Acórdão nº 04S1511 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Julho de 2004 (caso NULL)
Magistrado Responsável | FERNANDES CADILHA |
Data da Resolução | 13 de Julho de 2004 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório.
"A", com o patrocínio do Ministério Público, intentou a presente acção com processo especial emergente de acidente de trabalho contra a "B" e a "C, S.A.", peticionando o direito à reparação pelo acidente de trabalho que causou a morte do seu cônjuge, D, ocorrido quando prestava a sua actividade laboral ao serviço da segunda ré.
A acção foi julgada parcialmente procedente por sentença do Tribunal de Trabalho de Famalicão, que condenou as rés a pagar à autora a pensão anual e vitalícia de 4.054,96 euros, com início em 12.7.2001, actualizada para 4.196,88 € a partir de 1.1.2002, e para 4.280,82 € a partir de 1.12.2002, e as quantias de 20,00 euros a titulo de despesas de transporte e 4.010,34 € de subsídio por morte, ficando a respectiva quota-parte de responsabilidade repartida entre a seguradora e a Rodoviária, na proporção de 53,99% e de 46,01% .
Em apelação, a seguradora suscitou a questão da descaracterização do acidente de trabalho por existência de negligência grosseira do sinistrado, mas a Relação julgou improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.
É esta questão que vem de novo suscitada em recurso de revista, em cuja alegação a ré seguradora formula as seguintes conclusões: 1. Face à matéria dada como provada relativamente ao acidente dos autos, o Mmo. Juiz "a quo" deveria ter descaracterizado o acidente como acidente de trabalho, decidindo que o mesmo não dava direito a reparação ao abrigo do disposto na alínea b) do nº. 1 do art. 7º da Lei 100/97 e no art. 8º, nº. 2, do DL 143/99.
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Na verdade, colocar-se por debaixo de um pesado de passageiros - autocarro - com o motor a trabalhar, sem estar engrenada qualquer velocidade nem calçada qualquer roda, por forma a que o dito, mesmo por força das vibrações do trabalhar do motor, não vencesse a inércia e se pusesse em andamento, esmagando quem sob o mesmo se encontrasse constitui negligência grosseira, pois que resulta de falta grave e indesculpável do próprio sinistrado.
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Tal comportamento é, de resto, violador do estatuído no nº. 5 do art. 48º do Cód. da Estrada, representando, da parte de um profissional com conhecimentos e responsabilidades acrescidas, um comportamento que tem tanto de temerário como de inútil e inexplicável.
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De facto, é notório que o acidente não teve a participação, de mais ninguém, resultando unicamente da altamente deficiente e escandalosamente temerária forma como o sinistrado lidou com o equipamento que constitui a sua ferramenta de trabalho, a saber, o pesado de passageiros.
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Ao não decidir desta forma o Tribunal "a quo" interpretou erradamente e com isso violou o disposto nos arts. 48º, nº. 3, do Cód. da Estrada, a alínea b) do art. 7º da Lei 100/97, e o nº. 2 do art. 8º do DL 143/99.
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A tudo o exposto, que só por si determinaria a alteração do Douto Acórdão proferido, acresce que, atenta a matéria dada como provada relativamente ao acidente dos autos, o mesmo sempre deveria ter-se por descaracterizado como acidente de trabalho, decidindo-se que o mesmo não dava direito a reparação ao abrigo do disposto na alínea a) do nº. 1 do art. 7º da Lei 100/97.
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Na verdade, foi dado como assente logo na 1ª instância que o sinistrado sabia que a sua entidade patronal lhe havia determinado, como a todos os motoristas, que, aquando do estacionamento dos autocarros travassem a viatura e desligassem o respectivo motor, e que sendo o terreno inclinado deveriam ainda engrenar uma velocidade baixa, e que nas situações em que, excepcionalmente, fosse necessário estacionar deixando o motor do veículo a trabalhar, deveriam deixar a viatura travada e calçada.
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No caso dos autos, o sinistrado violou tal prescrição de segurança e abandonou o posto de condução com o motor a trabalhar, colocando-se por debaixo do pesado, junto ao seu rodado traseiro, sem que calçasse qualquer roda do veículo por forma a evitar que se pusesse em movimento.
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Para decidir diferentemente o Tribunal "a quo" entendeu alterar a decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto, dando como não assente que o sinistrado tivesse conhecimento da prescrição de segurança da sua entidade patronal referida em 7.
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Tal constitui verdadeira alteração da decisão sobre a matéria de facto, totalmente ilegal pois que não estavam preenchidos os requisitos do art. 712º do Cód. Proc. Civil - o Tribunal da Relação não pode apreciar todos os meios de prova como fez o Tribunal da 1ª instância.
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Por outro lado, tal actuação integra uma violação do disposto na alínea d) do nº. 1 do art. 668º do Cód. Proc. Civil, pois que o Tribunal da Relação levantou uma questão que mais ninguém levantou, nem sequer nas contra-alegações de recurso.
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Para além do exposto, tal alteração da matéria de facto é especialmente censurável por implicar ainda violação dos arts. 264º, nº. 2, 515º, nº. 3º, e 517º, nº. 2, do Cód. Proc. Civil, pois que leva à absoluta desconsideração de factos que têm que se ter por provados por prova testemunhal e por documentos juntos aos autos - participação do acidente e relatório do IDICT - que jamais foram impugnados por quem quer que fosse.
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A verdadeira alteração da decisão da matéria de facto operada pelo Tribunal da Relação deve, assim, ser totalmente anulada, mantendo-se toda a factualidade assente na 1ª instância, em especial o sinistrado sabia que a sua entidade patronal lhe havia determinado, como a todos os motoristas, que, aquando do estacionamento dos autocarros travassem a viatura e desligassem o respectivo motor, e que sendo o terreno inclinado deveriam ainda engrenar uma velocidade baixa, e que nas situações em que, excepcionalmente, fosse necessário estacionar deixando o motor do veiculo a trabalhar, deveriam deixar a viatura travada e calçada.
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Assim sendo, os factos provados demonstram à saciedade que o sinistrado, ao não tomar todas as precauções para evitar que o pesado se pusesse em movimento, nomeadamente, calçando o veículo, que se encontrava em funcionamento, por forma a impedir que este vencesse a inércia e começasse a rolar violou grosseira e injustificadamente o art. 48º, nº. 5, do Cód. da Estrada assim como as prescrições de segurança que, relativamente à imobilização de veículos, lhe foram impostas pela sua entidade empregadora, violação essa que foi a causa única e adequada do acidente dos autos.
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O acidente tem assim que se ter por descaracterizado como acidente de trabalho, de acordo com o estatuído na alínea a) do nº. 1 do art. 7º da Lei 100/97 e o nº. 5 do art. 48º do Cód. da Estrada e pela violação das prescrições de segurança que, relativamente à imobilização de veículos, foram impostas ao sinistrado pela sua entidade empregadora, violações estas que foram a causa única e adequada do acidente dos autos, 16. Ainda que se entendesse ser legal a actuação do...
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