Acórdão nº 285/14.5TAMTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 29 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelPEDRO VAZ PATO
Data da Resolução29 de Abril de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 285/14.5TAMTS.P1 Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto I – O Ministério Público vem interpor recurso da douta sentença do Juiz 2 da Secção Criminal da Instância Local de Matosinhos do Tribunal Judicial da Comarca do Porto que absolveu B… da prática de um crime de maus tratos, p. e p. pelo artigo 152º-A, nº 1, a), do Código Penal.

As conclusões da motivação do recurso são as seguintes: «1. O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao absolver o arguido B… da prática de um crime de maus tratos, uma vez que a prova produzida em julgamento imporia, de forma segura, a sua condenação pela prática do crime que lhe vinha imputado na acusação pública.

  1. Nos termos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea a), do Código de Processo Penal, considera-se que foram incorretamente julgados não provados os factos indicados nos pontos a), f) e g), designadamente: Ponto a) – Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em C. a E., o arguido desferiu duas bofetadas na face do filho e, em acto contínuo, muniu-se de um cinto e com a zona da fivela desferiu diversas pancadas no corpo daquele, atingindo-o com maior incidência na zona das pernas e dos seus órgãos genitais.

    Ponto f) - Por força dos comportamentos do arguido, o menor ofereceu resistência aos encontros com o progenitor, aqui arguido, dizendo a chorar que “não quer ir para o pai.

    Ponto g) - O arguido agiu com o propósito concretizado de ofender a integridade física e psicológica do menor, bem sabendo que lhe empregava um tratamento cruel, causando naquele sentimentos de vergonha, frustração, medo e inquietação.

  2. Na respectiva motivação, o Tribunal quo refere terem ficado dúvidas quanto à autoria, pelo arguido dos factos que lhe são imputados na acusação pública, estribando a sua convicção, em suma: (i) Nas declarações do arguido que negou a prática dos factos, apenas assumindo ter dado duas palmadas ao menor, declarações essas corroboradas pela sua irmã, testemunha C…, que assistiu aos factos em causa nos autos.

    (ii) No facto de os agentes da P.S.P. se terem deslocado a casa do arguido na noite do dia 27/12/2013, tendo visto o menor a dormir e sem qualquer lesão aparente (iii) No facto de o menor, por vezes, aparecer pisado na sequência de se magoar a jogar futebol com os amigos e na prática de artes marciais.

    (iv) Na circunstância de o menor, aquando das suas declarações para memória futura, ter relatado episódios que, na opinião do Tribunal a quo, são inverosímeis.

  3. No que concerne ao facto dado como não provado no ponto a) – “Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em C. a E., o arguido desferiu duas bofetadas na face do filho e, em acto contínuo, muniu-se de um cinto e com a zona da fivela desferiu diversas pancadas no corpo daquele, atingindo-o com maior incidência na zona das pernas e dos seus órgãos genitais” - entendemos que foi produzida prova bastante a esse respeito na medida em que: (i) O próprio menor relata a ocorrência de tais factos em sede de declarações para memória futura - cf. CD de suporte das declarações para memória futura junto aos autos a fls. 143, 4 minutos e 23 segundos.

    (ii) O relatório pericial de avaliação psicológica realizada ao menor junto aos autos a fls. 55-64, sufraga o entendimento de que o menor relata os factos de forma credível não havendo indícios de que o mesmo os tenha imaginado ou que tenha sido induzido por terceiros a adoptar tal discurso.

    (iii) Nesse mesmo dia, o menor falou ao telefone com a sua progenitora, D…, relatando-lhe, nas suas palavras, “que o pai o tinha espancado com um cinto”, razão pela qual a progenitora deslocou-se de imediato a casa do arguido, onde aquele e a sua irmã, testemunha C…, negaram a sua entrada e o contacto com o menor, razão pela qual acabou por chamar a polícia e contactar a CPCJC – cf. depoimentos da testemunha D… 2 minutos e 45 segundos e da testemunha E… 1 minuto e 54 segundos.

    (iv) No dia seguinte, a progenitora D… quando foi buscar o menor a casa do arguido, viu as marcas das lesões no corpo do menor – cf. declarações do arguido 6 minutos, depoimento da testemunha D… 2 minutos e 45 segundos.

    (v) As lesões sofridas pelo menor na sequência da conduta do arguido foram verificadas por perícia de avaliação do dano corporal do INML, cujo relatório consta dos autos a fls. 3-5 e 62-64, lesões essas que não se compadecem com duas palmadas nem com lesões decorrentes da prática desportiva pelo menor, sendo certo que em tal relatório conclui-se que tais lesões “terão resultado de traumatismo de natureza contundente o que é compatível com a informação” (fls. 64, verso), ou seja, “agressão com cinto (com a fivela) (fls. 63).

