Acórdão nº 06P468 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Abril de 2006 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelJOÃO BERNARDO
Data da Resolução05 de Abril de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I - A arguida AA, foi julgada pelo Tribunal Colectivo de Setúbal e condenada como autora de um crime de maus tratos a BB, p. e p. pelo art. 152 º, n.º 1 a) do C. Penal, na pena de dezoito meses de prisão; Tendo tal pena sido suspensa por um ano.

Desta decisão interpuseram recurso directamente para este STJ, quer o M.ºP.º, quer a arguida.

Vejamos primeiro o recurso do M.ºP.º: II - O Ex.mo Procurador restringe-o à parte do acórdão em que se decidiu que os factos provados relativamente aos ofendidos CC, FF e DD não integravam o crime de maus tratos imputado no despacho de pronúncia, E concluiu a sua motivação do seguinte modo: 1 - No crime de maus tratos a deficientes com atrasos mentais do art. 152°, n° 1, al. a) do Código Penal protege-se o bem jurídico saúde, este entendido como bem estar físico, psíquico e social e, de uma forma mais geral, os seus direitos individuais enquanto pessoas vulneráveis e mais desprotegidas; 2 - O conceito de maus tratos da norma penal abrange os maus tratos físicos, considerados como aqueles que afectam a integridade física das pessoas aí mencionadas, os maus tratos psíquicos, considerados como aqueles que afectam a auto estima e a competência social do dependente, entre os quais se incluem as humilhações, provocações e molestações, e ainda os tratamentos cruéis, estes considerados como aqueles que sejam desumanos, de forma inadmissível; 3 - Considerando a configuração actual do crime de maus tratos, relativamente a pessoas com deficiência mental, entende-se que o legislador não exige, para a sua verificação, a reiteração de condutas ou mesmo que estas revistam especial gravidade; 4 - Na verdade, atenta a razão de ser da criminalização das condutas aí tipificadas e o alargamento operado no tipo, considera-se que o motivo da agravação é a especial relação existente entre o agressor e a vítima, independentemente da gravidade intrínseca das condutas; 5 - No que respeita à situação particular das crianças ou jovens deficientes em virtude de atraso mental há que analisar com um cuidado acrescido as situações em que estas são vítimas de casos que possam ser enquadrados como maus tratos; 6 - A particular situação destas pessoas resulta do facto das mesmas requerem especiais cuidados educativos e tratamento pedagógico adequado ao estado de desenvolvimento (físico e psíquico) em que se encontram; 7 - Assim sendo, qualquer conduta que envolva violência física, psíquica ou emocional com este tipo de pessoas deficientes assume maior gravidade dada a vulnerabilidade e a exigência de maiores cuidados educativos e pedagógicos, por parte das pessoas com responsabilidade na sua guarda e educação; 8 - No caso dos autos, a arguida era a encarregada de lar onde se encontravam internados jovens com deficiência mental; 9 - O douto acórdão recorrido apenas condenou a arguida relativamente aos factos praticados quanto a um dos deficientes, pois considerou que, relativamente aos outros três envolvidos, inexistia reiteração de condutas, mas actos isolados, insuficientes para se enquadrarem no tipo de crime em causa; 10 - Para a existência da reiteração de condutas, nos casos de maus tratos envolvendo jovens com deficiência mental, há que atender ao facto do agente violar de forma repetida os seus deveres funcionais com vários deles, que estejam na sua dependência; 11 - No caso dos autos, não faz sentido distinguir a gravidade de certos factos relativos a uma vítima dos restantes, pois todos eles foram praticados em certo contexto e durante o lapso de tempo em que a arguida era encarregada daquele estabelecimento onde estavam internadas as vítimas, jovens com deficiência mental; 12 - Considera-se que os actos em causa relativamente aos casos em que se decidiu pela absolvição, integram o conceito de tratamento cruel, pois envolvem a reprimenda em situações educacionais de pessoas especialmente vulneráveis, onde a sua dependência educativa e emocional é vincada; 13 - Não se pode, por isso, enquadrar estes actos, pretensamente isolados, como simples ofensa corporal, pois dada a agressividade imanente aos mesmos há violação manifesta da dignidade dos cidadãos deficientes, considerando-se que os factos provados integram tratamento desumano em todos os casos e não apenas no caso do BB; 14 - Em suma, face aos factos provados e à configuração do crime de maus tratos, considera-se que a arguida deverá ser condenada pela prática de quatro crimes de maus tratos do art. 152°, n° 1, al. a) do Código Penal; 15 - Para o preenchimento do crime de maus tratos referido, não se exige que os factos revelem uma especial falta de sensibilidade do agente, nem qualquer outra expressão de carácter ou elemento da personalidade particularmente censurável; 16 - O douto acórdão recorrido violou o disposto no art. 152°, n° 1, al. a) do Código Penal; 17 - O douto acórdão recorrido interpretou o disposto no art. 152°, n° 1, al. a) do Código Penal no sentido de exigir para o seu preenchimento a existência de reiteração de condutas, afastando esta em face dos factos provados, quando este tipo de crime não exige tal elemento ou, mesmo que exija o mesmo, deverá considerar-se que ele ocorreu atento o conjunto de factos provados no douto acórdão, que não se restringiu a uma conduta isolada.

Respondeu a arguida.

Entendeu que: Face aos factos provados, não se pode saber se os factos ocorreram antes da...

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