Acórdão nº 05P2978 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelSIMAS SANTOS
Data da Resolução15 de Dezembro de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.1.

O Tribunal Colectivo do 4º Juízo da Póvoa do Varzim (proc. n.º 381/03.4 GAPVZ) condenou o arguido AMF na pena de 40 dias de multa à taxa diária de 5 €, como autor de 1 crime de ofensas à integridade física simples do art. 143º nº 1 do C. Penal; na pena de 3 anos de prisão, como autor de 1 crime de ofensas à integridade física grave do art. 144º al. d) do C. Penal; na pena de 15 anos de prisão, como autor de 1 crime de homicídio qualificado dos art.ºs 131º e 132º n.ºs 1 e 2 als d) e g) do C. Penal; na pena de 180 dias de multa a 5 euros por dia, como autor de 1 crime de detenção de arma de defesa do art. 6º n.º 1 da Lei n.º 22/97 de 27 de Junho, na redacção dada pela Lei n.º 98/01 de 25 de Agosto; e na pena de 40 dias de multa a 5 euros por dia, como autor de 1 crime de detenção ilegal de arma proibida do art. 275º n.ºs 1 de 3 do C Penal.

Em cúmulo jurídico foi condenado na pena unitária de 16 anos de prisão e 230 dias de multa a 5 € por dia.

Em relação aos pedidos cíveis deduzidos, foi o arguido condenado a pagar: Á ofendida MMFF, o valor global de € 18 033.60; à viúva: JJF, casada que foi com a vítima - JLBF, o montante de € 11.0000; a JFF, o montante de € 8.000; a MAMGF, o valor de € 8.000; ao Centro Hospitalar Póvoa de Varzim/Vila do Conde, os serviços de assistência médica que prestou à ofendida - MMFF, no valor de € 96.00; ao Instituto de Solidariedade e Segurança Social, durante o tempo em que esteve incapacitada para exercer a sua actividade profissional (1 de Setembro de 2003 e 26 de Fevereiro de 2004), o montante de € 1556,70; e ainda aos mesmos requerentes (do pedido de indemnização cível), os respectivos juros de mora vencidos desde a notificação para contestar o pedido de indemnização e vincendos até integral pagamento, à taxa anual de 4%, absolvendo o mesmo arguido do demais pedido de indemnização cível formulado pelos requerentes.

1.3.

Inconformados recorreram para a Relação do Porto (proc. n.º 633/05): o arguido, o Ministério Publico e ainda os assistentes (relativamente à parte cível).

Aquele Tribunal Superior, por acórdão de 11.5.2005, decidiu julgar improcedentes os recursos interpostos quer pelo arguido quer pelo Ministério Público e em consequência manter o acórdão recorrido na parte criminal e julgar parcialmente procedente o recurso dos demandantes cíveis, mantendo as demais indemnizações fixadas no acórdão recorrido. Assim, condenou o arguido a pagar: Á ofendida MMFF, o valor global de € 21.783, 60; à viúva: JJF, casada que foi com a vítima - JLBF, o montante de € 14.750; a JFF, o montante de € 11.750; a MAMGF, o valor de € 11.750; ao Centro Hospitalar Póvoa de Varzim/Vila do Conde, os serviços de assistência médica que prestou à ofendida - MMFF, no valor de € 96.00; ao Instituto de Solidariedade e Segurança Social, durante o tempo em que esteve incapacitada para exercer a sua actividade profissional (1 de Setembro de 2003 e 26 de Fevereiro de 2004), o montante de € 1556,70; e ainda aos mesmos requerentes (do pedido de indemnização cível), os respectivos juros de mora vencidos desde a notificação para contestar o pedido de indemnização e vincendos até integral pagamento, à taxa anual de 4%, absolvendo o mesmo arguido do demais pedido de indemnização cível formulado pelos requerentes.

1.3.

Ainda inconformado, recorre para este Tribunal o arguido, que requereu alegações escritas (fls. 287), suscitando as seguintes questões: - Qualificação jurídica: homicídio simples ou qualificado; - Medida concreta da pena.

Respondeu detalhadamente o Ministério Público junto da Relação, que se pronunciou pelo improvimento do recurso e os assistentes, que concluíram que se fará justiça, mantendo-se a pena aplicada, que não violou qualquer disposição legal.

  1. Neste Supremo Tribunal de Justiça teve vista o Ministério Público.

    Fixado o prazo para alegações escritas, vieram as mesmas a ser apresentadas.

    Nelas, o recorrente continua a pedir a desqualificação do crime de homicídio para homicídio simples e sua condenação na pena única situada entre 8 e 10 anos de prisão efectiva.

    E concluiu, para tanto: 1) O Acórdão recorrido violou o disposto no art. 132° n° 2 alínea d) e g) do Cód. Penal 2) O homicídio qualificado é uma forma agravada do homicídio simples.

    3) Segundo o artigo 132° do Código Penal o homicídio é qualificado quando praticado com uma especial censurabilidade ou perversidade, fazendo este normativo apelo a um tipo especial de culpa.

    4) As circunstâncias qualificadoras do normativo, por não serem elementos do tipo, mas da culpa, não são de funcionamento automático.

    5) A conduta do arguido não foi dotada de especial perversidade ou especial censurabilidade, tal como resulta da análise de toda a matéria fáctica.

    6) Da globalidade dos factos apurados pelo tribunal infere-se que o arguido agiu, primeiro, em defesa da sua mãe, e que na sequência da discussão gerada com o tio, se precipitaram umas coisas atrás das outras, sempre num ambiente de grande conflitualidade, amplificado ainda pelo facto da casa do tio ser contígua à dos pais e ainda daquele andar a dizer no café que lhe havia de fazer a «vida negra» (facto que foi testemunhado em tribunal por duas pessoas, e para o qual o Ac. de 1 instância chama a atenção na sua Motivação - fls. 11, 50 §) . E, de facto, 7) O estado de ânimo do arguido que a sentença revela é de desagrado, exaltação e irritação, ou seja, o arguido, no continuum que se gerou desde os insultos à sua mãe até ao fatídico acontecimento, foi progressivamente ficando cada vez mais alterado, mais perturbado, como soe dizer-se mais «fora de si».

    8) Foi, portanto, num manifesto estado de exaltação que o arguido agiu, naquele fatídico momento, de que tanto se arrepende.

    9) Mas não foi motivado por egoísmo extremo, ódio ou desprezo em relação à vítima, por um motivo fútil, no sentido de insignificante, gratuito, repugnante ou «baixo», nem por um desvio da sua personalidade, em termos de perversidade, nem por um primitivismo despido de quaisquer valores ético-sociais.

    10) Foi por ser bom filho, amigo dos seus pais, nomeadamente da mãe, que o arguido se viu envolvido num conflito a que sempre esteve alheio, sendo de realçar que a sua personalidade não é de uma pessoa que leve uma vida desconforme ao direito.

    11) Se as coisas evoluíram da forma como evoluíram, foi por contribuição do próprio ambiente social e familiar do arguido e da vítima, pois o arguido, encontrando-se a viver com os pais, não se conseguia distanciar do conflito, e, como o tribunal refere, até no café ouvia recados do tio, que dizia lhe havia de fazer a vida negra.

    12) Apesar do crime cometido ter sido doloso e grave, a conduta do arguido não foi especialmente censurável ou dotada de especial perversidade.

    13) É pois de excluir, no nosso modesto entendimento, a qualificação do crime de homicídio por não se revelar especialmente censurável ou perversa a conduta do arguido, como entende a qualificada Jurisprudência supra citada.

    E, 14) Também porque, como ressalta da matéria provada, analisada na sua globalidade e contexto, não existiu motivo fútil (circunstância qualificadora prevista na al. d) do 132°), nem o meio utilizado foi especialmente perigoso (circunstância qualificadora prevista na al. g) do 132°), tal como esse requisito é interpretado pela Doutrina e Jurisprudência dominantes.

    15) É, pelo exposto, de excluir a qualificação jurídico-penal do crime de homicídio qualificado praticado pelo arguido.

    16) O arguido, ao tirar a vida à vítima JLBF, praticou um crime de homicídio previsto e punido no artigo 131° do Código Penal.

    17) Deverão ser tidas em devida conta as muitas atenuantes que resultaram provadas na audiência de discussão e julgamento, nomeadamente o facto do arguido ter confessado e colaborado com a Justiça; ter sido em defesa da mãe, com quem tinha uma ligação afectiva muito forte, que se viu envolvido numa guerra familiar a que estava alheio; de ser primário; jovem; uma pessoa normalmente calma, respeitada e muito bem considerada socialmente; e fundamentalmente, ter-se mostrado arrependido.

    18) O douto Acórdão recorrido não considerou na medida da pena aplicada a circunstância de existir a atenuação especial prevista no artigo 72°, n° 2 al. c) do Cód. Penal, como se verifica a fls. 33, linhas 8 e 9 daquele.

    19) O douto Acórdão recorrido violou, por isso, o disposto nos artigos 40°, nos 1 e 2, 71°, n°s 1 e 2, 72°, n°s 1 e 2 al. c), 131°, 132°, todos do Código Penal.

    20) A pena concreta, atendendo à atenuação geral e especial que decorre da matéria provada e ao princípio e fim da ressocialização, ínsito na legislação penal, que não pode ser posto de parte, deverá ser aplicada ao arguido uma pena de prisão efectiva que deve situar-se entre os 8 anos e meio e o máximo de dez anos, em cúmulo jurídico.

    Nas suas alegações, concluiu o Ministério Público neste Tribunal: 1ª - Improcedendo as conclusões extraídas pelo recorrente da sua motivação quanto à pretendida desqualificação do crime de homicídio voluntário, 2ª - Salvo no que diz respeito à agravação do crime nos termos da al. g) do n.° 2 do art.° 132.° do C. Penal, 3ª Inexistem razões para atenuar extraordinariamente a pena a impor ao arguido pelo crime de homicídio voluntário qualificado nos termos dos n°s 1 e 2, al. d) do art.° 132.° do C. Penal, mas, 4.° - Face ao condicionalismo que, exterior aos tipos legais, depõe em beneficio do arguido, de conceder será que alguma redução possa sofrer tal pena parcelar e bem assim a unitária por forma a situarem-se a primeira mais próxima do limite mínimo da respectiva moldura abstracta e a última à volta dos 14 anos de prisão.

    Colhidos os vistos legais, teve lugar a conferência, pelo que cumpre conhecer e decidir.

    E conhecendo.

    2.1.

    Comecemos por relembrar a matéria de facto tida por provada pelas instâncias.

    I - O arguido é sobrinho da vítima - JLBF, identificado a fls.53 e primo da ofendida - MMFF, identificada a fls. 39. Esta, por seu turno, é filha da...

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