    (vi) O depoimento prestado pelo agente da P.S.P. que se deslocou ao local é incongruente com as declarações prestadas pelo arguido e com o depoimento da testemunha C…, na medida em que - cf. declarações do arguido 6 minutos e 30 segundos, depoimento da testemunha C… 7 minutos e 25 segundos e depoimento do agente da P.S.P., F… 1 minuto e 49 segundos: a. Quer o arguido, quer a testemunha C… afirmam que o arguido estava a dormir com o menor à data em que os agentes o viram, no entanto, o agente da P.S.P. afirmou que o menor estava a dormir sozinho.

    1. O agente da P.S.P., afirma que nesse ia viu as costas e as pernas do menor por baixo do pijama. No entanto, enquanto o arguido refere que foi a sua irmã, C…, que despiu o menor para o mostrar aos agentes, a própria testemunha C…, quando inquirida, refere que os agentes da P.S.P. só levantaram a manta do menor e não o pijama.

    vii) Por outro lado, as condições em que o agente da P.S.P. viu o menor no dia dos factos, jamais permitiriam a visualização das lesões, pois as condições de luz não o permitiam e o menor estava a dormir de barriga para baixo - cf. declarações do arguido 6 minutos e 30 segundos, depoimento da testemunha C… 7 minutos e 25 segundos e depoimento do agente da P.S.P., F… 1 minuto e 49 segundos.

    viii) Acresce que, quer o arguido, quer a sua irmã, testemunha C…, tinham um interesse directo no desfecho do processo, sobretudo tendo em conta o extenso rol de condenações averbadas no CRC do arguido (cf. ponto O da factualidade provada), muitas delas em penas de prisão ainda suspensas na sua execução.

  4. No que concerne ao facto dado como não provado no ponto f) - “Por força dos comportamentos do arguido, o menor ofereceu resistência aos encontros com o progenitor, aqui arguido, dizendo a chorar que “não quer ir para o pai” – a progenitora do menor, D…, que afirmou que nos primeiros meses que se sucederam aos factos em causa nos autos ocorridos no dia 27 de Dezembro de 2014, dizendo que o mesmo chorava muito – cf. 9 minutos e 15 segundos.

  5. Quanto ao facto dado como não provado no ponto g) - “O arguido agiu com o propósito concretizado de ofender a integridade física e psicológica do menor, bem sabendo que lhe empregava um tratamento cruel, causando naquele sentimentos de vergonha, frustração, medo e inquietação” - a prova dos factos supra descritos, bem como aqueles que já resultaram provados na sentença, ponderados criticamente de acordo com as regras da experiência comum, permitem dar como provado o facto em análise relativo ao elemento volitivo.

  6. Entendemos assim que, ao dar como não provados os factos constantes dos pontos a), f) e g), o Tribunal a quo não aplicou correctamente ao caso sub judice as regras da experiência comum, teve em consideração depoimentos indirectos e fez tábua rasa dos juízos científicos sufragados por Perito de Psicologia Forense em relatório pericial, violando assim o disposto nos arts. 127.º,129.º, n.º 1 e 163.º, todos do Código de Processo Penal.

  7. No que concerne à qualificação jurídica dos factos em análise, entendemos que na medida em que o arguido, que apenas tinha o menor consigo esporadicamente, se ter munido de um cinto, desferindo várias pancadas com a zona da fivela no menor, com apenas 7 anos de idade, atingindo o mesmo também na zona genital e causando-lhe lesões com a extensão das verificadas nos autos, causando assim perturbações no menor que se podem vir a traduzir em alterações comportamentais graves, capazes de pôr em causa o seu desenvolvimento físico e psíquico harmonioso, está preenchido o tipo legal de maus tratos pelo qual o arguido vinha acusado.

  8. No entanto, ainda que assim não se entenda, o que apenas por mera hipótese de raciocínio se concebe, tais factos sempre configurariam um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, com referência ao disposto na alínea a) do n.º 2 do art. 132.º, todos do Código Penal.» O arguido apresentou resposta a tal motivação, pugnando pelo não provimento do recurso.

    O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando pelo provimento do recurso.

    Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

    II – A questão que importa decidir é, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, a de saber se a prova produzida impõe decisão diferente da que foi tomada na douta sentença recorrida, devendo o arguido ser condenado pela prática de um crime de maus tratos, p. e p. pelo artigo 152º-A, nº 1, a), do Código Penal, por que vinha acusado.

    III – Da fundamentação da douta sentença recorrida consta o seguinte: «(…) II. Fundamentação 1. Matéria de facto provada A. O arguido é Pai de G…, nascido a 13 de Agosto de 2006.

    1. Por acordo obtido no âmbito do processo de regulação do poder paternal que correu termos no 3º Juízo do Tribunal de Família e Menores do Porto, no âmbito do proc. n.º 2322/06.8TMPRT, G… foi confiado à guarda da progenitora D…, podendo o arguido estar com o mesmo aos fins-de-semana, nas festividades do Natal e da Páscoa, nas férias escolares e sempre que o solicitasse, mediante contacto prévio com a progenitora D….

    2. No dia 27 de Setembro de 2013, pelas 20h00, o menor G… encontrava-se a pernoitar em casa do arguido, sita na rua …, n.º .., .º...

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