..., intenta esta acção de condenação contra P..., S.A., com sede na Rua ..., ..., ... Porto, pessoa colectiva nº ..., pedindo a condenação da Ré a pagar à A. a quantia total de €197.089,34€ (cento e noventa e sete mil, oitenta e nove euros e trinta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora vincendos até integral e efectivo pagamento.
Para tal alega, em suma, que celebrou com esta um contrato de fabrico nos temos do qual lhe entregou material e uma máquina para que esta fabricasse determinado produto farmacêutico, o que não aconteceu gerando danos no valor peticionado.
Na sua contestação a ré impugna essa versão da realidade considerando que não existiu incumprimento e que, se o mesmo ocorreu foi devido à conduta da autora que não fez uma revisão à máquina e não entregou mercadoria para ser transformada.
Saneada a causa foram consideradas as seguintes questões a decidir: 1. Apreciar a validade e licitude da resolução do contrato celebrado em 31 de Outubro de 2007, entre a Autora e a Ré, e através do qual a P... (Ré) se obrigava a proceder ao fabrico e acondicionamento do medicamento (...) de acordo com a documentação, instruções e especificações técnicas indicadas pela M ... (Autora); 2. Caso se conclua pela invalidade da resolução levada a cabo pela Autora, apreciar se o contrato subsiste ou se cessou por iniciativa (unilateral) da Autora; 3. Apreciar a pretensão indemnizatória formulada pela Autora (prejuízos emergentes da impossibilidade de comercialização do produto; custos suportados com a aquisição de material para o fabrico do produto em causa; prejuízos emergentes do não uso da marca e consequentes reflexos a nível da notoriedade e comercialização; 4. remanescente do adiantamento efectuado pela Autora à Ré).
Instruída e julgada a causa foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.
Inconformada veio a autora interpor recurso, nos termos do qual suscitou a admissibilidade de determinados documentos que juntou apenas em audiência.
Foi proferido acórdão, nos termos do qual foi determinado que essa junção era legal e válida, pelo que foram os autos reenviados para ser inquirida quanto aos mesmos uma testemunha.
Após recurso para o STJ, não apreciado, foi produzida a prova em causa e produzidas alegações, findas as quais o tribunal renovou a decisão já proferida.
Inconformada veio a autora apelante interpor novo recurso o qual foi admitido como de APELAÇÃO, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
*
2.Alegações
2.1. A apelante apresentou as seguintes conclusões:
……………………………………………
……………………………………………
……………………………………………
2.2. A apelada respondeu nos seguintes termos
……………………………………………
……………………………………………
……………………………………………

3. Questões a decidir
1. Apreciar o recurso da matéria de facto
2. Depois, determinar a quem é imputável a resolução do acordo e, se necessário, determinar, o montante dos danos indemnizáveis.

4. Do recurso da matéria de facto
O princípio da verdade material tem, entre nós, valor constitucional. Mas essa verdade é prático-jurídica, ou seja, visa a verdade socialmente relevante e não absoluta, sendo ainda limitada pelas restrições processuais
A valoração da prova é sempre delicada nesta instância de recurso. Porque, se por um lado a mesma é total e plena, tem também de respeitar as limitações inerentes ao sistema de recurso processual (que não visa um segundo julgamento, mas apenas a reparação de erros); e à concreta posição do julgador que sofre uma diminuição considerável da sua perceção devido à falta de imediação.
Deste modo, este tribunal é livre nessa tarefa, mas em rigor terá de usar essa liberdade com especiais cautelas já que possui menos perceções do que o tribunal que está a fiscalizar.
Por causa disso, só em situações em que exista um grau de certeza e não meras dúvida, é que este tribunal pode divergir com segurança do juízo probatório da primeira instância.

A produção da prova, em resumo, foi a seguinte:
Testemunha AA: Confirma, em geral, a tese da autora, sendo que exerce funções como assessora do representante da Autora signatário da maior parte dos emails juntos aos autos.
Testemunha BB : Esta testemunha parece saber tudo de tudo, apesar de ser “apenas” farmacêutica, sendo que nenhuma pergunta foi feita sobre a relação e parentesco com o gerente da autora. Respondeu a perguntas do contrato apesar de logo ter dito que não o negociou. Faz analogias (com D... e N...) visando justificar a redução da encomenda de 40 mil para 10 mil. Também diz que comunicou que em 2013 confirma que a encomenda seria menor, por existirem perdas. No contra instância diz que não conseguiu arranjar outra empresa produzir os pensos dizendo que não tinha a máquina. Confrontada com a carta e orçamento que demonstra que podiam querendo ter levantado a máquina, já diz que “não sei não posso, não quero estar a falar”(mas antes falou com toda a certeza). Note-se que nesta parte o seu depoimento é flagrantemente oposto ao do diretor operacional da autora.

Testemunha CC (diretor operacional Autora) refere os incumprimentos e diz até que “a máquina é uma tecnologia antiga” e não tem ideia quanto pode valer. Mas que estavam dispostos a ir buscar a máquina, sendo que desconhece o valor desta. Perguntado diretamente sobre o (preço 250 mil euros) diz não saber. Ao minuto 27 foi a testemunha advertida de que não deveria dizer que tinha conhecimento direto quando não o tinha, ou seja, afinal nada sabe sobre os erros de produção da ré. Diz também que as encomendas não passavam por si.

Testemunha DD (Chefe de vendas da F... farmacêutica, tendo trabalhado na ré desde Outubro 2010 até julho de 2013). Diz que o contrato não tinha qualquer racionalidade económica e que quando chegou não se produzia o produto há vários anos e que foi tentado reativar o acordo. Pergunta do advogado da autora “isto falhou”, resposta da testemunha “não correu bem”. Confrontado com os documentos 8 e segs. (emails assinados por si) admite que ocorreu essa encomenda e que os prazos de entrega foram definidos pelo diretor de produção. Face ao teor desses emails no qual lamenta os constrangimentos causados já diz que “constrangimentos eram a revisão da máquina e a falta de entrega de matéria prima”. Confrontado com o teor do contrato, admite que a compra das matérias primas pode estar ligada às dificuldades financeiras da ré. Na contra-instância diz que a máquina estava já com problemas e precisava de revisões “para poder produzir alguma coisa”, e que no controlo de qualidade muitos produtos não passavam. Diz que a máquina tinha 50 a 60 anos.

Testemunha EE: Refere que a mercadoria entregue não era suficiente para efectuar as 40 mil unidades, o que era, para eles, o valor minino de produção com racionalidade económica. Sendo que a máquina “não tinha condições de produção”, e que os custos de afinamento eram elevados e por isso precisavam de uma encomenda grande. Esclareceu que o desperdício normal é de 3% e que essa máquina tinha um desperdício de 15% só em materiais, exigindo ainda engenheiros de manutenção em permanência.
FF (diretor geral ... e inquirido duas vezes, incluindo após a admissão dos documentos): Foram lidas as facturas juntas em sede de recurso o qual afirmou a ligação desses componentes à produção dos pensos em causa. Diz que o stock esgotou e que encomendas não foram satisfeitas por falta de produto. Lembra-se que algumas empresas compravam produto para exportação não podendo precisar se efetuaram encomendas após o esgotamento dos stocks. Depois de 2016 nunca mais houve distribuição do penso. Na primeira inquirição esclarece que em 2013 não havia produto e que a pedido da autora armazenou matéria prima para produção desse produto.

Analisando a prova de forma global e critica, podemos constatar que das 3 testemunhas apresentadas pela autora, nenhuma tem conhecimento das queixas concretas efectuadas pela ré, relativamente aos problemas de fabrico da máquina e da necessidade de elaborarem a produção com elevada quantidade devido a esses mesmos problemas.
Estas testemunhas (veja-se Dr. CC, minuto 24) contradizem-se dizendo que não podiam encomendar mais de dez mil unidades por existir stock e que afinal em 2013 já não havia qualquer stock. Depois, se a máquina fosse tão útil e necessária não se compreende como ainda hoje (9 anos depois) a máquina esteja nas instalações da ré sem uso. E, por fim, se os produtos foram comprados para produzir 40 mil unidades qual a razão para afinal a quantidade entregue só permitia a produção de 10 mil pensos.
Pelo contrário, o diretor de produção da ré foi claro, simples e preciso, sendo pois, muito mais convincente. Este afirma por exemplo que a taxa de desperdício era de 15% e não de 3% como normal e que a produção era inviável sendo minorada apenas se fosse realizada de forma planeada e contínua.
Do mesmo modo, o Sr. GG esclareceu as dificuldades de rentabilidade na produção desse produto.
E, por exemplo, a Sra. HH confirma os problemas de qualidade de alguns lotes dizendo que eram em especial na selagem das compressas, facto esse que é efectuado pela máquina que “ou não ficava bem selado ou até ficava roto”. Era uma máquina antiga e o número de rejeitados era muito elevado, mais à frente diz que “acha que seriam 30%”, e que não sabe ao certo se eram 15 ou 30.
Deste modo, vemos que a prova testemunhal da ré tem uma qualidade e força persuasiva racional superior (muito superior), à da autora. Esta demonstrou algo que, qualquer observador racional e isento, apreende com a audição de toda a prova (incluindo alegações de facto), que a autora pretendeu aparentemente dar cumprimento ao contrato com a ré, mas afinal era esta, que na
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT